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18 de outubro de 2019
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12:38

Sem pagamento, empresa responsável pela reforma do Instituto de Educação abandona obra

Por
Luís Gomes
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Instituto de Educação Flores da Cunha não tem aulas desde 2016 | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Em janeiro de 2016, a Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul (Seduc) determinou a transferência de todos os estudantes do Instituto de Educação Flores da Cunha para outras quatro escolas estaduais para que pudesse dar início às obras de recuperação do prédio histórico. Muitos problemas, um rompimento de contrato, uma segunda licitação e quase quatro anos depois, menos de 10% das obras foram realizadas. Para piorar, a empresa que estava executando os trabalhos comunicou ao governo do Estado que irá paralisar as obras e desmobilizar os trabalhadores por falta de pagamento. A situação é tão grave que a empreiteira anuncia que só tem recursos para manter a vigilância das obras até o dia 30 de outubro. Passado esse prazo, até esse serviço será interrompido.

O Instituto de Educação apresenta problemas estruturais desde pelo menos meados da década passada. Representante da Comissão do Restauro do Instituto de Educação, Maria da Graça Moralles disse ao Sul21, em abril de 2018, que um levantamento feito em 2010 apontou a necessidade de seis reformas nos prédios que compõem a escola. O ginásio estava prestes a ser interditado, uma obra específica para o telhado chegou a ser iniciada, mas não foi adiante. Além disso, os alunos conviviam com falhas na parte elétrica. As negociações com o governo do Estado para uma reforma começaram em 2011, mas a reforma só seria aprovada em 2013. Na ocasião, ficou definido que o governo tomaria um empréstimo junto ao Bird (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) para bancar a obra, então orçada em R$ 22,5 milhões.

Apesar de a licitação ter sido encerrada ainda no governo de Tarso Genro (PT) — que terminou em 2014 –, a empresa Portonovo Empreendimentos e Construções Ltda só foi contratada ao final de 2015, o que motivou a transferência dos alunos para as escolas Roque Callage, Rio Branco e Felipe de Oliveira. Os alunos dos anos iniciais permanecem na Dinah Neri, prédio anexo ao IE que continua aberto. Na ocasião, cerca e 1,6 mil alunos estavam matriculados na escola. De acordo com a Seduc, hoje são 1.354.

No entanto, por conta do atrasos nas obras, que nunca passaram de 10% do cronograma previsto, a Seduc decidiu romper o contrato com a Portonovo em agosto de 2017. Um novo processo licitatório foi aberto e só encerrado em 2018. Vencedora do processo, a Concrejato Serviços Técnicos de Engenharia S.A. retomou as obras, agora orçadas em R$ 28,6 milhões, em 17 de outubro de 2018. No entanto, em 31 de janeiro, a empresa cobrou da Seduc uma manifestação por não ter recebido nenhum pagamento ainda. Sem resposta, em 6 de fevereiro informou que estava reduzindo o ritmo da reforma. A empresa passou então a cobrar do governo um aditamento do contrato e a regularização dos pagamentos. Sem ter resposta positiva, em 1º de agosto deste ano a Concrejato paralisou as obras. Ainda em agosto, reuniões entre a Seduc e a empresa resultaram em uma minuta de contrato para o aditivo ser assinado.

No entanto, em ofício encaminhado em setembro ao governo do Estado, ao qual a reportagem do Sul21 teve acesso, a Concrejato diz que não tem mais condições financeiras e capacidade de continuar as obras sem um aditamento do contrato, o que a empresa vinha cobrando do governo desde fevereiro. “Reiteramos que todos os esforços possíveis para manter as frentes de trabalho em andamento já foram esgotados pela empresa (…). Diante disto, impossibilitados de seguir com a mobilização do canteiro sem uma definição quanto ao aditamento contratual, desmobilizaremos a equipe e equipamentos, deixando a vigilância vinte e quatro horas no período de um mês, até que se resolvem as questões jurídicas do contrato, sendo que, a partir deste prazo, não conseguiremos mais manter a vigilância do local”, diz o ofício assinado por Fernanda Baracat Lapo, coordenadora de obras da restauração do IE.

Ofício encaminhado pelo Concrejato ao governo do Estado | Foto: Reprodução

A reportagem do Sul21 entrou em contato com a Concrejato nesta quinta, que respondeu por meio de nota: “O andamento regular das obras está sendo muito prejudicado pela indefinição quanto a um aditamento contratual, que depende da análise do governo do Estado do Rio Grande do Sul quanto à mudança do modelo contratual”.

Diante da possibilidade de paralisação total das obras, a comunidade escolar se organizou para cobrar do governo uma posição e a retomada dos trabalhos. Uma manifestação, chamada de “Não vamos permitir este descaso!”, está sendo convocada para o próximo domingo (20), às 11h, diante do prédio histórico do Instituto de Educação, na Av. Osvaldo Aranha, em Porto Alegre.

Nesta quinta-feira (17), Maria da Graça Moralles e a deputada Sofia Cavedon (PT) se reuniram com o secretário-chefe da Casa Civil, Otomar Vivian (PP), para tratar da questão que, segundo a deputada, dessa vez não é culpa da empresa. “A situação é muito grave. E não é problema da empresa, que tem uma ótima qualidade técnica”, diz.

Maria da Graça, durante vistoria de pais e professores nas obras do Instituto de Educação General Flores da Cunha em abril de 2018 | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O contrato com o Bird previa a utilização dos valores exclusivamente em obras que terminassem até fevereiro de 2019. Quando a reforma do IE foi retomada, a previsão era de que as obras fossem concluídas ainda no primeiro semestre de 2020. Atualmente, apenas cerca de 9% das obras foram concluídas. “O governo Sartori não conseguiu dar conta das obras. Teve um problema com a primeira empresa, teve demora no processo e o dinheiro do Bird foi devolvido em abril. Agora estamos cobrando do governo outro alternativa”, diz a deputada Sofia.

Procurada, a Seduc diz que o governo não perdeu o recurso do Bird, mas também não esclareceu para qual fim o recurso foi destinado. Por meio de nota, a secretaria confirmou que as obras do IE foram paralisadas porque não há verba para dar continuidade. “O governo do RS já investiu no local R$ 1.192.049,84, mas ainda é necessário um aporte de R$ 21.735.678,63 para a conclusão da edificação. O montante é considerado expressivo diante da situação financeira do Estado”, diz a nota.

A Seduc informa que será criado um grupo de trabalho envolvendo técnicos das secretarias de Governança e Gestão Estratégica, Educação, Fazenda, Obras e Cultura (por se tratar de prédio tombado) com o objetivo de analisar alternativas técnicas e financeiras para a reforma do IE.

Maria da Graça, que é mãe de uma aluna do 3º ano do Ensino Médio, lamentou a falta de resposta do governo para a continuidade das obras. “Não se sabe o que vai acontecer. E paralisação de obra sempre implica mais tempo de trabalho e mais gasto, porque o que já foi feito vai estragando”, diz.

Apesar de oficialmente a escola continuar existindo com o mesmo quadro docente, ainda que ocupando outros prédios, Maria da Graça diz que a saída do IE ocasionou um grande prejuízo pedagógico para os alunos. A filha dela está tendo aulas no prédio da antiga escola Roque Callage (localizada na Rua Cabral, 621), que foi oficialmente encerrada. “O prédio não tem laboratórios, a biblioteca é pequena, e esse ano os professores que cuidavam dela ainda foram retirados, as atividades de Educação Física não tem um espaço adequado, então são feitas nos corredores entre uma aula e outra, causando barulho e prejudicando quem está nas outras aulas”, diz.

Fora isso, ela destaca também que a mudança de local dificultou muito o acesso dos alunos à escola. “Para quem tem uma localização na Osvaldo Aranha, onde passam todos os ônibus da cidade e da Região Metropolitana, ter que ir até um local que é uma subida íngreme, que não passa ônibus, dificultou muito”, diz.

Maria da Graça explica que a família decidiu manter a filha na escola sem sede pela confiança que tinha nos professores, pela tradição do Instituto de Educação e por ter feito quase todos os seus estudos ali. Mesmo sabendo que, ainda que o governo resolvesse a situação da paralisação da obra, a jovem não teria tempo hábil para voltar a estudar no prédio histórico, ela diz que continua envolvida na luta para que o Instituto seja recuperado. “Pelo envolvimento da gente que acompanhou todo o processo de obtenção de recursos para a escola, não há nenhuma forma de aceitar a perda desse espaço, tanto como espaço cultural e histórico, como espaço de educação”, diz.

Obras inacabadas do Instituto de Educação | Foto: Arquivo Pessoal
Obras inacabadas do Instituto de Educação | Foto: Arquivo Pessoal
Obras inacabadas do Instituto de Educação | Foto: Arquivo Pessoal
Obras inacabadas do Instituto de Educação | Foto: Arquivo Pessoal
Obras inacabadas do Instituto de Educação | Foto: Arquivo Pessoal

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