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16 de outubro de 2019
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16:34

‘Relações obscenas’: livro aponta ‘grave violações jurídicas’ em revelações da Vaja Jato

Por
Luís Gomes
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Livro “Relações obscenas” foi lançado oficialmente em Porto Alegre na noite de terça-feira (15) | Foto: Giulia Cassol/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Em evento realizado no Chalé da Praça XV, o Instituto Novos Paradigmas (INP) promoveu na noite desta terça-feira (15) o lançamento do livro “Relações Obscenas: As revelações do The Intercept-BR” em Porto Alegre. Organizado por Wilson Ramos Filho, Maria Inês Nassif, Hugo Cavalcanti Melo Filho e Mirian Gonçalves, o livro traz cerca de 60 artigos que analisam juridicamente as informações reveladas pela série de reportagens Vaza Jato entre os meses de junho e julho deste ano (um novo livro irá analisar as revelações mais recentes). Os autores consideram que o conteúdo das conversas entre procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro já configuram graves violações jurídicas.

Anfitrião da noite, o ex-governador e presidente do conselho do INP, Tarso Genro, abriu o evento destacando que as “relações obscenas” apontadas no livro são fruto do casamento da ideologia neoliberal com um ideal “paranoico e fascista” que tomou parte de setores da classe média e das corporações jurídicas e que acabou resultando na eleição de Jair Bolsonaro (PSL). “Só poderia ser eleito a partir de relações obscenas da grande burguesia com setores do judiciário, do Ministério Público, com articulação internacional”, disse Tarso.

Tarso afirmou que há um movimento mundial “anti-humanista e anti-iluminista” que vem promovendo esse casamento entre o autoritarismo e o neoliberalismo, o que ele considerou, citando o filósofo Georg Lukács, como um movimento de “assalto à razão”. “É um assalto à razão social-democrata, é um assalto à democracia, os direitos humanos, aos direitos da classe trabalhadora, aos direitos das mulheres, ao direito das pessoas exercerem livremente sua sexualidade”, disse o ex-governador.

Ex-governador Tarso Genro conduziu o lançamento do livro “Relações Obscenas” | Foto: Giulia Cassol/Sul21

Ao final de sua fala, Tarso afirmou que, para enfrentar esse movimento, é preciso união das forças democráticas e propôs que o Rio Grande do Sul se torne, nas eleições municipais de 2022, um exemplo de “unidade programática pela esquerda” para o Brasil.

Um dos organizadores da obra, Wilson Ramos Filho, jurista e presidente do Instituto Declatra, destacou em sua fala que “Relações Obscenas” compõe uma coletânea de livros que vêm sendo publicados desde o golpe de 2016 com artigos e ensaios para analisar a conjuntura do País. Ele afirmou que, originalmente, estava previsto para ser lançado o terceiro volume da série “Enciclopédia do Golpe”, mas os organizadores decidiram mudar os rumos do projeto a partir das revelações do The Intercept Brasil sobre a Lava Jato. “Vários intelectuais analisaram as revelações da Vaza Jato, dissecando as relações obscenas entre procuradores e o juiz da causa”, disse.

Wilson Ramos Filho é um dos organizadores do livro | Foto: Giulia Cassol/Sul21

Ramos pontuou que o livro traz análises sobre as reportagens da Vaza Jato publicadas nos meses de junho e julho porque já é possível considerar que elas revelaram “graves violações jurídicas”. Ele destaca que um novo volume está sendo preparado, a ser chamado “Relações Indecentes”, com artigos sobre as reportagens publicadas entre os meses de agosto e outubro. “Nós não sabíamos que tínhamos tantos fascistas no Brasil, mas não sabíamos especialmente que tínhamos tantos fascistas nas nossas famílias”, disse. “Para enfrentar isso, vamos precisar de uma revolução cultural, que se dará no campo das ideias. E esse livro tenta contribuir para isso”, disse.

Jurista e conselheiro do INP, Mauro Menezes também destacou que as revelações da Vaza Jato entre junho e julho já eram “suficientes para demonstrar um desvio que era previsível, mas ainda não tinha sido comprovado”. “Nós tínhamos indícios, mas não evidências, de que a Lava Jato se colocava no epicentro de uma articulação política com o empresariado, com a mídia, com a Justiça, em um espaço que não lhe cabia”, disse. “A Vaza Jato trouxe à tona a confirmação de que houve compartilhamento de informações privilegiadas sem que a defesa tivesse acesso”, complementou.

Mauro Menezes  destacou que a Vaza Jato trouxe evidências para confirmar suspeitas de desvios de conduta | Foto: Giulia Cassol/Sul21

Mauro acrescentou ainda que o conteúdo do vazamento nunca foi negado de forma dura pelos envolvidos, pelo contrário, foram admitidos numa “tentativa de normalização”, o que ele considerou como algo “absolutamente impróprio”. “Ao contrário de promover uma revolução ética e moral no Brasil, (a Lava Jato) promoveu a corrosão do Judiciário”, disse.

O evento também contou com uma participação, via internet, do jornalista argentino Martín Granovsky, do jornal Página 12, que avaliou que a utilização da Justiça como uma braço político a serviço da direita e da extrema-direita também vem acontecendo em outros países da América Latina. Granovsky fez uma breve avaliação do cenário político na Argentina, pontuando que a chapa formada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner deve derrotar o atual presidente Mauricio Macri nas eleições que ocorrem no final deste mês. Segundo ele, a campanha do país se assemelha ao cenário eleitoral de 2003 no Brasil, quando Lula foi eleito com uma plataforma de combate à fome. Nesse momento, destacou Granovsky, há 5 milhões de argentinos passando fome em um cenário de alto desemprego e colapso das empresas médias e pequenas. Ele projetou que Fernández deve ser eleito ainda em primeiro turno, possivelmente com mais de 50% dos votos válidos (na Argentina não é necessário 50% dos votos válidos para se eleger em primeiro turno, basta uma vantagem superior a 10% e mais de 40% dos votos).

Castro destacou derrotas recentes da extrema-direita na Europa | Foto: Giulia Cassol/Sul21

Último a falar no evento, o advogado e diretor do Sul21 Antonio Escosteguy Castro pontuou que resultados eleitorais recentes em países como Hungria, Portugal e Polônia já indicam a reversão de uma onda mundial a favor de partidos de extrema-direita, que ele considerou que teve seu ápice no Brasil, por eleger o seu representante “mais despreparado”. Ele avaliou que essa onda foi possível porque há um descontentamento que vai da “Nova Zelândia ao Alasca” com a democracia liberal representativa e que a crise desse modelo permitiu o surgimento da união de interesses de grandes corporações com o judiciário em torno de “projetos pessoais de poder”.

Castro destacou que, hoje, cabe à esquerda fazer a defesa dessa democracia liberal representativa no âmbito do enfrentamento ao fascismo, mas que é preciso também pensar em uma proposta diferente para quando esse momento autoritário passar. “Quando nós derrotarmos o fascismo, temos que voltar a ser capazes de encantar as massas num processo de transformação que tem que incluir um aprofundamento da democracia”, disse.

“Relações obscenas” foi lançado pela editora Tirant Lo Blanch e pode ser adquirido em seu site.


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