Pesquisa da FURG cria equipamento que verifica influências meteorológicas no derretimento de geleiras

Por
Annie Castro
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Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

 

 

 

Em 2014, quando Guilherme Tomaschewski decidiu realizar um Doutorado, o professor de Ciências da Computação na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) desejava desenvolver uma pesquisa que resultasse em um produto que pudesse ser aplicado na vida real. Foi por isso que ele foi para o Programa de Pós-graduação em Oceanologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), onde trabalhou no desenvolvimento de um equipamento que inova no monitoramento do derretimento de geleiras e permite entender quais são as condições meteorológicas quando ele ocorre.

A decisão pela área de estudo para cursar o Doutorado surgiu em uma conversa com o professor que passaria a ser seu orientador, conforme relata Tomaschewski: “Na época que pesquisava sobre o curso, eu conversei com meu futuro orientador e gostei muito da linha de trabalho. Nós identificamos várias demandas de tecnologia nessa área da glaciologia”. Assim, em 2015 a pesquisa começou a ser desenvolvido dentro do Laboratório de Monitoramento da Criosfera da FURG (LaCrio), e já foi premiada três vezes com o programa de bolsas Google Latin America Research Awards (Lara).

Segundo professor do Instituto de Oceanografia da FURG Jorge Arigony-Neto, que orientou a pesquisa de Tomaschewski, a demanda pela criação de um equipamento que permitisse melhorar a precisão do acompanhamento do derretimento de geleira surgiu inicialmente em 2013, quando ele iniciou um programa de monitoramento do balanço de massa da geleira Schiaparelli, localizada na Cordilheira Darwin, em conjunto com colegas de três instituições do sul do Chile – Instituto Antártico Chileno, Centro Regional CEQUA e Universidade de Magallanes.

“O objetivo inicial era quantificar esses processos de ganho e perda de massa e entender a influência das condições meteorológicas e do clima nos mesmos. Então, com financiamento da parte brasileira pela FAPERGS [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul], do CNPq, por meio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera, INCT da Criosfera, realizamos diversas expedições científicas para essa geleira, que permitiram instalar alguns instrumentos”, conta Arigony-Neto.

À medida que pesquisadores de outros países ingressaram no projeto, os experimentos no local foram expandidos, permitindo a realização de levantamentos com equipamentos eletrônicos como drones e câmeras time-lapse. Assim, o local foi mantido como “um grande laboratório para estudos de longo prazo, desenvolvimento de novos métodos e equipamentos”. “Comecei então a buscar um estudante com formação tecnológica que tivesse condições de desenvolver um equipamento que nos permitisse melhorar a precisão das medidas de derretimento na superfície das geleiras”, relata o orientador.

O monitoramentos da ablação, ou seja, da perda de massa de gelo em uma geleira, normalmente é feito por meio de uma baliza, feita de bambu, alumínio ou canos de PVC, que é enterrada nas geleiras. Depois disso, o espaço exposto nas balizas é medido de tempos em tempos, o que permite ver o derretimento da geleira onde a baliza foi colocada.

Assim como nos métodos tradicionais de monitoramento, o equipamento desenvolvido também possui uma baliza de medição, porém bem mais sofisticada. Com 12 metros de altura e feita de PVC, ela possui em seu interior sensores de radiofrequência, que estão dispostos a cada 15 centímetros. A inovação principal desenvolvida por Tomaschewski em seu Doutorado está na parte computacional acrescentada à baliza. Na superfície da baliza de PVC há um pequeno tripé, feito com componentes de fibra de carbono de mastros de windsurf reciclados, onde está instalado um leitor movido a base de energia solar. Há também na baliza uma estação meteorológica automática.

O equipamento foi desenvolvido assim porque o tripé desliza pela baliza quando ocorre o derretimento. Dessa forma, ele consegue ler as informações que estão nos sensores de radiofrequência. Segundo Tomaschewski, essa estação eletrônica de ablação permite monitorar “numa precisão de 15 cm o derretimento no tempo em que ele acontece”. “Cada geleira tem uma característica própria, dependendo de onde ela está existem coisas que influenciam, como altitude, proximidade com o mar. A gente melhorou nossa medição e isso nos permite uma comparação com aspectos meteorológicos que afetam essas geleiras durante o período de derretimento”.

A estação eletrônica de ablação possui um leitor movido a base de energia solar. Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com o professor Arigony-Neto, a produção do equipamento foi baseada “na forma glaciológica tradicional de realizar as medidas, ou seja, nas balizas e em uma forma de registrar de forma mais frequente o quanto vai diminuindo a espessura”. Segundo ele, a estação eletrônica de ablação levou em torno de um ano para ser totalmente desenvolvida. Durante a pesquisa, o equipamento foi instalado na geleira Schiaparelli e também na Grey, no Campo de Gelo Patagônico Sul.

Para Tomaschewski, o equipamento permite que sejam realizadas leituras mais frequentes e com uma melhor resolução. “O impacto real é justamente em ter uma resolução temporal dessas medições de derretimento com uma qualidade suficiente para que a gente consiga comparar alguns dados meteorológicos. Se a gente consegue saber que período teve maior derretimento, expresso, às vezes, em semana e alguns dias, é possível comparar quais são os fatores meteorológicos que influenciam mais fortemente e entender o papel deles no derretimento”, explica.

Segundo o professor Arigony-Neto, um dos maiores problemas atuais é a ausência de dados precisos sobre o derretimento das geleiras e sobre a sensibilidade que geleiras de diversas regiões apresentam às condições meteorológicas. O professor pontua que, caso houvessem esses dados mais precisos, essas informações seriam utilizadas para tentar “diminuir os erros dos modelos do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] que estimam a influência do derretimento das geleiras no aumento do nível médio dos mares, considerando os diversos cenários de emissão dos gases estufa”.

Para Guilherme Tomaschewski, equipamento aprimora o monitoramento do derretimento de geleiras. Foto: Arquivo Pessoal

Conforme explica Arigony-Neto, o derretimento das geleiras está ligado a algumas mudanças no meio ambiente. O impacto mais imediato acontece localmente e diz respeito à alteração das características das massas de água dos fiordes – grandes entradas de mar entre altas montanhas rochosas – e modificando as condições para o desenvolvimento de espécies comerciais. O pós-doutorando Tomaschewski ressalta que esse efeito local acontece porque as geleiras, ao derreterem, liberam uma grande quantidade de água doce, afetando a salinidade e alterando as correntes marinhas da região em que estão.

O derretimento de geleiras também pode gerar efeitos a nível global por provocar “grande aporte de água doce em regiões de formação da água de fundo antártica, como a região da Península Antártica”, conforme explica Arigony-Neto. “A água de fundo antártica tem um grande papel na circulação termohalina (ou circulação oceânica profunda), responsável pelo transporte do calor dos trópicos para as regiões polares (ou seja, os grandes “aparelhos de ar-condicionado” do planeta)”.

Segundo ele, essa alteração na quantidade de água doce em locais de formação da água antártica de fundo faz com que as massas d’água da região das geleiras tenham suas densidades alteradas, o que gera o enfraquecimento dos “processos de movimento vertical das massas d’água, que são os “motores” dessa circulação”. Além desse efeito, o professor também pontua que outro impacto a nível global é a contribuição direta para o aumento do nível médio dos mares, o que para ele é “muitíssimo preocupante para um país costeiro como o nosso”.

Embora a tese de Tomaschewski tenha sido defendida no final de junho, o monitoramento do derretimento das geleiras irá continuar. Segundo Arigony-Neto, os pesquisadores possuem objetivos de longo prazo, como compreender o que irá acontecer com a geleira de Schiaparelli no futuro, desenvolver novos equipamentos e dar continuidade ao treinamento de outros estudantes. “O monitoramento segue com outros equipamentos que mantemos instalados na superfície da geleira. Temos também alguns artigos científicos que estamos trabalhando com os dados adquiridos desde o início dos trabalhos na geleira e que devem ser submetidos a revistas científicas até o final do ano”, explica o professor.

O professor também afirma que outra forma de continuar o estudo ocorre por meio da “incorporação ao programa de monitoramento de outras seis geleiras do Fiorde De Agostini, localizado a 30 km da geleira Schiaparelli e onde recentemente implantamos alguns experimentos a partir de um projeto do Centro Regional CEQUA e com o apoio logístico de operadores turísticos locais”. Além disso, segundo Arigony-Neto, também existe a possibilidade de que sejam criados outros equipamentos que ajudarão no monitoramento do derretimento das geleiras. “Estamos buscando financiamento para o desenvolvimento de outra concepção que tive junto com um colega, o Prof. Paulo Drews, do Centro de Ciências Computacionais da FURG, para desenvolver outro equipamento que nos permita medir de forma contínua o derretimento e desprendimentos de gelo da porção submersa das geleiras”.

Ainda, a fim de que qualquer pessoa pudesse replicar a tecnologia, o equipamento foi projetado em um modelo de software livre. Para permitir a propagação das informações a respeito do projeto, foi criado um repositório de informação onde estão disponíveis todos os detalhes técnicos das estações de ablação e meteorológica. Segundo Tomaschewski, a invenção foi com código aberto porque os pesquisadores queriam que esse tipo de monitoramento ambiental fosse possível em outras geleiras.


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