Geral
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11 de agosto de 2019
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13:42

Tem que ter representatividade: jovens criam primeiro banco de imagens LGBT+ do Brasil

Por
Sul 21
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Banco de imagens LGBT+ reúne mais de 150 fotografias disponíveis para download gratuito. Foto: Isadora Heimig/Tem Que Ter

Annie Castro 

Totalmente gratuito, o primeiro banco de imagens LGBT+ do Brasil reúne mais de 150 imagens que retratam cenas do cotidiano, como amigos em uma mesa de bar ou em um café, pessoas trabalhando em um escritório, casais em piqueniques, pintando a casa, plantando mudas e em momentos de romance. O projeto é resultado da percepção que as amigas Manoela Haase, Betina Ayone, Patrícia Richter, Fernanda Sanchis e Ana Maria Antunes tiveram de que a maioria das fotografias de pessoas LGBTs presentes nos bancos de imagens são estereotipadas ou até mesmo fetichizadas.

Lançado oficialmente em 25 de julho, o projeto ‘Tem Que Ter’ surgiu há mais de um ano por meio de um edital da SaferNet Brasil em parceria com o Google.org e a UNICEF Brasil para estimular o desenvolvimento de iniciativas contra o discurso de ódio na internet. O projeto das amigas gaúchas foi um dos 14 que receberam bolsas no SaferLab. “Eu sempre fui super engajada em projetos sociais. Quando eu vi o edital eu achei muito legal e senti vontade de participar, mas ainda não sabia exatamente o que poderia criar”, conta Manoela, que ficou sabendo do edital graças a sua chefe e convidou as amigas para participar.

A ideia a respeito de qual projeto as jovens criariam só surgiu ao longo do processo de desenvolvimento do edital, que reuniu mais de mil participantes. De acordo com Manoela, existiram diversas fases durante a seleção do concurso. “A primeira etapa foi uma parte online, onde eles nos disponibilizaram conteúdos para a gente entender o que são contra narrativas e o que que já existe no mercado. Toda semana a gente fazia alguns desafios online. Depois passamos por uma segunda fase, que foram as imersões”, explica Manoela. Nessa etapa, as criadoras foram para Curitiba, onde aconteceu, durante dois dias, a imersão da região sul, que englobava os participantes do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Manoela Haase e Betina Ayone são duas das cinco criadoras do banco de imagens ‘Tem Que Ter’. Foto: Luiza Castro/Sul21

Foi após essa etapa que o projeto passou a criar forma. Inicialmente, as criadoras queriam desenvolver um banco de imagens que abrangesse todas as minorias. “Percebemos que é difícil encontrar fotos com mulheres em cargos de poder, pessoas com deficiência, negros. Quando tem um casal lésbico é uma coisa bem fetichizada”, explica Manoela, que também ressalta que quando há a presença de minorias, as imagens geralmente possuem um caráter estereotipado. Porém, elas perceberam que não iriam conseguir abranger, em um primeiro momento, todas essas parcelas da população. “Vimos que teríamos que segmentar para conseguir fazer os primeiros ensaios”, conta Manoela.

A partir da necessidade de delimitar o projeto, as criadoras decidiram focar os ensaios na comunidade LGBT+. Segundo Betina, a escolha partiu de uma “necessidade de ter representatividade”. “Não existe nesse momento nenhum banco voltado só para a população LGBT+. Existem bancos voltados exclusivamente para outras minorias, mas não vai para essa comunidade”. De acordo com Manoela e Betina, o nome escolhido para o banco de imagens busca apresentar de forma literal a ideia de que é necessário que exista representatividade em arquivos de fotografias e na mídia.

Representatividade

Conforme explicam as criadoras, o ‘Tem que ter’ busca quebrar os estereótipos envolvendo a comunidade LGBT+ por meio de imagens que reflitam o cotidiano das pessoas. “A gente sente a necessidade de quebrar todos os estereótipos que ainda são muito fortes, como, por exemplo, as agências só usarem uma imagem de gay em uma campanha de Aids”, afirma Manoela. “É para as pessoas olharem e se identificarem”, complementa Betina. Essa busca em representar o cotidiano também influenciou na escolha das pessoas que participaram dos ensaios. Segundo as criadoras do projeto, os modelos não eram vinculados a nenhuma agência, mas sim pessoas que se voluntariaram para participar dos ensaios, que aconteceram em locais públicos e privados de São Paulo e de Porto Alegre.

As fotografias do banco também buscam retratar as individualidades e pluralidades da população brasileira e da cultura do país. “Existe a questão de os bancos internacionais refletirem uma cultura muito americana, muito europeia, uma coisa que não reflete necessariamente a essência das pessoas brasileiras. O nosso país é muito diverso, tem coisas que a gente não encontra fora daqui”, explica Betina.

Imagens do ‘Tem Que Ter’ buscam retratar o cotidiano das pessoas LGBTs. Foto: Ricardo Matsukawa/Tem Que Ter

Ainda, as criadoras do projeto explicam que o ‘Tem Que Ter’ também pretende incentivar agências publicitárias e veículos a questionarem qual o tipo de imagem que suas produções estão vinculando à comunidade LGBT+. “Além de disponibilizar essas imagens, queremos questionar o mercado. Queremos que as agências e meios de comunicação comecem a pensar ‘o que estamos fazendo para reforçar ou quebrar esses estereótipos?’, ‘o que estamos fazendo para sair dessa caixinha?’”, afirma Manoela. “Nosso objetivo é ser além de um banco de imagens. Estamos muito abertas a ter conversas e ir nas agências”, complementa Betina.

Gratuito e colaborativo

Inicialmente as fotografias disponibilizadas gratuitamente no ‘Tem Que Ter’ possuem licença de reutilização para uso não comercial, ou seja, somente blogs, redes sociais, sites e veículos de comunicação podem republicá-las. “Só não pode ser usado para algo que gere renda”, explica Manoela. De acordo com ela, a delimitação se dá em função de que os fotógrafos e modelos participaram de forma gratuita. Porém, Betina afirma que a ideia é que futuramente a licença seja expandida para uso comercial, a fim de chegar até as agências publicitárias e empresas.

Segundo as criadoras, o caráter gratuito das imagens existe para tentar atingir o maior número possível de pessoas. “Sabemos que algo pago limita o acesso. O gratuito vem de conseguir furar a bolha”, afirma Manoela.

Ainda, o projeto funciona de forma colaborativa, ou seja, fotógrafos podem enviar suas imagens para que elas sejam disponibilizadas no banco. Segundo as criadoras, isso acontece para tentar agregar ao projeto diferentes visões. “Não queremos que seja uma coisa só do nosso ponto de vista, até porque não temos a vivência de outros tipos de pessoas que não se sentem representadas. Às vezes, as pessoas possuem um outro olhar que a gente não tem enquanto mulheres brancas”, pontua Betina. “Sabemos que não somos nós que temos a voz para falar por algumas pessoas, mas criamos a plataforma e agora queremos que a partir dela as pessoas possam trazer esse olhar e essa expressão para o banco”, ressalta Manoela.

Banco de imagens quer quebrar esteriótipos associados à comunidade LGBT+. Foto: Ricardo Matsukawa/Tem Que Ter

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