Geral
|
10 de agosto de 2019
|
18:11

Colégio Rosário perdeu a chance de reduzir danos ao demitir professor e expulsar alunos, avalia mãe

Por
Luís Gomes
[email protected]
Aline Kerber, da Associação de Mães & PAis pela Democracia, avalia o episódio que ocorreu no Colégio Rosário | Foto: Giulia Cassol/Sul21

Luís Eduardo Gomes

O Colégio Marista Rosário perdeu oportunidade de construir um ambiente escolar mais saudável para a resolução de conflitos. Essa é a avaliação de Aline Kerber, presidente da Mães & Pais pela Democracia, sobre o episódio que veio à tona no início da semana de briga entre dois alunos dentro de sala de aula no dia 23 de julho. A resolução do colégio foi no sentido de expulsar dois alunos envolvidos e demitir o professor de Sociologia que ministrava a aula no momento do episódio. Em entrevista ao Sul21, Aline avalia que poderia ter sido uma metodologia similar a um processo de Justiça Restaurativa para a reparação dos danos causados a todos os envolvidos.

Um vídeo com imagens da briga entre dois alunos circulou inicialmente nas redes sociais, mas o episódio veio à tona apenas na última segunda-feira (5), quando um grupo identificado com o movimento Escola Sem Partido realizou um protesto contra uma suposta doutrinação que estaria sendo promovida dentro do Rosário. O alvo principal dos manifestantes, que estavam acompanhados dos deputados estaduais Eric Lins (DEM) e Zucco (PSL), era o professor que passou um vídeo do sociólogo Sergio Adorno sobre violência policial e racismo em sala de aula, o que supostamente teria motivado a briga.

Por meio de nota divulgado na segunda, o Colégio Rosário disse que informou as famílias durante o período de recesso escolar e antes do assunto ganhar visibilidade. “Acompanhamos a repercussão do vídeo nas redes sociais. Ao responder às dúvidas em nossa página no Facebook, tivemos o cuidado de evitar a exposição ainda maior dos nossos estudantes, zelando pelo respeito a nossa comunidade educativa e observando nossas políticas de uso. Seguiremos reforçando a responsabilidade diante do uso e compartilhamento não autorizado de nomes e imagens, tanto de menores de idade quanto de educadores”, diz a nota, que acrescenta ainda que o Rosário adota uma postura apartidária e que não se vincula a candidatos ou a ideologias político-partidárias.

Já a presidente da Mães & Pais pela Democracia atribui o episódio, entre outros fatores, justamente à pressão que se faz contra professores no sentido de um combate a uma suposta doutrinação em sala de aula. Para ela, isso acabou por prejudicar a capacidade de o professor intervir antes do conflito se acentuar. “A gente entende que o professor não conseguiu agir por conta desse contexto mais amplo de cerceamento da liberdade de cátedra, de perseguição em relação aos professores, de assédio moral contra os professores”.

Aline, que é mãe de aluno do Rosário, avalia que o colégio perdeu a oportunidade de promover outro tipo de medida para lidar com a questão, em vez de simplesmente retirar os envolvidos do ambiente escolar. “A escola poderia ter tomado outra medida em relação a todos os envolvidos, que seria um processo de Justiça Restaurativa. Círculos de paz para restaurar e reparar os danos gerados para todos os envolvidos, que não são só aqueles que a princípio foram expulsos ou reconduzidos para outras escolas, além do professor demitido, mas toda aquela sala de aula. Acho que toda a comunidade do Rosário perdeu a oportunidade, neste momento, de construir outra metodologia para resolver os conflitos que não seja pela exclusão, pela eliminação e pela alimentação dessa lógica de que há uma doutrina sendo desenvolvida na escola, o que é uma grande mentira”, diz.

Para ela, a manifestação de segunda só ocorreu porque o colégio é um dos que mais tem pais participantes da Associação de Mães & Pais pela Democracia. De um total de 5 mil, cerca de 600 são de alunos da instituição, segundo ela.

“Não foi à toa que houve essa mobilização do Escola Sem Partido, que não são e não eram, majoritariamente, pais que participaram daquela manifestação, que é legítima. Só que o conteúdo daquela manifestação e a forma como foi feita não condiz com aquilo que a gente acredita e vivencia com base nas evidências”, diz. “Denunciar a escola como doutrinadora, como marxista, resumir a briga dos alunos ao debate proposta pelo professor, a gente vê mais como um oportunismo na onda desse fascismo que vem crescendo, desses discursos de ódio, de intolerância, do que de fato uma verdade que acontece na escola. O Rosário é um espaço escolar que abraça a diversidade, então por isso também esse movimento. Eles não querem essa diversidade. O Escola Sem Partido tem um nome bonito, é um nome fantasia, mas, na verdade, eles querem uma escola do pensamento único. Eles não querem uma escola da diversidade, da pluralidade de ideias”.

Segundo ela, circularam nas redes sociais áudios de pais descriminando um dos adolescentes envolvidos e buscando responsabilizar o professor pela briga ter ocorrido durante a exibição do vídeo. “Um pai pergunta por que estudar, por que saber sobre violência policial e racismo? Olha, a resposta é muito fácil. Nós vivemos no País que tem a polícia que mais mata e que mais morre. Somos líderes mundiais em números absolutos de homicídios e sabemos que 77% dos que morrem, em uma população de 54% de negros, são os negros. Então, a gente precisa compreender essa seletividade penal, esse racismo estrutural, e os nossos filhos têm que pensar criticamente, avaliar isso numa perspectiva mais ampla”, diz.

A socióloga avalia que um dos principais problemas do episódio é justamente a existência do vídeo expondo alunos e professor. “A gente percebe um adoecimento completo daquele espaço, porque não só os alunos que se envolveram na briga e o que apartou fazem parte desse palco de beligerância. Quem estava gravando, os que estavam rindo, o professor, que aparentemente não conseguiu reagir, porque vem desse contexto de auto-censura. O professor está tolido, está engessado. Então, a gente compreende que o resultado dessa briga e desse vídeo que viralizou nas redes sociais gerou evidências muitas claras de que a violência se dá de fora para dentro da escola”, diz.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora