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31 de agosto de 2019
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11:52

‘Arquitetos evitam acidentes e salvam vidas’, diz presidente do CAU/RS sobre a função social da arquitetura

Por
Sul 21
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Mesa sobre ATHIS no 6º seminário promovido pelo CAU/RS. Foto: Maia Rubim/Sul21

Renata Cardoso

A função social da arquitetura e seu papel determinante na qualidade de vida da população esteve entre os temas debatidos na mesa sobre habitações de interesse social do 6º Seminário de Exercício Profissional, realizado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS), entre quinta (29) e sexta-feira (30) no Centro Histórico-Cultural da Santa Casa, em Porto Alegre.

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O presidente do CAU/RS, Tiago Holzmann da Silva, iniciou sua fala sobre o assunto traçando paralelos entre as políticas públicas para a saúde e para a moradia, destacando a importância das estratégias de prevenção para a diminuição das doenças. “No programa de Saúde da Família, por exemplo, existe um cadastro de acompanhamento que inclui o tipo de moradia, o material com que é construído, o tipo de destinação do esgoto etc. Ou seja, isso é importante para a saúde das pessoas. Podemos dizer que a casa deixa as pessoas doentes, mas os médicos não têm remédio para isso, quem tem como resolver essa questão somos nós, os arquitetos”, afirmou. Além disso, trouxe diversos exemplos que ajudam a confirmar sua tese, como o caso da Rocinha, no Rio de Janeiro, no qual as pessoas que viviam em casas úmidas, pouco iluminadas e à beira do esgoto tinham índices muito superiores de tuberculose. Silva também citou casos de Ijuí, São Leopoldo, e Porto Alegre.

ATHIS

Para tentar democratizar o acesso à arquitetura, foi aprovada, em 2008, a lei de Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social (ATHIS), que é um serviço técnico nas áreas de Arquitetura, Urbanismo, Engenharia, entre outras, realizado junto à população de baixa renda na elaboração de projetos de regularização de suas habitações. Além de auxiliar a população com renda de até três salários mínimos a morar de maneira mais digna e confortável, esse tipo de trabalho expande o mercado para arquitetos e urbanistas.  “A questão é que a moradia adoece as pessoas. Nós temos o SUS, a educação pública, a segurança pública, a Defensoria Pública… Mas não temos um SUS para a arquitetura. Uma casa saudável é igual a uma família saudável. Arquitetos evitam acidentes e salvam vidas, e a assistência técnica gera mais empregos na área”, enfatizou o presidente do CAU/RS.

Paulo de Mori. Foto: Maia Rubim/Sul21

Paulo De Mori, arquiteto e urbanista da Prefeitura Municipal de Caxias do Sul, também participou dos debates sobre assistência técnica trazendo o ponto de vista do profissional que está dentro do poder público. Isabel Wexel, Defensora Pública do Estado do Rio Grande do Sul, apresentou exemplos de casos em que atuou, frisando que a função social de uma habitação é tão importante quanto o direito à propriedade. “As ocupações são de famílias muito pobres que não têm condições de ter outra opção. Muitas pessoas não têm acesso ao básico. Quando mostram fotos da Rocinha, eu penso: gente, eu vejo isso todo dia, na Vila Dique, na Vila Nazaré, em Porto Alegre”, comentou.

Para Isabel, a defensoria pública nada mais é do que um agente de transformação social. “O que ela faz é empoderar a população extremamente pobre que nunca teve acesso à justiça. A partir do momento em que tu empodera essas pessoas, elas passam a lutar por seus direitos. Há uma desigualdade muito latente e uma guerra de classes muito forte, especialmente em governos de extrema direita. Nós temos muitas favelas no Brasil e pouquíssimas políticas habitacionais, pouquíssimos empregos e formas para que as pessoas possam sobreviver. Ter políticas habitacionais funciona sim, empoderar as pessoas para que elas tenham escolhas soluciona os problemas. Agora, por que as políticas públicas fecham os olhos para isso eu não sei”, afirmou.

Já Cláudia Fávaro, arquiteta Conselheira do IAB e ativista, falou de sua trajetória pessoal e de seu trabalho junto a ocupações. “Vocês não têm ideia do que é tirar alguém de um barraco de lona e colocar dentro de uma casa, mesmo que ela não seja a ideal. A moradia é fundamental para a segurança familiar, para a segurança da mulher, e o trabalho que eu fazia era basicamente dizer para as pessoas que elas têm direitos, pois elas não sabem. É um trabalho simples, mas necessário”. 

Isabel Wexel. Paulo de Mori. Foto: Maia Rubim/Sul21

Confira a entrevista com Tiago Holzmann da Silva.

 O que é uma habitação de interesse social?

É uma casa para uma família que em geral não tem condição de construir uma moradia ideal, então ela necessita de uma atenção especial do Estado e das instituições.

Qual a importância desse tipo de habitação para a cidade? 

A lei proporciona a essa família ter acesso ao profissional da área da arquitetura que vai auxiliá-la a ter uma casa de qualidade, na qual as pessoas possam desenvolver sua vida com segurança e saúde. A cidade é para todos. Ela deve oferecer condições de vida satisfatórias para todos. O que a lei busca é oferecer essa qualidade mínima para toda a população, inclusive para quem não tem recursos.

Como buscar essa assessoria?

O CAU atua junto com as entidades de arquitetura e outras instituições, buscando também o apoio das prefeituras que são os principais agentes de implementação da lei, que prevê uma política pública de assistência à construção de moradias como serviço público. Para ter acesso à essa assessoria, as pessoas precisam se informar junto à prefeitura do seu município sobre como a cidade está atuando em relação à lei.

Tiago Holzmann da Silva. Foto: Maia Rubim/Sul21

Esse recurso também pode ser utilizado para reformas?

A lei prevê reforma, ampliação e construção de casas novas e inclusive intervenções no bairro, ou seja, nas ruas, na cidade. É uma lei ampla que permite, ou que pelo menos deveria permitir, o acesso do profissional arquiteto a essas famílias e comunidades que necessitam.

Como essa lei impacta a área da Arquitetura e Urbanismo?

É um grande mercado de trabalho que se abre. O arquiteto geralmente trabalha para uma faixa muito estreita da população, que são os que têm recursos e conhecimento para contratar os nossos serviços. Mas o nosso trabalho é muito útil e necessário justamente para as famílias que não têm condições de nos contratar e a lei abre essa oportunidade. É um trabalho profissional, não é beneficência: os arquitetos vão atuar dentro de sua área de formação para poder manter seu escritório, podendo ser contratados pelo poder público, diretamente pelas famílias ou por outros sistemas que a gente possa construir. A lei é muito boa porque é ampla nesse sentido: define vários caminhos possíveis. Nós já temos no Brasil diversas iniciativas positivas. O que nos interessa é que a gente possa efetivamente atender essas famílias.

 Quais os principais desafios para a implementação da lei?

O desafio é construir algo que ainda não existe e esse desafio é muito próprio dos arquitetos, ou seja, definir o problema, desenvolver o projeto e implementar esse projeto. Nós já temos a lei aprovada, agora temos que trabalhar na implementação, junto com outros parceiros

Presidente do CAU/RS apresenta dados sobre ATHIS. Foto: Maia Rubim/Sul21

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