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29 de agosto de 2019
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23:58

Arquitetos e urbanistas debatem Prevenção Contra Incêndios: ‘Um prédio não pode ser uma armadilha’

Por
Sul 21
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Mesa: PPCI. Na foto: Coronel César Eduardo Bonfanti, Evandro Cardoso Medeiros e Walter Negrisolo. Foto: Maia Rubim/Sul21

Renata Cardoso 

Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI) foi um dos temas debatidos nesta quinta-feira (29) no 6º Seminário de Exercício Profissional, promovido pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS) para pensar os desafios e o futuro da profissão. Abrindo as discussões do evento, Walter Negrisolo, especialista em segurança contra incêndio, Mestre e Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela FAU/USP, traçou uma linha histórica de grandes incêndios e de como o poder público reagiu aos eventos para criar legislações de combate e prevenção desse tipo de incidente. “O grande incêndio de Londres de 1666 é um marco. A partir dele foram pensadas várias questões urbanísticas para impedir incêndios, como as construções em alvenaria, ruas mais largas e hidrantes”, explicou, lembrando que “um prédio não pode ser uma armadilha para as pessoas, principalmente em casos de incêndio”.

O evento, que começou nesta quinta-feira e segue até amanhã no Centro Histórico-Cultural da Santa Casa, também contou, neste primeiro dia, com discussões sobre a Lei de Assistência Técnica (ATHIS) e a Palestra Magna com Luiz Eduardo Indio da Costa, um dos mais destacados arquitetos brasileiros.

A programação foi aberta pelo presidente do CAU/RS, Tiago Holzmann da Silva, que falou sobre a importância dos temas escolhidos para a edição deste ano do evento: “São assuntos que vêm sendo debatidos na área e importantes para a sociedade em geral. Os quatro temas (PPCI, ATHIS, Patrimônio Histórico e Licenciamento), foram identificados como os mais urgentes e por isso escolhidos para debate”, frisou. Em seguida, foi a vez da conselheira do CAU/BR Lana Jube subir ao palco e fazer um panorama da atual gestão.

6º Seminário de Exercício Profissional CAU/RS. Foto: Maia Rubim/Sul21

Histórico nacional

Após os principais incêndios ocorridos no Brasil, como o do Gran Circo Norte Americano, que deixou cerca de 500 mortos, e o do Edifício Joelma, que vitimou 179 pessoas, foram estabelecidas as primeiras normas nacionais. Apesar de a legislação ter avançado e passado por diversas alterações, Negrisolo frisou a necessidade de mais envolvimento e conhecimento para a resolução das questões sobre o combate e prevenção a incêndios.

Coronel César Eduardo Bonfanti. Foto: Maia Rubim/Sul21

Também participaram dos debates sobre PPCI o deputado Estadual Gabriel Souza, o Coronel César Eduardo Bonfanti, do Corpo de Bombeiros Militar/RS e Evandro Cardoso Medeiros, arquiteto e urbanista. Bonfanti, falou sobre as mudanças propostas pela lei nº 14.376/2013: “Até então os prédios que não eram notificados pelos bombeiros não precisavam se adequar às normas. A nova norma trouxe a obrigatoriedade de alvará para funcionamento das edificações e as novas medidas de segurança contra incêndio, além da responsabilidade do proprietário, o que antes não constava na lei. Também abordou os desafios da nova legislação, como a construção de um novo sistema informatizado.

O que é o PPCI?
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, o “Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI), é um processo que todo proprietário ou responsável por prédios com instalações comerciais, industriais, de diversões públicas e edifícios residenciais com mais de uma economia e mais de um pavimento, deverá possuir”.  A finalidade do plano, que estipula a quantidade e os locais dos equipamentos de segurança, é adequar as edificações para proteger a vida e minimizar os danos em caso de incêndio.

Roberto Luiz Decó e o deputado estadual Gabriel Souza. Foto: Maia Rubim/Sul21

Já o deputado estadual Gabriel Souza falou sobre as alterações na legislação para licenciamento dos empreendimentos e as novas possibilidades de carreira em quadros técnicos do Corpo de Bombeiros. Lembrou do prazo, segundo ele, inexequível para a adequação à nova legislação – todas as edificações do Estado devem estar de acordo com ela até 27 de dezembro desse ano. “Em não mudando o prazo legal, quase 100% das escolas estaduais podem ser interditadas por não ter os projetos adequados em relação ao combate de incêndios. Porém, prorrogar por prorrogar apenas vai levar o assunto para daqui a mais tempo, quando seria preciso prorrogar novamente. Me parece que o mais coerente seria fazer uma prorrogação condicionada a dados e avanços apresentados”, afirmou.

Já o arquiteto e urbanista Evandro Cardoso Medeiros, frisou que “as leis são mutáveis e burláveis. A prática e o exercício são muito mais perenes para a sociedade. Não adianta ter um extintor no prédio se a maioria das pessoas que estão lá não sabe usar. Deveríamos ter uma cultura de preservação da vida e dos objetos arquitetônicos”.

Confira a entrevista com Walter Negrisolo:

De modo geral, como o senhor avalia as atuais normas para combate a incêndio?

Eu entendo que as normas do Brasil todo, inclusive a nova proposta do Ministério da Justiça, misturam proteção à vida com proteção ao patrimônio, às vezes até priorizando o patrimônio. A norma dos extintores faz isso, a dos hidrantes também. Ela localiza esses equipamentos para fazer a extinção do incêndio e não para a pessoa se salvar. Essa mistura faz com que a interpretação fique difícil, então tanto o componente do poder público, quanto o arquiteto ou o engenheiro quando vai interpretar, pode achar que a norma protege a vida, mas uma segunda interpretação vai dizer que deve proteger o patrimônio e, além disso, o meio ambiente.  Existe uma confusão de objetivos e, em função disso, a norma está se expandindo muito.

O senhor acredita que o PPCI é suficiente para proteger as pessoas?  Qual a importância desse plano para evitar mortes?

Em São Paulo a gente usa outro termo, o produto final é a vistoria. O que a gente diz é o seguinte: uma edificação pode ter a vistoria e não estar segura, como pode não ter e estar segura. Isso está diretamente relacionado aos elementos de circulação para as pessoas. Às vezes, uma edificação tem aquilo que a regulamentação prevê, mas não tem gestão, não tem pessoal treinado. Em um clube noturno, por exemplo, não tem alguém que vá dirigir as pessoas para fora no caso de um incêndio. Então, o que se pode dizer é que se a pessoa ou empresa não tem o PPCI, não tem o alvará, no mínimo ela não dá bola para segurança contra incêndio. Agora, só o fato de ela ter o PPCI não garante que ela esteja segura.  A grande lacuna da regulamentação no Brasil é urgência de se exigir uma gestão. Você tem que ter alguém que esteja cuidando no dia a dia dessa proteção contra incêndio. Falando da [Boate] Kiss, por exemplo, se tivesse um gestor preocupado com a questão do incêndio, ele não deixaria colocar o fogo como foi colocado, ele teria uma equipe treinada para, diante de certas situações, facilitar o escape e etc. Então, o gestor, que pode ser o proprietário ou alguém designado por ele, é o que mais faz falta

Walter Negrisolo. Foto: Maia Rubim/Sul21

Qual importância da atuação dos arquitetos para ajudar a proteger as pessoas em casos de incêndio?

O arquiteto é fundamental. Ele é o profissional que ao conceber um projeto vai permitir que a pessoa saia da edificação ou não. É ele que projeta os meios de circulação, que se estiverem protegidos e dimensionados adequadamente, vão fazer com que as pessoas não morram. Quem dá a qualidade de salvamento para as pessoas na edificação é o arquiteto.

O senhor poderia falar um pouco da nova NBR 9077?

O modelo novo, da norma 9077 traz o foco no ocupante, em função da sua fragilidade. Um segundo fator, que está sendo usado na regulamentação no Brasil inteiro, é a carga de incêndio, que é a capacidade de o incêndio gerar energia, ou seja, se queima isso gera a energia x está sendo substituído pela capacidade de crescimento do fogo, de forma que existe uma lógica: o fogo que cresce mais rápido é mais perigoso que aquele que cresce mais lentamente. Isso deve provocar uma mudança. Esse conceito elimina um pensamento equivocado.

O que é a NBR 9077?
A NBR 9077 de 2001 é uma norma que altera os parâmetros para saídas de emergência em edifícios.

 

 

 


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