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2 de agosto de 2019
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16:08

Após 6 anos, Jornada Lésbica de Porto Alegre retorna com cine-debates, saraus, rodas de conversa e atos

Por
Luís Gomes
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6ª Jornada Lésbica, Feminista e Antirracista terá diversas atividades ao longo de agosto | Foto: Reprodução

Luís Eduardo Gomes

Às 19h desta sexta-feira, o drama queniano Rafiki, uma releitura da trama de Romeu e Julieta com um casal de lésbicas, será exibido no espaço cultural Fora da Asa (José do Patrocínio, 642 B). Esta é a primeira de uma série de atividades previstas para serem realizadas em agosto como parte da Jornada Lésbica Feminista Antirracista de Porto Alegre. Ao todo, serão 13, entre saraus, audiências públicas, oficinas de saúde, rodas de conversa, festas e um ato previsto para acontecer na Esquina Democrática, no centro da cidade, em 29 de agosto, o Dia da Visibilidade Lésbica. A jornada, que ocorreu pela primeira vez em 2007, chega a 6ª edição em 2019, mas não era realizada desde 2013.

Esther Alessandra Alves de Souza, da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL/RS), destaca que os movimentos e coletivos que estavam por trás das primeiras edições perceberam que havia uma lacuna deixada pela jornada desde 2013 e decidiram retomar o evento, que está sendo organizado desde junho, com a mobilização sendo chamada pelas redes sociais.

“O objetivo é mostrar que a gente é um ser político e que precisa se articular cada vez mais, principalmente agora nesse cenário político que a gente está enfrentando”, diz Esther.

Bárbara Gonçalvez Hesseln, do coletivo Ateneu Libertário A Batalha da Várzea, destaca que, mesmo dentro do movimento LGBT, as lésbicas e, sobretudo as trans, ocupam um espaço quase “escanteado”, pois a visão predominante ainda seria do homem gay, branco e cis. Ela atribui isso ao fato de que, historicamente, o lugar das mulheres sempre foram os espaços privados. “Foi uma caminhada de anos dentro do movimento para se fazer visível na rua”, afirma. “Somos mulheres, então já começa por aí. Em todo o espaço que a gente estiver, isso vai ocorrer”, complementa Fernanda Ribas, do movimento 8 de Março – Greve Internacional de Mulheres (8M/GIM).

Para Fernanda, a discriminação é ainda maior quando se fala de mulheres negras e de periferia. “Que espaço essa mulher lésbica vai ocupar se ela está sempre à margem, se essa invisibilidade já vem de muito tempo? E ainda tem essas disputas de espaço, que é o do G, que é do T, e a gente acaba ficando por trás disso. O movimento lésbico está sempre na luta para garantir o seu espaço”, diz.

As ativistas destacam que a questão da invisibilização não se trata apenas de uma “disputa por espaço”, mas de uma dificuldade em colocar pautas importantes para essa população. Elas destacam, por exemplo, que ainda é muito forte o tabu de que as medidas de saúde e de prevenção relacionadas ao sexo são necessárias apenas para mulheres em relações heterossexuais, ignorando que há sim a necessidade de cuidados a serem tomados em relações lésbicas.

“Os médicos e médicas não estão preparados. Não tem uma camisinha específica que seja difundida. Geralmente, vão te dar um anticoncepcional e uma camisinha masculina, o que é uma coisa heteronormativa. E, geralmente, quando a mulher se sente confortável em dizer que é lésbica, dizem que não precisa fazer o preventivo, porque só se considera sexo aquilo que tem a penetração peniana. Já vi caso de meninas que não foram encaminhadas para exames que devem ser feitos independentemente de ser heterossexual ou não”, diz.

Ainda um fetiche

Outra questão que as ativistas destacam é o fato de que as lésbicas ainda são tratadas como se fosse um “espetáculo” para homens. “Somos invisibilizadas, mas quando somos visíveis, é de que maneira? Geralmente sexualizadas, fetichizadas, como na pornografia, que ajuda a construir um imaginário super errado do que a gente é. Objetificada sempre enquanto mulher, enquanto lésbica duas vezes mais. Se for negra, três. Então, isso é uma coisa bem urgente, porque isso nos nega muita coisa”, diz Esther. “A família nos é negada, tanto antes, quanto depois de tu se assumir. Uma família de lésbicas é ainda vista como uma perversidade, porque é tudo meio que linkado à putaria, é o tempo todo ligado nessa coisa de sexo. Parece que tu não consegue conversar sobre outras coisas porque as pessoas imaginam que tu está sempre ligado a isso, e acaba perpassando em todos os lugares que tu vai”.

A luta pela visibilização lésbica é algo que também passa pela forma como elas são representadas na cultura e na mídia. “Não posso dizer que nunca fomos representadas de maneira séria na mídia de massa, mas tem alguns estereótipos que já são bem conhecidos. Geralmente, a gente acaba com um final sempre trágico. [A lésbica] é morta no final, não consegue ter uma plenitude de família, não conseguem ficar juntas, na real gosta de um cara. Nunca é algo que deixa realmente mostrar o que é uma mulher lésbica de forma mais próxima da realidade. Sempre é tratado de maneira bastante superficial”, diz Fernanda. Bárbara ainda acrescenta que a as lésbicas que aparecem na televisão “sempre são brancas e têm um padrão atraente para um público determinado”.

Violência dentro de casa

Bárbara destaca que outro problema que atinge as lésbicas é a questão da violência doméstica. Ela diz que, enquanto homens gays estão mais sujeitos a violência física, as mulheres homossexuais estão mais sujeitas a sofrerem estupros “corretivos” dentro de casa, o que faz com que  o ambiente para que meninas “saiam do armário” ainda seja muito hostil. “Muitas lésbicas nem precisam colocar o pé para fora de casa para sofrer”, diz Esther.

Em junho, o tema do estupro “corretivo” foi discutido pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara de Deputados. Na ocasião, foi levantado que, embora seja um crime ainda bastante subnotificado e que não haja um número oficial de casos, tem crescido o número de denúncias realizadas pelas vítimas pelo número 180, voltado para registros de violência contra a mulher.

Um dos raros levantamentos sobre violência cometida contra lésbicas, o “Dossiê Sobre Lesbocídio no Brasil“, aponta que, em 2017, houve 54 mortes de lésbicas no país, sendo que em 3% dos casos foi cometido estupro seguido de assassinato. Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apresentado na audiência da Câmara identificou um aumento dos assassinatos de lésbicas entre 2000 e 2017, saltando de apenas dois no ano 2000 para 126 entre 2014 e 2017.

Diante desse cenário, Bárbara destaca que muitas meninas acabam sendo condicionadas para uma heterossexualidade compulsória. “Eu conheço pessoas que só foram sair do armário depois dos 40 anos”, diz.

Retomada da jornada

Por outro lado, as ativistas destacam que há um movimento que cresce cada vez mais de participação de jovens no interior de movimentos sociais. Uma juventude que é ativa e nem sempre está localizada nas regiões centrais das cidades, o que traz a novidade de coletivos que espalham as discussões de interesse a essa população por diversas regiões da cidade.

Para Fernanda, um dos motes da 6ª jornada é justamente sair da zona de conforto dos movimentos sociais e realizar ações não só no Centro, mas também na periferia. “Há um movimento da periferia vindo para o centro, mas também tem um movimento inverso, do centro indo para a periferia para somar. Dentro da periferia tem muita coisa acontecendo. É só ir lá e colar com eles. Por mais que muitas coisas não sejam divulgadas, no espaço em que acontecem é algo muito potente, tem muita força de transformação”, complementa Bárbara.

O primeiro evento descentralizado da jornada é a oficina de saúde sexual, que será realizada na escola municipal Heitor Villa Lobos, na Lomba do Pinheiro, no dia 7. Também está prevista a realização de rodas de conversa na Lomba do Pinheiro e na Restinga.

Além da 8M/GIM, da LBL e da Ateneu, a jornada é realizada pelo Coletivo pela Educação Popular (COLEP), pelo Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, pelo Coletivo LGBT comunista, pelo Coletivo Virgínias, pelo G8 – Generalizando, pelo GELEDÉS Instituto da Mulher Negra, pelo Grupo Luana Muniz, pela LezGirls, pela Marcha Mundial de Mulheres (MMM), pela Mulheres Independentes, pelo Nuances, pelo Núcleo de Diversidade Sexual (NUDS), pela ONG Outra Visão, pela Rede Sapatá, pelo Sarau das Minas e pela União Brasileira de Mulheres (UBM/POA).

A seguir, confira a programação completa da 6ª Jornada Lésbica Feminista Antirracista de Porto Alegre.

02/08, às 19h: cine-debate sobre o filme Rafiki no Fora da Asa (José do Patrocínio, 642 B, Cidade Baixa). 

07/08, às 10h: oficina de saúde sexual na Escola Municipal Heictor Villa Lobos (Vila MAPA, parada 04, Lomba do Pinheiro). 

16/08, às 14h: roda de conversa sobre a criminalização da LGBTfobia, no Ateneu Libertário A Batalha da Várzea (Rua Lobo da Costa, 147, Azenha). 

17/08, às 19h: festa Lezbian Things, na Casa de Teatro de Porto Alegre (Rua Garibaldi, 853, Independência). 

18/08, às 10h: roda de conversa “Abraço de pai, abraço de mãe” e “Filhos pela diversidade”, na Lomba do Pinheiro (Estrada João de Oliveira Remião, 5683, Lomba do Pinheiro). 

22/08, às 19h: Exposição “Arte lésbica feminista, uma história de resistência” e roda de conversa, no Glória Bar (Rua Luiz Afonso, 549, Cidade Baixa).

24/08, horário a definir: sarau Les-bi do NUDS: mostra de arte, feira de produtos, leitura de obras de mulheres lésbicas, apresentação do Livro do SENALESBI2018 e shows (Rua Marcílio Dias, 660, Menino Deus – SINTRAJUFE). 

25/08, às 10h:  roda de conversa “Sapatão: que visibilidade é essa? Preta, pobre, periférica e politizada” na Escola de Samba Estado Maior da Restinga (Av. Vereador  Milton Pozolo de Oliveira, 59 – Restinga). 

26/08, às 19h: cine-debate sobre o filme “As filhas do fogo”, no CineBancários (Rua Gen. Câmara, 424, Centro Histórico). 

27/08, às 18h: debate sobre “História e atualidade do movimento lésbico e bissexual no Brasil”, no DCE da UFRGS (Av. João Pessoa, 41, Centro).

28/08, às 9h: audiência pública da Comissão de Direitos Humanos “feminicídio e violência doméstica contra a mulher: medidas efetivas para a prevenção”, na Assembleia Legislativa (Praça Marechal Deodoro, 101, Centro Histórico). 

29/08: das 12h às 17h, atividades dos coletivos envolvidos na criação da Jornada no Largo Glênio Peres. Às 17h, na Esquina Democrática, concentração para o ato “Sapatão: que visibilidade é essa?”, no dia da visibilidade lésbica.

30/08, às 19h: sarau das minas “Sapatão: que visibilidade é essa?”, no Fora da Asa (Rua José do Patrocinio, 642 B, Cidade Baixa).


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