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31 de agosto de 2019
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16:45

‘Alexandra’: trajetória de jornalista no feminismo vira documentário

Por
Sul 21
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Documentário sobre jornalista debate feminismo e empoderamento feminino. Foto: Alice Nascimento/Divulgação

Annie Castro

Nascida em uma comunidade rural da cidade de Constantina, no norte do Rio Grande do Sul, a jornalista Alexandra Zanela cresceu ouvindo que “o máximo que ela seria na vida era uma professorinha de escola” e que “ninguém saia dali para ser alguma coisa na vida”. “De onde eu vim, o que estava decretado é: as mulheres são um pedaço de carne que vão procriar e servir os seus maridos. Você sai da aba do pai para ir pro marido”, relata.

Embora do lado de fora o machismo fosse algo comum, dentro de casa a realidade que Alexandra vivenciava era outra. “Minha mãe fez duas faculdades, uma quando estava grávida da minha irmã e uma quando estava grávida de mim. Então, meu pai sempre cuidou da gente. Minha mãe, por um longo período, ganhou mais dinheiro que meu pai, o salário dela era maior, então dentro da minha casa a gente tinha isso super tranquilo”, lembra a jornalista, que também é sócia-fundadora da Padrinho Agência de Conteúdo.

Em função das relações dentro de casa, apesar de ter conhecido a luta feminista somente na faculdade, quando leu o livro ‘Segundo Sexo’, da escritora Simone de Beauvoir, Alexandra afirma que foi da mãe que recebeu as primeiras aulas sobre feminismo. “Ela sempre me disse que ‘sim, nós podemos ser exatamente o que a gente quiser’. Ela nem sabia que estava me ensinando, mas ela estava”, conta. Porém, Alexandra só assimilou isso ao longo dos últimos anos, quando passou a ler sobre o tema e a participar de rodas de conversa com outras mulheres, onde elas contavam suas histórias e vivências. “Me politizei com isso muito jovem, mas eu só compreendi isso recentemente. Nessa última década eu comecei a estudar muito, a ficar mais consciente, comecei a mudar. Nos últimos oito anos eu consegui entender que eu já trabalhava na defesa das mulheres, mas eu não tinha essa consciência”.

Também foi o contato com o feminismo que levou Alexandra de volta as suas raízes. As histórias de vida de outras mulheres foram o gatilho que fizeram com que a jornalista percebesse que havia negado seu local de origem durante grande parte de sua adolescência e vida adulta. Ao ir cursar jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Alexandra passou a esconder sua cidade natal. “Eu contava para as pessoas que eu era de Constantina e ponto”.

A trajetória da jornalista dentro do feminismo inspirou a criação do documentário ‘Alexandra’. Foto: Giulia Cassol/Sul21

Após as reflexões que o feminismo gerou, somadas a uma conversa que teve com seu companheiro, que a lembrou do quão importantes foram as vivências que ela teve no interior, Alexandra passou a perceber que precisava assumir suas origens e se reconectar com o lugar onde nasceu. “Preciso deixar de ficar de costas para o interior e olhar para as mulheres que também vem do interior ou que são do interior e que passam pelas mesmas coisas constrangedoras que eu passei por ser da comunidade rural”, afirma.

“Sei que sou uma privilegiada porque sou branca, vim de uma família classe média que me propiciou faculdade, que me deu acesso. Mas eu quero que outras mulheres tenham essa coragem de enfrentar e de dizer ‘eu sou um ser humano e eu mereço respeito. Eu apenas estou em um outro lugar e venho de uma outra localização’”, pontua a jornalista, que teve sua trajetória com o feminismo e seu processo de retorno às raízes retratados no documentário ‘Alexandra’, do diretor Luiz Alberto Cassol, com lançamento marcado para o dia 10 de setembro, às 19h30min, na Cinemateca Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre.

‘Alexandra’

A ideia de produzir um documentário que contasse a trajetória de Alexandra partiu de Cassol, que é amigo da jornalista há alguns anos. “Eu conheci a Alexandra na minha cidade natal, em Santa Maria. Muito tempo depois, eu a encontrei aqui em Porto Alegre e nos aproximamos, começamos a conversar mais, marcar cafés. Essa aproximação me deu a oportunidade de ver uma história incrível. Como eu sou um diretor, comecei a me instigar por isso”, lembra Cassol.

Ao perceber que via nas vivências de Alexandra uma história que gostaria de contar, o diretor perguntou se a jornalista aceitaria que ele fizesse um documentário sobre ela. “O meu sim para ele estava 100% ligado ao fato de esta proposta ter vindo do Cassol, pela nossa proximidade e por eu ter certeza que o resultado seria um documento que não ia ficar pedante, esse era o meu grande medo”, explica Alexandra.

Apesar de o documentário ter um homem na direção, Cassol, que atua há 20 anos como diretor, estabeleceu como exigência que mulheres ocupassem alguns cargos dentro da equipe de produção, como câmeras, direção de fotografia e montagem do filme, a fim de ter na construção do documentário outro ponto de vista que não fosse somente o masculino. “A gente formou uma equipe que teve muitas mulheres. Acho que é isso a cara do documentário, que nós quisemos levar para dentro dele”, diz Cassol. “O lugar de fala é da Alexandra, eu não tenho esse lugar de fala. Eu não tenho como falar do que ela passa e nem do que ela passou, mas eu queria viabilizar um meio para contar essa história e esse meio era o documentário”.

“Eu queria viabilizar um meio para contar essa história e esse meio era o documentário”, diz o diretor de cinema Luiz Alberto Cassol. Foto: Giulia Cassol/Sul21

Para Alexandra, o documentário não é apenas sobre ela, mas é também uma forma de usar sua trajetória dentro do feminismo para contar a história de outras mulheres que enfrentam diversos tipos de violências, sejam elas emocionais ou físicas, dentro das sociedades. “Acho que nesse documentário o Cassol me provocou a usar minha história para contar a história de outras mulheres. O documentário tem meu nome e, apesar de ser 15 minutos só comigo falando, estou apenas emprestando minha história. Não é para a Alexandra, é para todas as mulheres. Eu só empresto minha história para que outras mulheres consigam ter força”, afirma a jornalista.

Além da exibição do documentário e de um coquetel inspirado na história de Alexandra, o evento de lançamento também contará com um debate sobre feminismo e direitos das mulheres.

 


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