Geral
|
20 de julho de 2019
|
15:07

Era uma casa, hoje não é nada: prédio da Lanceiros Negros segue abandonado

Por
Luís Gomes
[email protected]
Prédio da antiga Ocupação Lanceiros Negros permanece sem ser aproveitado desde a remoção em 2017 | Foto: Luiza Castro/Sul21
Prédio da antiga Ocupação Lanceiros Negros permanece sem ser aproveitado desde a remoção em 2017 | Foto: Luiza Castro/Sul21

Era uma vez um prédio abandonado em uma famosa esquina no Centro de Porto Alegre. Certo dia, um grupo de famílias chegou e ocupou. Transformaram um espaço vazio em moradia. Em um teto. Um quarto para cada família. A cozinha era compartilhada. Foram acolhidos pela vizinhança. Organizavam festas nos aniversários das crianças. Receberam doações para fazer uma biblioteca e uma creche. A escola era perto. Criaram uma agência de empregos para ajudar a gerar renda. Montavam oficinas. Tornou-se casa para quem antes não tinha.

Mas era um prédio público. E o governo do Estado não queria saber de ele ser ocupado por famílias. Montou uma operação de reintegração de posse. Cercou todo o perímetro da esquina com policiais. Quando estavam preparados para derrubar a porta, surgiu uma decisão judicial de última hora. A operação foi suspensa. O tempo passou, mas o governo não mudou. Dessa vez arrombou a porta. Muito gás lacrimogêneo foi usado. Pessoas foram detidas, incluindo um deputado. As famílias, retiradas durante a noite. Os pertences, colocados na rua. Levados para longe. Já não era uma casa. Era, de novo, um prédio abandonado.

Quem, atualmente, passa pela esquina das ruas Andrade Neves e General Câmara ainda pode ver pichações na fachada que marcam a passagem pelo local da Ocupação Lanceiros Negros. Entre 14 de novembro de 2015 e 14 de junho de 2017, dezenas de famílias moraram no local. Antes, o prédio havia abrigado escritórios do Ministério Público do Rio Grande do Sul, mas estava desocupado desde que o órgão mudou-se para sua sede atual, em 2006.

Pouco antes da ocupação, o governo do Estado, proprietário, havia iniciado uma reforma estrutural do imóvel. A intenção, dizia à época, era que o prédio fosse utilizado por algum órgão estatal. Dias após o despejo, a ideia era que fosse ocupado pela Defesa Civil e por setores da Casa Civil. Depois, ainda em 2017, os futuros inquilinos mudaram. Passaria a ser a sede da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR). Em setembro de 2018, a Prefeitura de Porto Alegre chegou até a autorizar o início de obras de recuperação do imóvel. Nada mudou até que, em maio, a EGR, em vias de ser extinta pela atual gestão do governo do Estado, decidiu abrir mão da reforma nunca iniciada.

Prédio ainda está formalmente vinculado à EGR, que decidiu não utilizá-lo | Foto: Luiza Castro/Sul21

A posição atual do governo é que o imóvel ainda está sob os cuidados da EGR, que ainda deverá devolvê-lo formalmente para o Patrimônio do Estado, hoje sob administração da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag). “Quando houver a formalização final da devolução do imóvel, a Seplag, através da Subsecretaria de Patrimônio do Estado e como responsável pela gestão do imobiliário público estadual, avaliará o melhor aproveitando, como tem feito em relação aos demais ativos”, diz nota encaminhada à reportagem.

As famílias da Lanceiros chegaram a ocupar um novo imóvel no dia 5 julho de 2017. Um hotel abandonado na Rua dos Andradas, mas foram removidas cerca de 40 dias depois. No acordo que possibilitou o despejo, a Prefeitura se comprometeu a conseguir aluguel social para 24 famílias.

Nana Sanches, integrante do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e antiga coordenadora das ocupações Lanceiros Negros, diz que apenas seis pessoas conseguiram o aluguel social e que mais de 70 famílias chegaram a morar na ocupação. Mas, mesmo para essas seis, o auxílio já terminou.

Ela afirma que, atualmente, a maioria das famílias voltou a morar em condições precárias, ou em ocupações ou em áreas dominadas pelo tráfico, situação da qual muita gente fugiu ao ir morar na Lanceiros. “O acordo que foi feito na saída do hotel, de procurar uma solução de moradia, nunca foi cumprido”, diz.

O MLB tinha como proposta que o prédio da General Câmara fosse transformado em uma casa de passagem para famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social na Capital, uma infraestrutura que hoje não é oferecida nem pela Prefeitura, nem pelo governo estadual. Contudo, a proposta nunca foi levada adiante.

Na esteira da violência empregada pela Brigada Militar para a remoção das famílias, um novo protocolo de ação foi criado pelo Ministério Público e pelo Defensoria Pública para que, entre outras medidas, nenhuma remoção pudesse ocorrer durante a noite em Porto Alegre. O protocolo é considerado um avanço, mas a realidade das remoções na cidade mudou pouco.

A última ocupação removida foi a Baronesa, na Cidade Baixa. Primeiro, foi retirada de um prédio da Prefeitura, também abandonado há anos, em junho. Assim como na Lanceiros, a remoção não trouxe uma solução para a situação de moradia, e as famílias voltaram a ocupar o local. Foram removidas mais uma vez. Depois seriam retiradas da calçada diante do casarão ocupado, onde haviam acampado em protesto. Dessa vez, foi adotada uma solução mais drástica. O prédio não seria ocupado de novo, porque foi demolido. Reduzido a escombros e deverá ser vendido.

O prédio da Lanceiros é tombado, não pode ser demolido. Então, segue abandonado. Com a promessa de que um dia será ocupado. Um dia, talvez. Mas hoje poderia ainda ser a casa dezenas de famílias e não é nada além de um prédio abandonado.

 

Prédio ficou conhecido pela ocupação Lanceiros Negros, mas é um muitos abandonados no Centro de Porto Alegre| Foto: Luiza Castro/Sul21

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora