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8 de junho de 2019
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10:32

#TorceJuntoDelas: A resistência de ser mulher e vestir a camiseta de um time

Por
Sul 21
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A campanha busca conscientizar homens sobre casos de assédio, abuso e agressão. Foto: Luiza Castro/Sul21

Annie Castro

Enquanto percorria sozinha o trajeto entre a estação de trem e a Arena do Grêmio, em Porto Alegre, a estudante Thaís Odorissi Oliveira foi perseguida por alguns homens que estavam dentro de um carro. Eles repetiam frases como ‘gremista linda’ e ‘deixa que a gente te leva pro estádio’. Quando a pesquisadora Stefani Altenhofen conversa sobre futebol com homens desconhecidos precisa responder perguntas como ‘qual era a escalação do teu time em 1995?’. Os casos de Thaís e Stefani exemplificam as diversas situações de assédio ou subjugação que as mulheres torcedoras precisam enfrentar. Para tentar mudar esse cenário, as duas, juntamente com outras 20 mulheres, criaram a campanha #TorceJuntoDelas.

As criadoras da ação participam do grupo no Facebook ‘Gurias do Grêmio’, criado em 2016 por torcedoras que se sentiam desconfortáveis em participar de debates dentro de grupos maiores, formados majoritariamente por homens. “Era difícil conseguir conversar com homens porque a opinião das mulheres não era respeitada. Quando comentávamos alguma coisa sobre um jogo, eles debochavam ou abriam nosso perfil e começavam a zoar com informações pessoais nossas”, lembra Thaís. Desde então, mulheres gremistas participam do grupo criado exclusivamente para elas, onde acontecem debates sobre o time e futebol em geral, mas também sobre outros temas como, por exemplo, as dificuldades enfrentadas por mulheres dentro dos estádios.

Após a jornalista Laura Gross, da Rádio Guaíba, ser assediada em frente ao Beira Rio, as participantes do grupo decidiram criar a #TorceJuntoDelas. “Quando aconteceu esse caso de assédio, a gente conversou e viu que era a hora de fazermos algo e que, para ter um grau de efetividade maior, para a gente conseguir fazer alguma diferença, teríamos que incluir os homens nessa luta”, conta Thaís. Em 2018, as torcedoras haviam criado a campanha #DeixaElaTorcer como resposta à agressão sofrida pela jornalista Renata de Medeiros, da Rádio Gaúcha, enquanto realizava a cobertura de um Gre-Nal.

Porém, as torcedoras explicam que dessa vez decidiram realizar uma campanha voltada para os homens, a fim de conscientizá-los a respeito de casos de assédio, agressão e abuso. “A gente quer mostrar para eles que ‘ok, nós entendemos que não são todos os homens que são machistas, abusadores e violentos’, mas que se não são todos, então os que não são precisam falar. Eles precisam se opor e se posicionar, porque, infelizmente, tem homens que só respeitam outros homens”, afirma Thaís. Stefani exemplifica o pensamento contando que, como vai aos jogos com o namorado, os casos de assédio que sofre são sempre menores em comparação aos vivenciados por outras mulheres. “Todas as minhas camisetas do Grêmio têm meu nome, então, eu passo e os caras chamam meu nome, passam uma cantada, mas continua sendo aquela coisa de respeito ao outro homem. É como se eu estivesse protegida só por ter aquela figura masculina ao meu lado”, conta Stefani.

De acordo com Thaís, a #TorceJuntoDelas possui uma linguagem não violenta e um viés pedagógico. “A gente quer é dialogar mesmo com os homens para pedir coisas que, sinceramente, são óbvias, são o mínimo que alguém pode fazer, mas que a gente viu que nem o mínimo é feito”, diz Thaís. Para ela, atitudes mínimas de respeito às mulheres e de enfrentamento a ações machistas já podem contribuir para mudanças significativas no cenário vivenciado por torcedoras.

Segundo Sthefani, a proposta principal da campanha é é fazer com que homens entendam que atitudes como assobios, passadas de mão e casos mais graves de assédio não são aceitáveis. “Decidimos começar com uma história bem pedagógica para dizer para eles o que está errado nisso e o que eles têm que fazer para melhorar. Às vezes eles realmente não sabem ou não entendem porque aquilo é errado. Não é só mudar a ação, mas também o pensamento deles”, afirma. A torcedora Thaís complementa que “se um cara vê o amigo assobiando para cada mulher que passa com a camiseta do time, se ele vê outro batendo em uma mulher ou passando a mão nela dentro do estádio e não faz nada, ele é parte do problema. E a gente não quer que os homens sejam parte do problema, a gente quer que eles sejam parte da solução”.

A estudante Thaís e a pesquisadora Stefani participam da organização da campanha #TorceJuntoDelas. Foto: Giulia Cassol/Sul21

Além de ter surgido em uma ramificação do grupo ‘Gurias do Grêmio’, a campanha também tem como organizadoras mulheres que torcem para o Inter ou que moram fora do Rio Grande do Sul. De acordo com Thaís, elas procuram incluir cada vez mais mulheres de outras regiões na campanha. “A nossa ideia não é deixar esse movimento só para o Grêmio, porque não são só as mulheres gremistas que sofrem com isso”, afirma.

Para as organizadoras, o futebol fez com que elas aprendessem na prática a ideia de sororidade e criassem afinidade com outras mulheres torcedoras. Para Sthefani, se trata de uma “afinidade por camiseta”: “Tu cria na hora com as outras pessoas uma afinidade, independente do lugar que tu esteja”, diz. Thaís complementa que ao ver uma mulher usando uma camiseta de algum time, imediatamente, sente uma simpatia por ela. “Sabemos o quão resistência é ser mulher e estar com a camiseta de um time, ir para arquibancada e falar de futebol”, diz Thaís.

‘Eles Por Elas’

Até o momento, a campanha realizou ações em torno da Arena, como distribuição de adesivos com a tag #TorceJuntoDelas e conversas com torcedores. As organizadoras contam que também estão previstas ações em frente ao Beira Rio. Entretanto, o movimento atua majoritariamente por meio das páginas da #TorceJuntoDelas na redes sociais, onde são feitas publicações que explicam a campanha, que trazem informações sobre onde as mulheres podem buscar ajuda em casos de assédio e que também dialogam sobre outros temas, como LGBTfobia e racismo.

No último mês, a #TorceJuntoDelas foi escolhida para participar do movimento ‘Eles Por Elas’ (‘He For She’), da ONU Mulheres, que busca incluir homens e meninos no combate às opressões vivenciadas pelas mulheres. De acordo com Thaís, a iniciativa de contatar a ONU Mulheres partiu de uma conversa que a relações públicas Rafaela Gase, uma das organizadoras da #TorceJuntoDelas, teve com a comunicação do Inter. “Ela trabalha em uma agência e já tinha alguns contatos com o Inter. Então, levando a campanha para o Inter surgiu a ideia de que eles nos recomendariam para o ‘He for She’.”

Assim, na primeira reunião que houve entre a campanha e uma representante da ONU Mulheres, a #TorceJuntoDelas foi aprovada para ser parte do ‘He For She’. “A gente disse para a Rafaela ir lá e conversar com eles, tudo de uma maneira bem despretensiosa, porque a gente não imaginou que pudesse acontecer”, diz Thaís. Os próximos materiais de campanha do #TorceJuntoDelas e as ações realizadas pelo movimento serão feitas já como integrantes do ‘He For She’.


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