Geral
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8 de junho de 2019
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15:01

Regulamentação dos patinetes opõe debate entre segurança e restrição à inovação

Por
Luís Gomes
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Discussão sobre patinetes elétricos deve suceder o período de testes proposto pela Prefeitura de Porto Alegre | Foto: Luiza Castro/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Na última quinta-feira (6), a Prefeitura de Porto Alegre abriu uma consulta pública em seu site para coletar opiniões da população durante 30 dias sobre os serviços de aluguel de bicicletas e patinetes elétricos sem estações fixas. O objetivo é aproveitar as informações na construção de um projeto de regulamentação do serviço, que deve ser apresentado em um prazo de 30 dias.

O serviço de aluguel de patinetes elétricos começou a ser disponibilizado a partir de fevereiro em Porto Alegre. Atualmente, as empresas Grin e Yellow estão atuando em um período de testes, possibilitado por um decreto municipal de 2017 que autoriza que novas tecnologias sejam testadas na cidade antes mesmo de haver uma regulamentação. Um período inicial de 90 dias venceu em maio, mas os testes foram prorrogados por mais 90 dias. Apesar de as empresas também alugarem bicicletas, a questão do patinete ganhou centralidade neste debate porque o uso destes equipamentos é mais controverso, não estando definido onde e a que velocidade os usuários devem trafegar, que tipo de equipamentos devem utilizar, etc.

Os dois serviços permitem que o usuário comece a utilizar o equipamento em qualquer lugar que esteja dentro da área de atuação da empresa, mediante o desbloqueio por um aplicativo de celular. O usuário pode terminar a corrida, também pelo celular, em qualquer lugar dentro da área delimitada. Caso deixe em outro local, é cobrada uma taxa extra. A Yellow, por exemplo, atua em uma região entre os bairros Cidade Baixa e Higienópolis. A empresa cobra R$ 2 para cada 20 minutos de uso. Já na Grin, o desbloqueio do patinete custa R$ 3 mais R$ 0,50 por minuto de uso.

A regulamentação dos patinetes entrou na pauta nacional no final de maio depois que a prefeitura de São Paulo recolheu mais de 500 patinetes elétricos porque as empresas não haviam se adequado ao decreto do prefeito Bruno Covas (PSDB), que impôs a obrigatoriedade de cadastro para os prestadores de serviços do tipo. Um dos motivos para a regulamentação foi o aumento do número de acidentes com os veículos. De acordo com um levantamento do Corpo de Bombeiros de São Paulo, foram registrados 125 acidentes com patinetes, skates, monociclos e patins entre janeiro e maio deste ano na capital paulista, um aumento de 12,6% em relação ao mesmo período do ano anterior. Em todo o estado, foram registrados 374 acidentes com patinetes e similares no período.

Atualmente, tramita na Câmara de Vereadores um projeto de autoria do vereador Marcelo Sgarbossa (PT) que propõe o estabelecimento de algumas normas para a operação do serviço. De acordo com o vereador, o projeto foi influenciado pelo caso da cidade catarinense de Balneário Camboriú, onde a Polícia Militar contatou a prefeitura local para cobrar uma regulamentação após o uso indiscriminado dos patinetes gerar uma série de acidentes. A proposta de Sgarbossa estabelece que os usuários não poderão passar dos 6 km/h de velocidade quando usarem os patinetes nas calçadas, enquanto poderão chegar até a 20 km/h nas faixas exclusivas para bicicletas. Além disso, o projeto prevê que as empresas devem disponibilizar como equipamentos obrigatórios farol dianteiro, lanterna traseira e velocímetro.

“O debate tem sido ancorado sobre andar na calçada ou não. Na verdade, é lógico que o melhor lugar para andar de patinete é na rua, porque a rua foi construída pensando na fluidez melhor possível dos veículos automotores. Por que as pessoas estão andando de bicicleta e patinete na calçada? Porque se sentem inseguras na rua, que se tornou um lugar de perigo. A grande questão, em vez de ficar discutindo se patinete tinha que ser na calçada ou não, é porque não tornar as ruas locais de maior convívio e compartilhamento do trânsito”, afirma o vereador.

Sgarbossa acredita que a regulamentação tem por função também ter um caráter educativo para que o usuários dos patinetes elétricos se conscientizem da necessidade de respeitar os limites para evitar acidentes. “A pessoa que sobe no patinete é a mesma pessoa que é motorista de um veículo automotor. E, portanto, ela está inserida na mesma cultura da opressão, no caso brasileiro. Ou seja, não está introjetado nela que, quando ela está pilotando ou dirigindo um veículo, ela tem que cuidar do outro. O que a gente quer, ao regulamentar as velocidades, é também ter esse caráter educativo”, diz.

Um dos questionamentos feitos aos serviços diz respeito à forma como eles são deixados pelo usuários | Foto: Luiza Castro/Sul21

Outro ponto da regulamentação proposta por Sgarbossa diz respeito à maneira como os patinetes devem ser depositados. Os aplicativos em funcionamento em Porto Alegre permitem que o usuário deixe o veículo em qualquer local que estiver dentro da área de atuação da empresa prestadora de serviços. Isso significa que, muitas vezes, os equipamentos acabam sendo deixados em locais inadequados.

“Já tivemos relatos de pessoas cegas que estavam acostumadas a circular pelos mesmos trajetos e, portanto, conheciam os obstáculos, e, daqui a pouco, se deparam com um item que não estava ali até o dia anterior. Nesses casos, a empresa fica obrigada a recolhê-los o mais rápido possível”, defende.

O petista sugere que a cidade aproveite uma lei municipal já aprovada pela Câmara que autoriza a retirada de vagas de estacionamento de rua em frente a comércios e a substituição por bicicletários. “Em tese, na frente de todo o comércio de Porto Alegre, poderia ter uma espécie de estação para estacionar os patinetes sem uso. Livraríamos da calçada, não atrapalharia mais os pedestres, e teríamos ali a democratização daquele espaço que hoje é ocupado por um veículo automotor, em regra dirigido por uma pessoa, para colocar ali 10, 15 patinetes, e mais bicicletas”.

Precisa de regulamentação?

O vereador Felipe Camozzato (Novo) tem uma posição mais crítica quanto à necessidade de regulamentação dos serviços. Para ele, toda nova tecnologia exige uma curva de aprendizado, tanto da sociedade, quanto do poder público, e é positivo que os patinetes possam estar sendo testados antes de serem regulamentados. O vereador destaca que o Código Brasileiro de Trânsito já prevê normativas que podem ser aplicadas aos patinetes e, portanto, não seria necessário criar uma lei específica para eles.

“Não precisa 36 vereadores decidirem como tu deve andar no patinete ou se tu deve ou não deve andar no patinete. Acho que isso é antiquado demais. O mundo hoje é de transparência, acesso à informação, liberdade, dinamismo, onde as pessoas querem autonomia para tomar decisão sobre suas vidas, fazer aquilo que para ela faz sentido. A gente não tem que achar que o legislador é uma pessoa dotada de uma inteligência além do normal, capaz de dizer o que é bom e é ruim para as pessoas. Acho que esse tempo de experimentação é muito útil para a gente ver o que dá certo, o que não dá, e a própria sociedade aprender com isso, as empresas se adaptarem, os consumidores se adaptarem. Não necessariamente a gente precisa meter o governo nessa história”, afirma.

Nessa mesma linha, Camozzato avalia que o problema do depósito dos patinetes também não seria resolvido adequadamente por meio de uma nova lei. “Nós precisamos de uma lei para dizer que não devemos deixar o patinete na frente de uma garagem? A gente bota uma lei dizendo que é proibido botar um sofá na frente da garagem? Não, isso é uma questão de viver em sociedade”, diz.

Além disso, o vereador do Novo acredita que a criação de uma nova legislação poderia ter o efeito prejudicial de servir de entrave para a chegada de novos projetos inovadores a Porto Alegre. “Quem sabe se a gente não tivesse tido as bicicletas do Itaú, a gente teria hoje a Yellow? Talvez não tivesse. Talvez se a gente provocar algum tipo de barreira aos patinetes, a gente vai impedir que surjam outras coisas que nem imaginamos hoje quais sejam. Podem ser skates elétricos, plataformas, enfim, essa é a beleza da vida em sociedade e da criatividade do ser humano. A gente nunca imagina o que vai acontecer. Já que a gente não tem como prever o futuro, melhor dar liberdade para o que futuro acontece”, afirma.

É comum ver usuários do serviço andando de patinete na calçada em Porto Alegre | Foto: Luiza Castro/Sul21

É preciso legislar

Para o professor de Arquitetura e Urbanismo e consultor em Transporte e Mobilidade Emilio Merino, a cidade nem deveria estar preocupada com a questão dos patinetes, uma vez que eles representam menos de 1% da mobilidade da cidade. O professor acredita que se trata de uma moda temporária que possivelmente cairá em desuso num futuro próximo.

Merino alerta que os patinetes elétricos são mais um modal de transporte privado que está sendo priorizado na cidade em detrimento dos sistemas coletivos. Ele avalia que, inclusive, a chegada dos patinetes pode ajudar a encarecer a tarifa do transporte coletivo. “Menciona-se que a cada ano o sistema de transporte coletivo perde usuários, o que significa que, para manter o equilíbrio entre oferta e demanda, é preciso incrementar a tarifa do sistema. É preciso estudar e ver os impactos econômicos da implementação destes novos modais nas tarifas”, diz.

Ainda assim, ele defende que deve haver uma regulação mínima, mas efetiva, deste modal. Ele concorda com o estabelecimento de limites de velocidade diferenciados para ciclovias e calçadas e acredita que devem ser estabelecidas normas de segurança, com o uso obrigatório de capacetes para quem trafega nas faixas de bicicleta. Merino sugere ainda que seja implementada uma taxa de administração cujos valores sejam revertidos para a construção de novas ciclovias, uma vez que Porto Alegre possui atualmente apenas 50 km destas faixas.


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