Pesquisa feita na UFRGS cria material com casca de arroz que pode ser usado na construção de móveis

Por
Annie Castro
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O material desenvolvido durante a pesquisa reaproveita resíduos da indústria de arroz. Foto: Divulgação
O material desenvolvido durante a pesquisa reaproveita resíduos da indústria de arroz. Foto: Divulgação

Filha de pequenos agricultores do interior do Rio Grande do Sul, as preocupações com questões de sustentabilidade foram um eixo norteador ao longo da trajetória profissional e acadêmica de Eliana Paula Calegari. Como designer de produtos, ela busca encontrar maneiras de minimizar os problemas ambientais causados por objetos que não são sustentáveis e produzir novos artefatos utilizando materiais naturais em sua composição. Essa preocupação levou Eliana a desenvolver, no Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), uma pesquisa que usa a casca de arroz para a confecção de materiais que podem ser utilizados na produção de móveis.

A escolha se deu em razão da abundância, principalmente no Rio Grande do Sul, maior produtor de arroz do Brasil, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. “A casca de arroz é um resíduo que é descartado no meio ambiente, grande parte sem ter um tratamento. Muitos produtores descartam a céu aberto, queimam, jogam dentro de rios. Ela possui sílica na sua composição, então demora bastante tempo para se decompor. É uma matéria orgânica que vai se acumulando nos rios, no solo e acaba poluindo o meio ambiente”, afirma Eliana.

A designer também destaca que, embora o resíduo seja reutilizado na agropecuária para forrar a cama de animais e para geração de energia por meio da queima, a presença desse produto no meio ambiente continua sendo excessiva. Dessa forma, Eliana foi atrás de novas utilidades para esse resíduo.

A pesquisa começou inicialmente no Mestrado em Design, quando a estudante procurou entender quais eram as possíveis utilizações de materiais biodegradáveis dentro do design de produto. “Pesquisei para verificar onde que esse material poderia ser aplicado. Também usei muita pesquisa bibliográfica para ver onde que estava o nível de pesquisa nessa área de compósitos biodegradáveis”, conta Eliana. Após descobrir as potencialidades de materiais naturais, ela pretendia desenvolver no Doutorado um produto totalmente biodegradável. Porém,  explica que isso não foi possível porque não possuía conhecimentos aprofundado nas áreas de química ou engenharia de materiais.

Assim, Eliana acabou criando, com a orientação da professora Branca Freitas de Oliveira, um produto formado 80% por casca de arroz e 20% por poliéster, uma resina derivada do petróleo. “Fiz vários testes para chegar nessa quantidade máxima de casca de arroz, que é 80%. Testei com 50% até 90% de casca, mas com 90% o material não ficou consistente”, conta. “Queria usar o mínimo possível de um material que é originário do petróleo, que demora mais tempo para se decompor na natureza”, afirma. Foram realizados testes de resistência no compósito e, de acordo com Eliana, os resultados dos testes assemelham-se aos de materiais como MDF e algumas madeiras.

Foto: Divulgação/UFRGS

Além da resistência do material, Eliana explica que também levou em consideração a questão estética, uma vez que a ideia era aplicá-lo em móveis. Para isso, a pesquisadora criou três materiais diferentes com a casca de arroz: um utilizando a casca inteira, outro com a casca totalmente moída e um terceiro com os dois tipos misturados. “Os atributos estéticos deles, como a textura e a cor, são muito parecidos com a madeira”, afirma.

De acordo com Eliana, o produto ainda está em fase de pesquisa e precisaria de novos estudos para ser comercializado para a produção de móveis. “Como foi desenvolvido com equipamento de laboratório, foram feitas placas bem pequenas, em numa amostra pequena. Para nível de mercado, teria que fazer novas pesquisas e aí realmente fazer um material com mais espessura, fazer testes para realmente aplicar na indústria”, explica.

Eliana, que atualmente trabalha como professora no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO), pesquisando na área de computação gráfica, também pontua o papel de sua profissão dentro da produção de bens de consumo . Ela explica que busca desenvolver maneiras de criar produtos que sejam mais sustentáveis e que utilizem materiais naturais em sua composição. “Eu sou designer, então, eu quero projetar um produto que atenda a necessidade das pessoas, mas que também tenha esse viés de diminuir o impacto na natureza, em como esse produto será descartado, como que ele vai se degradar no meio ambiente”, afirma.

O compósito que utiliza a casca de arroz inteira é um dos três tipos desenvolvidos pela designer Eliana. Foto: Divulgação

Tendo cursado sua graduação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Eliana conta que só conseguiu desenvolver sua pesquisa graças às bolsas que ganhou para o Mestrado e para o Doutorado. “Eu não teria condições de morar em Porto Alegre e meus pais não teriam como pagar uma universidade para mim. Foi pelas bolsas que eu consegui realizar isso, tendo a oportunidade de estudar em uma universidade pública”, diz. Para Eliana, a sociedade precisa conhecer as pesquisas que estão sendo feitas dentro das universidades e que podem servir para a resolução ou melhora de problemas das sociedades e do meio ambiente. “São pesquisas que são usadas no nosso dia a dia. Uma pesquisa que foi feita dentro da universidade pode fazer parte do nosso cotidiano em um produto que vai melhorar nossa vida”, afirma.


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