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1 de junho de 2019
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12:30

‘Essa escola me deu alternativa’: Comunidade luta para manter Ensino Médio em colégio municipal

Por
Sul 21
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Estudantes e professores realizaram um ato contra o fechamento de Ensino Médio na escola Emílio Meyer. Fotos: Carol Ferraz/Sul21

Annie Castro

No última quinta-feira (30), dia de mobilização nacional contra os cortes do governo Jair Bolsonaro (PSL) na Educação, estudantes e professores da Escola Municipal de Ensino Médio Emílio Meyer, em Porto Alegre, realizam um ato nas escadarias do colégio para denunciar as mudanças do governo Machezan Júnior (PSDB) na educação municipal, que não disponibilizará mais turmas de Ensino Médio a partir de 2020.

Atualmente, só duas escolas da rede municipal disponibilizam o segundo grau na Capital: a Emilio Meyer, no bairro Medianeira, e a Escola Municipal Dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha, no Sarandi. Em nota enviada ao Sul21, a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed), afirmou que a medida “é necessária para melhor organização administrativa e pedagógica das escolas” e que a disponibilização do Ensino Médio é atribuição constitucional do Governo do Estado. A Smed ainda afirma que há uma grande oferta da modalidade na cidade.

De acordo com a diretora da Emilio Meyer, Deliamaris Acunha, a intenção de acabar com o Ensino Médio na escola é antiga. “Faz cinco anos que a gente tem a ameaça de que irá fechar. Toda vez que vamos fechar o quadro de alunos a gente ouve que não é prioridade do município, mas agora foi o primeiro ano que veio por escrito essa determinação”, diz. A diretora também menciona que os cortes no colégio já aconteciam desde o ano passado, quando o curso Técnico em Hospedagem, que era oferecido pela escola, fechou.

Atualmente, a Emilio Meyer atende cerca de 500 alunos no Ensino Médio, nos turnos da tarde e da noite. Os estudantes realizam a matrícula, semestralmente, por disciplinas. “Cada disciplina é como se fosse uma turma. Digamos que o aluno está super adaptado na turma dele no 1º semestre do 1º ano do Ensino Médio, mas ele rodou em química. Então, ele deixa essa disciplina para trás e acompanha a turma dele, podendo escolher se vai cursar a disciplina no turno inverso ou fazer no outro ano”, explica a diretora. De acordo com Deliamaris, o método do colégio também funciona para auxiliar pessoas que não concluíram o segundo grau em função de alguma matéria deixada para trás ou que precisam trabalhar no turno da manhã.

Há três anos Deliamaris Acunha é diretora da Emílio Meyer. Fotos: Carol Ferraz/Sul21

Em função disso, a diretora afirma que não sabe como irão funcionar os próximos três anos, já que, segundo a determinação da gestão municipal, não poderão ser abertas novas turmas de 1º ano do Ensino Médio. “Durante três anos os alunos que estão aqui irão continuar cursando, mas não tem como não abrir uma nova turma de alguma disciplina porque vai ter aluno que vai precisar fazer matrícula, caso seja reprovado. Imagina, eles passaram do 1º ano, estão lá no segundo, mas ficou uma disciplina para trás do 1º semestre. Se eu vou oferecer para eles se formarem no Ensino Médio, eu vou ter que abrir todo ano no mínimo uma turma de alguma disciplina que eles vão precisar concluir”, explica.

Além do Ensino Médio, o colégio também possui turmas de educação infantil e de primeiro, segundo e terceiro ano do Ensino Fundamental e curso de Magistério, no turno da noite. De acordo com a Smed, o Magistério irá continuar sendo ofertado na escola, assim como na Liberato Salzano Vieira da Cunha. “A decisão está em consonância com a necessidade de formar mão de obra qualificada para a rede comunitária de educação infantil”, diz a secretaria.

Segundo Deliamaris, é justamente pela demanda do município que o curso não será encerrado. “No fundo, ele também não é uma prioridade. No documento que eu recebi diz que conforme forem fechando as turmas de Ensino Médio, irão aumentando as vagas do Magistério. No entanto, eu não consigo abrir mais turmas do curso normal porque eu tenho falta do RH aqui na escola”, afirma.

Inclusão, localização e portas sempre abertas

Em meio a manifestação de estudantes da Emílio Meyer no dia 30, um dos alunos caminhou até o microfone para contar que, por ter necessidades especiais, nunca havia se sentido tão acolhido em uma escola. De acordo com Deliamaris, a instituição possui um projeto de educação inclusiva, que, além de atender alunos do próprio colégio, também orienta estudantes com necessidades especiais de toda a rede pública sobre questões como mercado de trabalho, por exemplo. “Tem alunos que vêm de outras regiões, porque sabem que é a única escola da rede pública que tem essa aceitação da inclusão”, afirma. Atualmente, a escola conta com um grupo de professores, liderado por uma psicóloga, que busca trabalhar a inclusão dos alunos.

O colégio também era reconhecido pela oferta de oficinas de cerâmica, música, teatro e desenho, abertas à comunidade há mais de 40 anos. Foram os projetos que levaram Giovana Santos Menegaz a estudar na Emílio. “Quando descobri que tinha uma escola que oferecia cerâmica como um curso, eu fiquei muito feliz. É o que eu gosto de trabalhar e quero pro meu futuro, mas sei que não são todas as escolas que vão oferecer isso”, afirma a estudante, que cursa o 1º ano do Ensino Médio. No início deste ano, porém, as oficinas de música, teatro e desenho foram encerradas. “A gente já estava lutando para que voltassem esses cursos e agora vamos ter que lutar para que simplesmente não acabe o Ensino Médio”, diz Giovana.

Vitória Vaz Cirra e  Giovana Santos Menegaz estudam no Ensino Médio da Emílio Meyer. Fotos: Carol Ferraz/Sul21

Já a estudante Vitória Vaz Cirra, que cursa o 2º ano do Ensino Médio, resolveu estudar no Emílio devido à localização, por ser uma tradição entre as gerações de sua família e também, de acordo com ela, pela qualidade do ensino. “É a escola mais acessível que tem para mim. Eu já estudei em muitas escolas, me mudei bastante, e essa é a primeira escola que realmente estimula a criatividade dos alunos. Os professores incentivam os diálogos, as discussões”, afirma.

Para Deliamaris, o Ensino Médio na Emílio Meyer é a solução para muitos estudantes, também, por conta da localização. “As pessoas procuram a escola justamente pela localização, de ser no Medianeira, mas estar em uma posição de passagem. Vários ônibus passam por aqui. A Emílio foi criada em 1954 justamente pela localização”, pontua. Segundo ela, o encerramento do segundo grau na escola significa o fim de oportunidades para jovens de diversas regiões da cidade.

Bruna planejava que a filha Kamilly Eduarda, de 14 anos, iria cursar o Ensino Médio na Emílio Meyer. Foto: Arquivo Pessoal

A opinião de Deliamaris é compartilhada por Bruna Rodrigues, que é ex-aluna da Emílio e que hoje cursa Administração Pública Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “É muito triste ver isso acontecer porque a escola tem todo um contexto, ela é a melhor da região, ela não é só para estudantes, é para trabalhadores. Às vezes eu tenho a sensação que eles [governos] querem tirar nossas oportunidades. Isso afeta a juventude, que é pobre e que mais necessita daquela estrutura. Fechar uma escola, fechar o Ensino Médio, mata a nossa juventude, porque vão acabando as alternativas”, diz.

Bruna pretendia que a filha Kamilly Eduarda, de 14 anos, que hoje cursa o 9º ano do Ensino Fundamental, fizesse o segundo grau na Emílio. “Não sei se vai ser uma possibilidade agora. A escola é uma referência para mim, e eu vou lutar para que minha filha também tenha uma vaga garantida naquela escola”, diz.

Mãe aos 16 anos, Bruna conta que precisou largar a escola diversas vezes, mas que retomou os estudos porque recebeu apoio dos professores da Emílio: “Eu fui mãe muito nova, então minha prioridade nunca foi estudar, sempre foi trabalhar. Por muitas vezes eu deixei de estudar, mas sempre que eu voltava a tentar, os professores estavam lá para me dar apoio, a escola estava lá de portas abertas para me receber”, lembra. Para Bruna, a comunidade da região da Emílio deve lutar para que não acabe o Ensino Médio: “Essa escola me deu alternativa de vida, eu mudei minha vida pela educação. Nós vamos lutar e eu acredito que é reversível sim”.

Veja mais fotos do ato dos estudantes e professores na Emílio Meyer:

Fotos: Carol Ferraz/Sul21
Fotos: Carol Ferraz/Sul21
Fotos: Carol Ferraz/Sul21
Fotos: Carol Ferraz/Sul21

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