Geral
|
29 de junho de 2019
|
12:40

Com plenária lotada, audiência pública em Eldorado do Sul debateu o projeto Mina Guaiba

Por
Sul 21
[email protected]
Os riscos ambientais e sociais foram duramente criticados por quem é contra a instalação da mina de carvão a céu aberto / Foto: Maiara Rauber/MST

Fabiana Reinholz e Marcelo Ferreira – Brasil de Fato

Com um ginásio lotado, manifestantes contra e a favor do projeto Mina Guaíba estiveram presentes na Audiência Pública convocada pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler – RS (Fepam), na noite dessa quinta-feira (27). A audiência serviu para prestar esclarecimentos sobre o projeto de exploração carbonífera a céu aberto entre os municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, da empresa Copelmi Mineração Ltda. Durante cerca de oito horas, questionamentos foram levantados, em especial sobre seus impactos ambientais.

Em diversas falas, registrou-se a cobrança para que seja realizada uma audiência em Porto Alegre, já que toda a região metropolitana será afetada. Também foi defendido o uso de matrizes energéticas renováveis, de menor impacto ambiental. Do outro lado, ouviu-se o enaltecimento da geração de empregos e os benefícios à economia do Estado.

Antes das 18h, horário marcado para começar a assembleia, ônibus fretados organizados pela empresa e pelos movimentos contrários à instalação da mineração traziam pessoas interessadas no debate. Quem chegava encontrava perto da entrada do ginásio uma intervenção artística que denunciava os prejuízos do uso do carvão. Faixas espalhadas pela grade davam conta dos posicionamentos contrário e a favor da mina.

Manifestação em frente ao ginásio / Foto: Maiara Rauber/MST

Assentados, representantes de comunidades indígenas, ambientalistas, estudantes, professores, famílias, poder público e instituições como Ibama e Incra; organizações não governamentais, prefeitos e vice-prefeitos, promotores de justiça, entidades representativas dos trabalhadores e empresários; e demais simpatizantes ou contrários à instalação da Mina marcaram presença.

O evento foi recomendado pelo Ministério Público Estadual e pelo Ministério Público Federal e teve como responsável pela mediação o diretor-técnico da Fepam, Renato Chagas. Logo após as explicações do rito da audiência, a coordenadora do grupo de análise dos estudos ambientais da Fepam, Andrea Garcia, relatou o andamento do licenciamento ambiental do projeto, que está em fase prévia, no qual se analisa a viabilidade do projeto em relação à locação proposta. “As fases seguintes do licenciamento serão instalação e operação, que se darão em outras etapas ao longo da análise da instituição. Esse projeto já era de conhecimento desde 2014, quando foi protocolado o processo físico”, apontou.

Apresentação do projeto

À direita, representantes do projeto que apresentaram os estudos / Foto: Fabiana Reinholz

Na sequência, por mais de uma hora, os detalhes do projeto, do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) foram apresentados por Cristiano Weber, gerente de sustentabilidade corporativa da Copelmi, e por Affonso Novello, líder de estudos ambientais da Tetratech, uma das empresas contratadas para a elaboração do EIA-RIMA junto com a ABG Engenharia e Meio Ambiente.

O EIA/RIMA e complementações do projeto estão disponíveis no site da Fepam. Acesse.

Em termos técnicos, Novello falou que a escolha do local se dá pela rigidez locacional do minério, e por isso aquela é a área solicitada. Quanto a algumas críticas, afirmou que a mineração não emite gases tóxicos e, de maneira rápida e sem explicação mais consistente, falou dos desvios dos arroios e de reassento involuntário de famílias que vivem nas localidades diretamente afetadas.

Novello explicou brevemente o processo de remoção involuntária das famílias. “Pela implantação, pela alternativa locacional da jazida, as comunidades e as jazidas não têm como conviver, então desloca-se toda a população, de acordo com os marcos legais. Posteriormente será feto um comitê de reassentamento para negociação, será feito de caso a caso, família por família. Vocês vão ter, no mínimo, condições iguais, ou melhores”, garantiu.

Permeado por vaias e aplausos dos presentes no ginásio, Cristiano Weber disse que a Copelmi é uma empresa centenária e nacional (movimentos sociais apontam a participação de empresas internacionais, fato negado pela empresa). Explicou que vem sendo feitos estudos na área desde 1978, que o pedido foi encaminhado em 2014 e que a empresa pretende começar a operar em 2023. A operação se dará por um período de 30 anos, ao longo dos quais ele afirmou que a empresa vai recuperar as áreas mineradas, com seu fechamento em 2052.

Ambientalistas criticam o projeto, uma vez que a mina estaria próxima do Delta do Rio Jacuí, envolvendo desvios em cursos d’água e possíveis impactos na fauna e na flora de uma região permeada por ilhas e mata nativa. O empreendimento ficaria a 535 metros do Parque Estadual Delta do Jacuí e a 240 metros de área de preservação ambiental.

Questionado inúmeras vezes sobre os impactos, Weber disse que a empresa é cuidadosa com o meio ambiente, que fez recuperações ambientais em outras localidades onde atua, como no município de Butiá. Sem especificar, respondeu que todas as possibilidades de impacto foram tratadas com medidas de controle. “Teremos impactos positivos, como geração de empregos e tributos. A qualidade de água do Jacuí será preservada devido a ferramentas de controle”, disse.

Não à mineração

Contrários dizem não à mineração / Foto: Fabiana Reinholz

Boa parte das manifestações durante a audiência foram contrárias à instalação do projeto. A primeira participante inscrita foi Manuela Schuch, analista ambiental do Ibama que trabalha com recuperação de áreas degradadas e é moradora de Eldorado do Sul. “Mina de carvão não é desenvolvimento. É retrocesso”, afirmou, exemplificando com uma matéria da Folha de São Paulo que traz a informação de que a Alemanha planeja fechar as termoelétricas a carvão até no máximo 2038. “Para enfrentar as questões climáticas, precisamos pensar globalmente e agir localmente na nossa comunidade. Precisamos parar de emitir CO2, sequestrar o carbono da atmosfera e plantar árvores em alta escala. Nós não dependemos do carvão. Temos sol, vento, água, terra para plantar e produzir biocombustíveis. Precisamos investir em fontes de energia renováveis”, apontou.

Morador de Charqueadas, Valcir de Oliveira manifestou indignação e contrariedade. Segundo ele, não existem atingidos indiretos, todos são atingidos diretamente. “Queremos que a Fepam realize outras audiências públicas. Tem assentados há 29 anos em Charqueadas. São 400 famílias em Eldorado e São Jerônimo, e a maioria tem o assentamento ecológico. Nossos poços artesianos variam de 30 a 40 metros, quem garante que não vai afetar o lençol freático? Fala de emprego, desenvolvimento, mas quantas famílias serão deslocadas ali do assentamento e do Guaíba City?” questiona.

“Parece que trouxeram uma imagem bonita, parece que isso vai trazer prosperidade para a população, mas para nós indígenas, o que tem aqui da natureza é o que traz a vida para nós. A gente luta para preservar a mata, o rio e tudo aquilo que a natureza nos oferece”, disse o guarani Maurício da Silva Gonçalves, de Barra do Ribeiro. “Nós nunca somos consultados quando as grandes empresas têm esses grandes projetos. Nós, por direito, temos que ser consultados. Essa história de fazer benefício, vai trazer sim, entendo que vai trazer benéficos aos municípios. Vocês trazem o lucro para a empresa e para algumas pessoas, mas vai trazer catástrofe para as pessoas que ficam sem lucro. Vocês vão matar as matas, os rios, a fauna e a flora”, denunciou.

Na avaliação da deputada estadual Sofia Cavedon (PT), foi preciso lutar muito para a Fepam começar a escutar a população gaúcha. “O que temos aqui é um projeto de impacto que piora todas essas condições. O que vimos é uma lista imensa de vários itens de todos os impactos negativos e vimos três itens de impactos positivos. Não se iludam com os impostos que vão gerar para essas cidades. Os empreendimentos familiares, a economia solidária, a agroecologia, o turismo gera muito mais empregos. E sobre monitoramento: Brumadinho e Mariana tinham monitoramento. Salvaram a vida das pessoas? Quem fará o monitoramento se estão sendo desmantelados todos os órgãos públicos?”, apontou.

Sobre as questões dos indígenas, Weber disse que consultou a Funai para saber se no raio de 8 Km haviam terras ocupadas ou projetos de terras indígenas, e que a resposta da entidade foi negativa. “Ainda assim, fomos analisar os impactos que poderiam ocorrer em seu entorno, e essas comunidades indígenas não terão a qualidade da sua água prejudicada, não terão seu ar prejudicado. Pelo contrário, a sua qualidade de vida poderá melhorar, pois os municípios terão recursos financeiros para atender essas populações”, disse.

Favoráveis: Geração de emprego e desenvolvimento

Grupo de estudantes a favor não foi identificado pela reportagem do Brasil de Fato / Foto: Fabiana Reinholz

A primeira fala dos favoráveis foi feita pelo senhor identificado por Oniro, que abriu falando do desemprego. “Vivemos em um país que tem 13 milhões de pessoas desempregadas, pessoas passando fome, pessoas que não têm de onde tirar o sustento da sua família. Quando se fala em poluição, nós temos aí a Avenida Ipiranga, o arroio Diluvio jogando e jorrando lixo dentro do rio Guaíba, e isso não está sendo discutido pelas pessoas que estão comentando”.

Ele ainda questionou os representantes se as leis ambientais estão sendo respeitadas e quantos mil empregos a empresa gerará. Weber informou que as leis estão sendo respeitadas e que a empresa gerará 5.600 empregos diretos e indiretos. Salientou que as medidas de contenção foram dimensionadas.

A Professora de Butiá, Irani Martins de Medeiros, disse que a Copelmi não é uma empresa que “vai e vem”, mas que está há 100 anos minerando no seu município. “É uma empresa que contribui significativamente para que Butiá tenha o único hospital da região. Esse pessoal de Porto Alegre, que quer audiência lá, não está preocupado com o que está acontecendo na BR 290. Estou mostrando a necessidade de nossa região ser ouvida como um todo, de se desenvolver. Lastimo que a mina não esteja em Butiá”.

Com gritos de vendido, o prefeito de Butiá, Daniel Almeida (PT), demonstrou apoio ao empreendimento, citando o potencial de geração de empregos. “Conheço a mineração e conheço a família de cada trabalhador que está aqui. O maior flagelo que vivemos hoje é o desemprego, e trago o anseio de uma comunidade. Trago uma moção de apoio assinada por sete prefeitos da região carbonífera. Temos compromisso com o assentamento Apolônio [de Carvalho] de acompanhar toda realocação. Temos a responsabilidade com a geração de emprego e a geração de renda e vamos, sim, acompanhar o desenvolvimento”, disse.

Odilon Lopes (MDB), vice-prefeito de Charqueadas, disse acreditar mais na opinião técnica da empresa. “Por conviver com a mineração de carvão e com a empresa carbonífera Copelmi há tantos anos, por conhecer a responsabilidade social que ela tem, a responsabilidade técnica de seus profissionais, eu acredito mais na opinião técnica da Copelmi do que naqueles que são contrários. Carvão mata fome, Charqueadas está aqui para dizer sim à Mina Guaíba”, afirmou.

Outros manifestantes favoráveis alegaram que os cartazes contrários não querem dizer nada, como foi o caso do senhor Adroaldo Alves de Souza. “Estou aqui não a favor ou contra esse projeto (mesmo vestindo uma camiseta favorável). Sou a favor de que o povo gaúcho tenha respeito, trabalho e dignidade. Tenho 61 anos, me aposentei na mineração e tenho saúde perfeita, esse cartaz aí (que diz que carvão mata) para mim não vale nada”, vociferou.

Ação contra a mina

O coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi-Sul), Roberto Liebgott, recuperou a fala dos indígenas sobre não haver consulta prévia e livre sobre o empreendimento. Comunicou o descumprimento de dois princípios fundamentais, o primeiro relacionado à Constituição Federal. “Em relação ao artigo 231, que diz que todo empreendimento que afete comunidades indígenas precisa ser previamente consultado e a consulta tem que ser livre e informada”. O segundo, diz respeito à convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Os artigos 14 e 15 estabelecem que em todo empreendimento que afete terra indígena ou comunidade indígena, independente se em terra demarcada ou não, eles precisam ser consultados”.

Com base nesses dois princípios, segundo Liebgott, o Cimi vai “requerer ao Ministério Público Federal (MPF) a suspensão desse empreendimento até que se cumpram as condições”. Salientou ainda que o projeto afeta diretamente as comunidades indígenas e incide sobre território público da União, cobrando a presença do MPF, que “deveria estar presente”.

Comunidade atingida deu seu recado / Foto: Fabiana Reinholz

A mobilização continua

Manifestantes ressaltaram que quem deve decidir sobre a implantação do projeto é o povo que seria’ impactado e que, desde o início do ano, trabalhadores, parlamentares e entidades socioambientais pressionam para que também ocorra uma audiência pública da Fepam em Porto Alegre.

A população segue mobilizada contra a implantação da Mina Guaíba. Na próxima segunda-feira (1º de julho), às 10 horas, será realizado um novo debate sobre os impactos do projeto, com o apoio do Comitê de Combate à Megamineração no RS. Será na Ilha da Pintada – salão da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, rua Capitão Coelho, 300.

(*) Com informações do MST


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora