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15 de junho de 2019
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17:51

CEDH-RS repudia abuso de autoridade contra advogado no exercício da função durante greve geral

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Sul 21
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CEDH-RS repudia abuso de autoridade contra advogado no exercício da função durante greve geral
CEDH-RS repudia abuso de autoridade contra advogado no exercício da função durante greve geral
Ramiro Goulart foi preso e algemado. (Reprodução/Youtube)

 Da Redação 

O Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH-RS) divulgou neste sábado (15) uma moção de repúdio contra o abuso de autoridade que teria sido praticado por integrantes da Brigada Militar contra o advogado Ramiro Goulart, no exercício da função, nas dependências da 2a. Delegacia de Polícia Civil de Porto Alegre, para onde foram levados detidos mais de 50 manifestantes que participavam de um piquete em frente à garagem de uma empresa de ônibus da capital, dentro da jornada de mobilizações da greve geral convocada por centrais sindicais e movimentos populares.

Segundo a Brigada Militar, o advogado foi preso por desacato, após ter chamado policiais militares de “cambada de cachorros”. O advogado protestava contra o tratamento que estava sendo dado a manifestantes que, após serem liberadas pela Policia Civil, queriam fazer corpo delito para representar contra brigadianos e foram colocadas em um camburão. O advogado, que também é conselheiro do CEDH-RS, foi algemado e levado para dentro da delegacia.

Na avaliação do CEDH-RS, houve “abuso de autoridade contra advogado no exercício da função, em defesa das garantias fundamentais de cidadãs que estavam sendo indevidamente levadas em camburão de viatura policial para realizarem perícia, quando não estavam detidas”. Segue abaixo a íntegra da nota assinada por Paulo César Carbonari, presidente do Conselho:

MOÇÃO DO CEDH-RS
REPÚDIO AO ABUSO DE AUTORIDADE COM ADVOGADO E CONSELHEIRO

“O Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH-RS), criado pela Lei Estadual nº 14.481/2014, vem repudiar ato de abuso de autoridade cometido por policial militar na 2ª Delegacia de Policial Civil de Porto Alegre contra advogado no exercício da função, em defesa das garantias fundamentais de cidadãs que estavam sendo indevidamente levadas em camburão de viatura policial para realizarem perícia, quando não estavam detidas. Este advogado é também conselheiro titular desse CEDH-RS.

O agir punitivo do Estado, cerceando cidadão em sua liberdade de expressão, mormente quando no exercício de função essencial a justiça, em visível relação de desigualdade, pois diante de uma tropa bem armada, preparada e capaz de matar, com base no delito de desacato, fere de morte o Estado Democrático de Direito, a duras penas conquistado para que todos pudessem ter voz, inclusive crítica contra os arbítrios do Estado Penal.

O CEDH-RS ressalta que o delito de desacato foi abolido pela Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, devendo ser observado por todos os seus estados signatários, como é o caso do Brasil. Assim, a Convenção dispõe no artigo 13 que “toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar: a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas”.

Ainda, refere que “não se pode restringir o direito de expressão por quaisquer meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões”.

Tendo em vista que a Convenção prepondera sobre a legislação infraconstitucional, como reconhece o Supremo Tribunal Federal, há abuso de autoridade em algemar violentamente e deter sob custodia alguém com base no delito de desacato previsto no Código Penal. Soma-se a isso que o artigo 11 da Declaração de Princípios Sobre Liberdade de Expressão aponta que “os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade. As leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente conhecidas como ‘leis de desacato’, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação”.

Nesse sentido, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Relatório sobre os Antecedentes e Interpretação da Declaração de Princípios da Convenção Americana de Direitos Humanos, repugnou a proteção em demasia conferida ao servidor público em detrimento da população, haja vista que “a aplicação de leis de desacato para proteger a honra dos funcionários públicos que atuam em caráter oficial outorga-lhes injustificadamente um direito à proteção especial, do qual não dispõem os demais integrantes da sociedade.” O tratamento desigual inverte “o princípio fundamental de um sistema democrático, que faz com que o governo seja objeto de controles, entre eles, o escrutínio da cidadania, para prevenir ou controlar o abuso de seu poder coativo.” Dessa forma, estando os funcionários públicos sujeitos a maior escrutínio da sociedade, o controle de suas condutas deve ser exercido por toda a população sem empecilhos.

Neste sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.640.084-SP (2016/0032106-0). Como lembra o Relator, Ministro Ribeiro Dantas, nas palavras do Subprocurador-Geral da República, Doutor Nívio de Freitas Silva Filho, o delito de desacato traz “conceitos vagos e imprecisos, que tem servido mais como meio de intimidação dos cidadãos do que para a proteção da Administração Pública”. Não por acaso, o Conselho Federal da OAB, na ADPF 496, arguiu o descumprimento de preceito fundamental a manutenção da previsão do crime de desacato no Código Penal.

Por fim, registre-se que a súmula vinculante nº 11 do STF prevê o uso de algemas somente em casos excepcionais, como casos de resistência, fundado receio de fuga ou perigo a integridade física alheias, devendo ser a excepcionalidade justificada por escrito, sob pena de sanção dos agentes públicos.

Assim, o CEDH-RS repudia ato de abuso de autoridade cometido por policial militar na 2ª Delegacia de Policial Civil de Porto Alegre contra advogado no exercício da função, em defesa das garantias fundamentais de cidadãs e espera as responsabilidades sejam identificadas e processadas nos termos do devido processo. Este CEDH-RS encaminhará o caso para ser acompanhado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e para o Programa de Defensores/as de Direitos Humanos”.

Porto Alegre, 15 de junho de 2019.

PAULO CÉSAR CARBONARI
Presidente do CEDH-RS


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