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14 de maio de 2019
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19:07

Professor da USP cria diário para mostrar como é o dia a dia em uma universidade pública

Por
Luís Gomes
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Moacir Ponti criou um diário para relatar sua rotina como professor universitário | Foto: Arquivo Pessoal

Da Redação* 

Indignado com a propagação de imagens e textos compartilhados para “retratar” episódios de balbúrdia que supostamente aconteceriam dentro de universidades públicas brasileiras, o professor Moacir Ponti, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo, em São Carlos, começou a escrever no dia 6 de maio um diário na plataforma Medium detalhando a rotina de um professor universitário no Brasil. Por uma semana, até a sexta-feira (10), ele descreveu a sua rotina interna e externa à universidade, compartilhando também a sua opinião pessoal sobre o cenário da educação do País. Até esta terça (14), o conteúdo já tinha recebido mais de 3 mil acessos.

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“Essa é uma série de posts para desmistificar o dia a dia da universidade pública. Vou registrar minha semana e postar um dia por vez aqui, um tipo de Big Brother. Se você só ouviu falar sobre como é uma universidade pública, aqui vai ter uma boa amostra da realidade. Já fui professor da Universidade Federal de Viçosa também, no Campus de Rio Paranaíba-MG, e posso dizer que a rotina é parecida, guardando as devidas particularidades de cada cidade, região e universidade”, escreveu Moacir no início de empreitada.

Ao relato, o professor agrega no diário diversas imagens das aulas que ministra, das reuniões com os alunos que orienta e de todos os demais projetos de que participa. No trecho a seguir, ele relata a primeira ação da segunda-feira (6): “A primeira atividade é uma reunião na Fundação de Apoio Institucional ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FAI-UFSCar) para discutir parcerias para o Pint of Science 2019, um evento de divulgação e popularização da ciência. A reunião foi um sucesso, e saio de lá com boas perspectivas. É fundamental divulgar a ciência para que todos saibam como a pesquisa científica nos impacta diretamente, estimulando a economia, tornando-nos mais produtivos e fortalecendo o país”, diz o relato de Moacir, que é responsável pela coordenação do festival científico e cultural Pint of Science em São Carlos.

No fim de quarta-feira (8), Moacir participa de uma reunião do Clube do Livro, ação promovida pelo Programa de Educação Tutorial (PET-Computação) do ICMC. Pautada pelo romance “A casa dos espíritos”, de Isabel Allende, trama que se passa no contexto do golpe militar chileno, a discussão termina com o grupo apreciando doces em forminhas brancas, vermelhas e azuis, tal como as cores da bandeira do Chile. O professor encerra o relato do dia com um desabafo: “Há dias felizes, mas hoje é definitivamente triste. Com tanto potencial na universidade para educar, criar, desenvolver e inovar, constatar que essa não é uma prioridade dos nossos representantes traz desânimo e acaba por deixar amargo esse fim de quarta-feira (apesar dos doces). E esse amargor não parece que vai embora tão cedo. Apesar disso, amanhã há de ser outro dia — estão vindo várias músicas desse tipo na minha cabeça hoje, vai saber o porquê — e terá mais aula, mais trabalho e mais universidade pública resistindo”.

Boa parte dos relatos do diário de Moacir é dedicada a contar o que acontece dentro da sala de aula. “Hoje pela manhã fiz os calouros sofrerem um pouco com os detalhes do gerenciamento dinâmico de memória e diferentes representações da informação no computador”, diz o relato da aula que ministrou na quinta-feira (9) para alunos do primeiro ano do curso de Ciências de Computação.

Na lousa, o conteúdo de uma das aulas do professor na USP | Foto: Arquivo Pessoal

Na sequência, o professor explica um relevante conceito da área de computação: “Algumas pessoas já sabem que tudo no computador é, na verdade, armazenado, processado e transmitido em binário. Sim, tudo é codificado usando apenas 0 ou 1, o que chamamos de bit. Essa é a menor parcela de informação — 0 e 1 pode significar, respectivamente ‘desligado’ e ‘ligado’, ‘aberto’ e ‘fechado’, ‘ausente’ e ‘presente’, etc. (tente imaginar algo que retenha menos informação que isso). Quando encadeados em sequência, escrevemos coisas mais complexas. Por exemplo, vamos combinar um código simples de 4 bits, em que: 0001 — significa a letra ‘A’; 0010 — significa a letra ‘B’; 0011 — significa a letra ‘C’; 0101 — significa a letra ‘E’. Assim, 0010 0101 0011 0001, codifica a palavra ‘BECA’. Nos computadores, a codificação padrão para caracteres tem 8 bits. Chamamos 8 bits de 1 byte — e essa palavra você já deve ter ouvido falar”.

Na última postagem do diário, na sexta-feira (10) relata o encontro com um orientando. “Na hora do almoço, encontrei com um aluno que está finalizando seu TCC, acertamos os pontos finais para entrega da sua monografia. Os resultados estão prontos, só falta mesmo colocar tudo no texto: descrição dos experimentos, resultados, e sua discussão. Depois peguei minha marmita pra esquentar e almoçar, como faço muitas vezes”, escreveu.

Ao final da postagem, ele destaca que, apesar de estar encerrando o diário, “a universidade pública vai continuar necessária e relevante para uma sociedade com menos desigualdade, mais educada e preparada para os desafios de hoje e do futuro”.

(*) Com informações da USP


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