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18 de maio de 2019
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17:11

‘O desencanto com partidos, o desespero leva a isso’, diz Margarita Zapata sobre ascensão da direita

Por
Sul 21
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Margarita Zapata esteve em Porto Alegre para a exposição Adelitas. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Annie Castro

Apesar da importância histórica que o sobrenome de sua família possui, Margarita Zapata afirma ter tido uma infância normal, “como de todas as crianças que viviam em uma vila na cidade do México”. Neta do revolucionário mexicano Emiliano Zapata, Margarita esteve em Porto Alegre no último mês para participar de um debate na programação da exposição ‘Adelitas’, no Memorial do Rio Grande do Sul, onde falou sobre as mulheres que participaram da Revolução Mexicana e sobre feminismo.

Assim como seu avô, que foi um dos principais líderes da revolução que no início do século 20 lutou pelo direito dos povos campesinos e contra a ditadura de Porfírio Díaz no México, Margarita também construiu sua trajetória marcada pela militância. Além de veterana da Revolução Sandinista, que aconteceu na Nicarágua entre os anos 1979 e 1990, Margarita atua na luta pelos direitos das mulheres, tendo sido vice-presidente da Internacional Socialista de Mulheres, uma organização internacional que reúne mulheres de partidos filiados à Internacional Socialista. Ainda, em 2011 a mexicana foi nomeada embaixadora itinerante da Nicarágua.

Apesar do reconhecimento  mundial pela luta de Emiliano Zapata, Margarita afirma que não costuma falar sobre suas raízes para desconhecidos. “Se estou conversando com alguém e esse alguém sabe sobre ele, bom, não vou negar, porque são minhas origens, mas para mim não significa mais que isso”, disse em entrevista ao Sul21, dias antes do debate em Porto Alegre.

Para ela, crescer sendo neta de Zapata significa apenas “comprometimento e trabalho”. “Eu não estou imitando Emiliano Zapata, ele é único. Mas é claro que quero que o sobrenome de Zapata seja lembrado de uma boa forma, então tenho que reivindicá-lo e honrá-lo, afirmou. Margarita ainda pontua que, apesar de tentar honrar diariamente o sobrenome de seu avô, não vive em função dele, mas sim com base nas lutas e compromissos que possui.

Margarita diz que atualmente não crê que somente revoluções armadas possam promover transformações sociais. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Revoluções pacíficas

Sobre o contexto que envolveu sua participação na Revolução Sandinista, Margarita conta que conhecida alguns dos fundadores da FSLN. “Existiam muitos jovens sonhadores, como eu e como qualquer outra pessoa que pensava que podia transformar o mundo. Assim nos envolvemos nesses movimentos. Em muitos países as revoluções tampouco foram capazes de ter sucesso, mas eles tentaram. Isso é o importante para mim”.

Apesar de ter participado da Revolução Sandinista, Margarita diz que atualmente não crê que somente revoluções armadas possam promover transformações sociais. “A morte não é agradável. A luta armada, claro, está aí, mas seria muito melhor se não estivesse. Se você não tem outra possibilidade, então você tem que reivindicar com a luta. Mas não acredito que o mundo só pode ser alterado com revoluções armadas, existem movimentos sociais pacifistas que mudaram algumas coisas, como Gandhi, por exemplo”, afirma.

Margarita também menciona que muitos revolucionários, sejam eles pacíficos ou não, são esquecidos após o fim das revoluções “Zapata não triunfou, porque se não estaríamos completando o centenário de seu assassinato. Eles o mataram porque ele reivindicou e lutou para devolver à sociedade camponesa o que pertencia à ela. Não só a terra, mas as águas e a dignidade”, disse. Ela pontua que aos poucos o povo mexicano está percebendo o que aconteceu durante a Revolução Mexicana. “No México, quem venceu a revolução foram os proprietários, os ricos da classe econômica. E agora nós começamos a abrir os livros e ver que algo aconteceu aqui, Foi uma revolução com mil deformações, com homens que não sabiam o que estavam fazendo, mas isso levou a uma estrada, sinuosa, nada perfeita, mas que esta aqui”, diz.

Para ela, a principal necessidade é mudar o estilo de vida das sociedades para que “as pessoas possam viver melhor, para que não haja mais terrorismo, violência, fome e doenças que poderiam ser evitadas”. “Temos que mudar o mundo. Não sei como, não tenho a receita, mas é preciso mudar porque este mundo está cheio de injustiças. Nenhum mundo é possível se não houver uma consciência real de transformá-lo para o benefício da maioria, de quem tem o mínimo”, diz. Margarita também afirma que o problema atual é que existe um excesso no discurso acerca de mudanças políticas e sociais, ao mesmo tempo em que há a ausência da prática dessas propostas. “Dizem que outro mundo é possível, então vamos construí-lo”.

‘As pessoas estão querendo resolver suas vidas, e os demagogos aproveitam para desqualificar a esquerda’. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Atuação da esquerda

De acordo com Margarita, atualmente os partidos e movimentos de esquerda ao redor do mundo passam por dificuldades. “Eu me pergunto se todos são realmente de esquerda e se querem mesmo mudar o mundo”, diz ela. Segundo Margarita, muitas vezes as pessoas deixam os interesses pessoais distorcerem o que estava sendo uma “luta honesta de princípios”, o que faria com que as populações acreditassem que políticos extremos, principalmente dentro de partidos de direita, fossem a solução para os problemas sociais. “Há pessoas que precisam comer e eles acham que é a única solução para seus males. O desencanto com partidos, o desespero leva a isso. As pessoas estão querendo resolver suas vidas, e os demagogos aproveitam para desqualificar a esquerda e dizem que assim irão resolver o problema das pessoas, mas nós sabemos que não vão”, afirma.

Margarita diz acreditar que não existe uma receita de como a esquerda deve agir ou de como ser um bom revolucionário. Para ela, cada país possui suas próprias necessidades e formas de lutar. “Ninguém pode dar uma receita de como a esquerda tem que ser para lutar, e nem de como a direita tem que ser para não incomodar. Não há receita para nada, existem princípios”.

Feminismo

Atualmente, Margarita não possui nenhum cargo na Internacional Socialista de Mulheres, mas conta que continua trabalhando com as mulheres que pertencem ou não à organização. Segundo ela, o trabalho que desempenha é realizado de acordo com as necessidades de cada mulher.

Margarita conta que era muito jovem quando teve seu primeiro contato com o feminismo, mas que nunca “tomou como ideias e lutou pelo movimento”. Segundo explica, as necessidades do momento que a fizeram lutar pelos direitos das mulheres. “Acho que o feminismo não é um feminismo tal como o que evoluiu na América Latina. As necessidades das mulheres nos obrigaram a procurar outra forma de luta. Você tem que fazer alguma coisa, e se chamam isso que é feito de feminismo e dá resultados, muito melhor”, afirma.

Para a militante, caso perguntem atualmente para as mulheres o que é ser feminista, muitas irão responder que é poder sair para festas ou ter outras preferências sexuais. “E isso não é o feminismo’, afirma. Questionada sobre o que considera como sendo o movimento, Margarita responde que “feminismo é colocar acima de tudo as necessidades, carências e demandas das mulheres”.

Ela ainda destaca que muitas mulheres continuam inseridas dentro de uma cultura machista, algumas vezes por serem criadas nelas e outras para tentar conseguir melhoras por meio dessa estrutura, principalmente quando isso se passa dentro da política. “Muitas vezes, quem está como chefe do meu partido ou emprego é meu amigo, então não vou dizer para ele que ele está errado. Eu quero ser delegada, secretária, ministra. Então eu me calo ou não irei conseguir nada”, explica.

Margarita reforça que as mulheres não devem pedir que as sociedades lhes deem direitos, mas sim lutar para exigir que “se restitua o que por direito corresponde às mulheres e que foi tirado pelos homens”.

 


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