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12 de maio de 2019
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12:24

‘Não diga isto’: estudantes criam página para explicar expressões preconceituosas

Por
Sul 21
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As criadoras do projeto estão realizando uma intervenção artística em Porto Alegre. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Annie Castro

‘Denegrir’, ‘veadagem’, ‘traveco’, ‘da cor do pecado’, ‘judiaria’ e ‘nas coxas’. Quantas vezes você já ouviu ou falou essas expressões sem saber que elas possuem uma carga negativa e que são preconceituosas? Para explicar o significado de palavras e frases que são racistas, lgbtfóbicas, machistas, gordofóbicas e xenofóbicas quatro estudantes da Unisinos criaram a página ‘Não diga isto‘.

O projeto surgiu a partir de uma disciplina que Giulia Godoy, Luiza Soares, Amanda Bormida, Carol Steques cursaram na faculdade de Jornalismo. “Tínhamos que trabalhar um projeto transmídia e queríamos que não fosse só um trabalho para passar na cadeira. Queríamos que fosse algo que a gente vivenciasse no dia a dia”, explica Amanda.

Enquanto debatiam que tema seguir para a criação do projeto, as estudantes lembraram de um trabalho sobre gordofobia que fizeram para outra disciplina, no qual encontraram diversas expressões que são preconceituosas, como olho gordo ou gordice. “Começamos a pensar em várias palavras que nós mesmas usávamos no dia a dia e não sabíamos o que significam. Pensamos que outras pessoas também usam e não sabem qual o real significado desses termos, e o que elas podem despertar em outras pessoas”, conta Giulia.

As estudantes explicam que o principal foco do projeto é gerar conscientização nas pessoas, a fim de que elas se informem sobre palavras e expressões preconceituosas que estão presentes no cotidiano e parem de utilizá-las. “Tem muito ódio gratuito hoje, principalmente na internet. A gente vê muitos casos de racismo, de homofobia. Queremos combater esse tipo de ofensa. O nosso presidente é um cara que ofende todo mundo, então temos que conscientizar sempre. Se eu conscientizar uma pessoa já é ótimo”, afirma Luiza. Ela também pontua que o projeto quer “trocar palavras que ofendem por outras que são totalmente respeitáveis”.

As estudantes Giulia Godoy, Luiza Soares, Carol Steques e Amanda Bormida criaram o projeto para explicar expressões pejorativas. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Pensar em termos que ferem de alguma forma suas identidades pessoais fez com que as meninas tivessem mais motivação para criar a página. Giulia conta que o grupo buscou propor um espaço em que fosse possível falar de diversos temas sociais. “A gente queria falar, por exemplo, de pessoas trans, mas não era o nosso lugar de fala. Pensamos como que a gente ia poder juntar todas as minorias em um único lugar para que elas se encontrassem ali, vissem que não estão sozinhas e pudessem compartilhar o conteúdo com quem usa esses termos”, explica.

As publicações no Instagram são feitas sempre em trincas, ou seja, são publicados ao mesmo tempo três cards coloridos, cada um deles com uma expressão diferente. Os termos também possuem temáticas distintas. ‘Judiar’, ‘gordice’, ‘traveco’ e ‘veadagem’ são algumas das palavras que aparecem nos posts. Também são publicadas frases como ‘Parece autista’, ‘Todo esclerosado’, ‘Deixa de ser mulherzinha’ e ‘Programa de índio’. A explicação sobre o significado dos termos aparece nos textos que acompanham os cards.

Para descobrir qual a história por trás das expressões as estudantes realizam um processo de apuração, que envolve a procura do significado em dicionários, sites e reportagens. A escolha de quais termos serão utilizados acontece conforme as quatro vão lembrando de palavras conhecidas ou recebendo sugestões de seguidores da página. Elas contam que chegam mensagens com a sugestão de palavras pejorativas de outras culturas, que não são comuns no Rio Grande do Sul, como baianada, por exemplo. “Todas as palavras que são pejorativas e que trazem uma carga histórica negativa a gente vai colocar [no perfil]. Não tem como sabermos todas, então a gente pede para as pessoas nos mandarem”, explica Carol.

Amanda complementa que, às vezes, a mesma palavra é sugerida por diferentes pessoas. “Tem palavras que pesam mais. E tem umas que não são tão mencionadas, outras que nós mesmas não víamos um fundo pejorativo, e que as pessoas nos mostraram que na verdade existe”.

A expressão pejorativa ‘Veadagem’ é uma das que aparecem nos cartazes colados em Porto Alegre. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Em cerca de duas semanas desde de sua criação, a página ganhou mais de mil seguidores. As estudantes contam que a visibilidade passou a crescer após um Instagram voltado para temáticas feministas compartilhar uma das publicações do ‘Não diga isto’. “A página compartilhou o card da expressão ‘inveja branca’, e aí as pessoas começaram a dizer que estava errado, que não era pejorativo. Aí ela colocou a definição do dicionário nos stories, super nos defendendo”, lembra Carol. Luiza complementa que, além da divulgação da página feminista, a crescente visualização vem do engajamento de outros perfis em compartilhar o conteúdo publicado por elas.

As criadoras, que não esperavam tamanha alcance para o projeto, contam que passaram a ir dormir felizes todos os dias com o aumento de visibilidade. “Estamos muito felizes com o retorno, mas o que a gente mais quer mesmo é passar essa ideia para as pessoas. Não é o número de seguidores, é o reconhecimento das pessoas e vê-las dispostas a mudar”, afirma Amanda.

Além das publicações no Instagram, as criadoras também estão realizando uma intervenção artística em Porto Alegre. Cartazes com algumas das palavras pejorativas estão sendo colados em muros e paredes nas ruas do bairro Cidade Baixa e nos campus da Unisinos na Capital. As meninas contam que, como o projeto surgiu em uma disciplina, precisaram delimitar regiões para realizar as intervenções, mas que agora a página virou um projeto pessoal e que elas também pretendem colar os cartazes em outros bairros da cidade.


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