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26 de maio de 2019
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12:01

Conheça a aposentada que marca presença nos atos de Porto Alegre com cartazes feitos à mão

Por
Sul 21
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A bibliotecária aposentada Nara Herter Mancuso possui guardado em duas pastas os cartazes que confeccionou para cada um dos atos que participou. Fotos: Carol Ferraz/Sul21

Annie Castro

Um dia após a votação do Senado que culminou no impeachment da então presidenta Dilma Rousseff (PT), a bibliotecária aposentada Nara Herter Mancuso saiu para caminhar nas ruas de Porto Alegre e ver se encontrava algum protesto contrário à decisão e em defesa de Dilma. “Não tinha ninguém. Isso me chocou muito porque eu achei que ia encontrar o povo na rua”, lembra. Ao contar sobre esse dia e sobre a tristeza que sentiu, Nara explica que decidiu descobrir uma forma de fazer algo a respeito desse sentimento. Assim, aos 67 anos, passou a usar seu tempo livre para participar de todos os atos que acontecem em Porto Alegre com pautas que sejam de seu interesse.

As primeiras manifestações que participou foram as que pediam pela saída do ex-presidente Michel Temer. “Fui nos atos de ‘Fora Temer’, ‘Fora Sartori’, ‘Fora Marchezan’. Quando começaram a querer tirar os direitos dos servidores municipais de Porto Alegre, eu fui; quando eles quiseram privatizar as empresas do Estado, eu também fui; quando começaram a querer parcelar os salários no Governo Sartori, eu estava lá”, conta. Em sua casa, Nara guarda em duas pastas os cartazes que confeccionou para cada um dos atos que participou. “Eles [cartazes] formam quase uma linha do tempo das manifestações”, brinca.

Apesar de viver em Porto Alegre desde os sete anos, Nara nasceu em Aquidauana, no Mato Grosso. Tendo pais gaúchos, a família se mudou para o interior do Rio Grande do Sul quando ela tinha seis meses. “Eu me criei aqui, então me considero gaúcha”, afirma. Durante 30 anos, ela trabalhou como bibliotecária do Estado, atuando em espaços como a Biblioteca Pública do Estado do RS (BPE), a Secretaria de Obras, a Secretaria de Educação e em uma escola estadual. Aos 56 anos, se aposentou. “A gente começa a ficar de bobeira quando se aposenta. Primeiro a gente adora, mas depois ficamos de bobeira. No início, eu comecei a fazer algumas coisas de artesanato e agora peguei a militância mesmo”.

Na última semana, Nara recebeu o Sul21 em sua casa. Fotos: Carol Ferraz/Sul21

A aposentada conta que o engajamento com a militância não é algo que a acompanha desde sua juventude: “Quando jovem, eu era bastante alienada, porque naquela época, quando houve o golpe militar, eu era uma piá. Não se falava muito sobre essas questões, principalmente para os filhos não darem com a língua nos dentes e os pais serem prejudicados. Não foi minha juventude de sair pra rua protestar”.

Conforme foi amadurecendo e passou a acompanhar notícias sobre o que acontecia ao redor do mundo, Nara percebeu que era necessário “sair para rua e fazer alguma coisa”. “Acho importante que a gente diga quando não estamos satisfeitos, porque senão parece que estamos achando tudo muito bom. Eu me importo e tô aqui pra dizer que me importo. Tantas pessoas já lutaram antes pela gente, então agora tá na nossa hora de levantar bandeira e participar dos movimentos”, afirma. Para ela, as manifestações são uma forma de fazer com que mais pessoas percebam os retrocessos que acontecem e se juntem à resistência.

Normalmente, Nara vai sozinha aos atos. Vez ou outra, ganha a companhia do marido ou de algum dos cinco filhos. A aposentada conta que marca presença inclusive nas manifestações menos concorridas. “Eu vou porque é mais um que vai. Naquele dia é mais um, no outro são mais dois, mais três. Passa um conhecido, vê que eu vou nas manifestações e na próxima já vem junto também. Isso já chama mais gente”, diz. Para ela, participar dos protestos também é uma forma de estar rodeada por pessoas que compartilham das mesmas lutas. “Às vezes tu está triste com as coisas que estão acontecendo e daí tu vai pra lá e parece que tu pega uma nova energia. A gente conhece gente de tudo que é lugar, é estudante, é aposentado, é gente que tá na ativa e que tá lutando por seus direitos”, explica.

Em janeiro de 2019, Nara participou de ato contra a Reforma da Previdência na Esquina Democrática, em Porto Alegre. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Devido a frequência com que participa dos atos, uma das filhas de Nara a presenteou com uma cadeira de abrir, para que ela pudesse levar e descansar de vez em quando nas manifestações. “Mas eu só levo nas que eu sei que não vai ter marcha, porque senão não consigo carregar caminhando”, conta. Nara descobre os protestos que irão acontecer pelo Facebook ou em alguns sites políticos. “Antigamente eu tinha assinatura de alguns jornais, mas eles foram ficando muito parciais e pararam de noticiar, então eu acabei cancelando”.

Além da militância por temas como direitos dos trabalhadores, acesso à educação, direitos das mulheres e reforma da previdência, há dois anos Nara também participa do grupo Mães pela Diversidade, um movimento formado por mães e pais de pessoas LGBTs que atua em 22 estados do Brasil. “Antes eu militava mais pela política, agora que eu entrei na pauta pelos meus filhos, aí começou minha militância como mãe”, diz.

Cartazes com letras coloridas

Nos protestos em Porto Alegre, Nara é conhecida também pelos cartazes com frases em letras coloridas que usa para protestar. Ao longo dos últimos anos, a aposentada foi fotografada coincidentemente diversas vezes pelos fotógrafos do Su21. “Tem um rapaz que todas às vezes que eu vou num protesto vai lá me dar um abraço. Ele sempre diz que acha muito legal eu estar lá”, exemplifica Nara sobre as pessoas que a conhecem pela participação nos atos. Ela também conta que diversas vezes cruza por alguém na rua e tem certeza que conhece essa pessoa de algum protesto.

Em casa, Nara tem guardados dezenas de cartazes confeccionados em E.V.A e letras coloridas de diversos tamanhos. Frases como ‘Ele não’, ‘Amor cura preconceito’, ‘Lula Livre’, ‘Quero meu salário’, ‘Meu corpo minhas regras’ e ‘Reforma da Previdência não’ indicam a trajetória de Nara nas manifestações. Em uma caixa organizadora, a aposentada armazena as letras menores e alguns utensílios que utiliza na produção dos cartazes.

“No início eu comprava as letrinhas de E.V.A e fazia, mas dai comecei a usá-las como molde e comprar as placas de E.V.A e fazer de outros tamanhos”, conta Nara. Ela explica que a escolha da frase que irá no cartaz depende da mensagem que ela quer passar. “Fico pensando o que pode tocar as pessoas sobre o tema”, diz. Segundo Nara, é preciso colocar algo curto capaz de chamar a atenção de quem passa por ela na marcha.

“Fico pensando o que pode tocar as pessoas sobre o tema”, explica Nara sobre que frases usar nos cartazes. Fotos: Carol Ferraz/Sul21

Para não cansar segurando os cartazes, Nara utiliza pedaços de cabos de rodos de limpeza para criar um suporte. De acordo com ela, o tempo de produção varia entre uma hora e uma tarde, dependendo do trabalho que será necessário. Além dos cartazes, a aposentada também diz que está sempre com botons que indicam sua militância. “Um dos meus filhos confecciona botons e daí eu estou sempre fazendo encomendas pra ele”. Nara lembra que o primeiro boton que usou foi um com a frase ‘Fora Temer’, que escreveu manualmente e pediu para o filho transformar em boton. Mesmo quando não está participando de algum protesto, conta que está sempre com os adereços. “Se eu saio sem, parece que estou sem roupa”.

Confira abaixo mais fotos: 

Foto: Carol Ferraz/Sul21
Foto: Carol Ferraz/Sul21
Fotos: Carol Ferraz/Sul21
Foto: Carol Ferraz/Sul21
Em março de 2017, Nara participou de ato contra a Reforma da Previdência. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Em maio de 2017, Nara esteve em um protesto que pedia a saída do ex-presidente Michel Temer. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Em janeiro de 2018, Nara participou de ato contra a Reforma da Previdência em Porto Alegre. Foto: Guilherme Santos/Sul21

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