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4 de maio de 2019
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18:13

Bloqueio de verbas deve retirar mais de R$ 215 milhões de instituições federais do RS

Por
Luís Gomes
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Luís Eduardo Gomes

Foi divulgada nesta semana a notícia de que todas as universidades e os institutos federais do País foram atingidos por cortes de 30% em suas verbas para custeio e investimentos. Em contato com a reportagem ou por meio de nota, as instituições federais de ensino do Rio Grande do Sul alertam que o bloqueio de recursos inviabilizará o pagamento de serviços básicos, como luz e água, e colocará em risco até mesmo a realização de aulas a partir do segundo semestre deste ano.

Os cortes nos orçamentos das universidades* e institutos federais decorrem do decreto 9.741, de 29 de março, que contingenciou R$ 5,839 bilhões dos recursos do Ministério da Educação (MEC). No início desta semana, chegou a ser noticiado que universidades federais da Bahia (UFBA), de Brasília (UNB) e do Rio de Janeiro (UFF) seriam atingidas por um bloqueio de 30% nas suas verbas de custeio e capital — todas aquelas que não se referem ao pagamento de pessoal concursado — em razão de promoverem o que o ministro Abraham Weintraub classificou como “balbúrdia”. Contudo, posteriormente foi esclarecido que os cortes atingem todas as instituições federais.

O orçamento somado das seis universidades federais em atividade do Rio Grande do Sul para 2019 era de R$ 536.836.318,00. O bloqueio, se confirmado, irá retirar R$ 176.647.477,00 do orçamento das instituições. Se somarmos os orçamentos do IFRS e do IFSul, o total chega a R$ 648.481.391,00, com os cortes somando R$ 215.215.773,00 — a reportagem não obteve os dados nominais dos valores bloqueados do IFFar. Na média, o MEC irá contingenciar 33% dos recursos das entidades. Confira no gráfico abaixo, elaborado a partir de dados disponibilizados pelas próprias instituições federais, quanto elas tinham de recursos previstos em orçamento de custeio e capital para 2019 e o impacto do bloqueio em cada uma delas. 

Em conversa com a reportagem, o reitor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), Júlio Xandro Heck, disse que os recursos disponíveis no momento só permitem o pagamento de contratos em vigor de serviços de limpeza, segurança e manutenção básica da estrutura da instituição. Contudo, diz que a previsão é que ainda assim seja suficiente apenas até o mês de setembro. Ele se reuniu na tarde de sexta-feira (3) com os diretores dos 17 campi do IFRS para avaliar os efeitos dos cortes orçamentários. No encontro, foi decidido o cancelamento de todos os eventos institucionais programados, com a manutenção apenas daqueles para os quais verbas já haviam sido alocadas. A decisão afeta a capacitação de servidores e atividades como os jogos estudantis, que estava prevista para envolver mais de 600 estudantes no mês de julho e deixará de ser realizada. “A gente tomou algumas decisões imediatas. Cancelamos novos empenhos que seriam feitos na semana que vem”, diz o reitor. Ficou decidido também que cada diretor de campus irá fazer uma avaliação no orçamento de como os cortes deverão afetar cada unidade.

Reitora da FURG, Cleuza Maria Sobral Dias | Foto: Divulgação

Reitora da Universidade Federal de Rio Grande (FURG), Cleuza Maria Sobral Dias, afirma que o corte de 36% no orçamento de custeio da instituição foi realizado em um cenário no qual o orçamento para 2019 já não conseguiria atender a todas as demandas previstas para o ano. “Nós já vínhamos, no mês de abril, estudando a redução de serviços, como limpeza, vigilância, portaria, a própria manutenção predial, entre outros, para que nós pudéssemos cumprir todos os compromissos financeiros. Com este bloqueio de 36% muitas atividades da universidade vão ficar comprometidas sem dúvida nenhuma”, diz.

Ela destaca também que o corte de 30% no orçamento de capital vai atingir obras que já estão em andamento na universidade, além de inviabilizar atividades de ensino, pesquisa e extensão que dependiam desses recursos. Dias lamenta o fato de que os cortes ocorrem no ano em que a universidade completa seu cinquentenário, o que poderia estimular o desenvolvimento da instituição. “A FURG está vivendo o ano do seu cinquentenário, com grande potencial de desenvolvimento. Uma universidade que tem um impacto muito grande no desenvolvimento local e regional, com uma contribuição significativa, por exemplo, nas ações do porto, na atividade pesqueira do município, formação de professores e várias outras ações. E esse bloqueio no orçamento compromete, não temos dúvida nenhuma que compromete. Então, vamos rever, vamos replanejar”, afirma.

Em um desabafo nas redes sociais, o reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Pedro Hallal, disse que é inadmissível o que considerou ser um ataque do governo federal e do Ministério da Educação (MEC) às universidades públicas. “As universidades federais são um patrimônio da sociedade brasileira. Elas são responsáveis por 90% da produção científica do país, mesmo contando com apenas 20% dos alunos de ensino superior do Brasil. (…) O governo federal tenta distorcer a realidade do que ocorre nas universidades federais, numa tentativa desesperada de jogar a população brasileira contra suas universidades”, disse.

Ele ainda convidou o ministro da Educação, Abraham Weintraub, a conhecer o trabalho feito pela UFPEL. “Venha assistir as aulas que fazem com que nossos 96 cursos de graduação venham sendo avaliados com notas 4 ou 5 em todas as avaliações do MEC. Venha conhecer as quatro unidades básicas de saúde administradas pela UFPel em Pelotas. Venha conhecer o único hospital 100% SUS da cidade. Venha visitar centenas de projetos de extensão, que aproximam a comunidade da UFPel. Venha almoçar no nosso RU, andar no nosso transporte de apoio, conhecer a nossa moradia estudantil. Certamente, o Sr. notará que o nosso cotidiano não é de balbúrdia”.

Heck, do IFRS, destaca que, diante do cenário de inviabilização, as instituições federais não podem simplesmente aceitar os cortes orçamentários. “A nossa reação é de não aceitar passivamente esses cortes. Estamos fazendo todo o movimento político de convencimento da sociedade e dos governantes para que seja revertido. Por mais que a gente faça todos os cortes possíveis, eles tornam impossível a gestão do instituto até o final do ano. Não tem como manter. Certamente haverá prejuízos imediatos, de médio e de longo prazo”, diz o reitor, destacando ainda que as aulas não estão ameaçadas, por enquanto, mas que poderão estar no segundo semestre.

Uma paralisação nacional da educação está sendo convocada por estudantes, professores e servidores das universidades públicas para o próximo dia 15 de maio .

Instituições inviabilizadas

As demais instituições federais do Rio Grande do Sul também se manifestaram a respeito dos cortes por meio de comunicados. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) destaca que o bloqueio irá inviabilizar pagamentos de despesas básicas, como “energia elétrica, água, telecomunicações, serviços de terceiros variados, como segurança, limpeza, incluindo laboratorial e hospitalar, bem como suporte a atividades de pesquisa e ensino, nos casos em que se é necessário usar laboratórios com reagentes e insumos, animais de experimento, entre outras despesas”.

Reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Paulo Afonso Burmann | Foto: Divulgação

A reitoria da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) afirma que, após o bloqueio, o orçamento da instituição foi reduzido a R$ 96,9 milhões, o menor valor desde 2010. A UFSM diz que medidas de contenção de despesas já foram tomadas e que, por enquanto, não há interrupção das atividades básicas, mas alerta para o risco de que isso possa acontecer. “O contingenciamento soma-se a uma série de outras medidas que vêm impactando e comprometendo o funcionamento das universidades públicas do país, afetando de forma drástica suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Diante deste cenário de cortes, espera-se que haja uma reversão, em nome do bom senso e do compromisso para com a educação e a ciência brasileiras. Caso contrário, a UFSM corre sério risco de passar a não conseguir cumprir seus contratos a partir do mês de setembro”, diz nota da universidade.

A Universidade Federal do Pampa (Unipampa), instituição de ensino federal mais jovem do Estado, com 15 mil alunos em unidades espalhadas por 10 cidades, também destaca que já vinha enfrentando dificuldades para manter seus serviços, o patrimônio público, a segurança institucional e a necessidade permanente de atualização através do investimento. “A situação se torna extremamente preocupante à Unipampa, uma vez que muitas estruturas e serviços estão sendo implantados, por se tratar de uma instituição jovem, e a diminuição de sua capacidade de crescimento afronta o interesse social”, disse a instituição em nota pública.

Unipampa é a universidade federal gaúcha mais recente | Foto: Divulgação

A Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) diz que a instituição conta hoje com apenas R$ 150 mil liberados para a compara de equipamentos, o que representa um contingenciamento de 90% do valor previsto em orçamento para 2019. Em 2015, o orçamento para a aquisição de equipamentos e bens de capital foi de R$ 20 milhões. Além desses cortes, a UFCSPA destacou em nota que não há recursos suficientes para honrar compromissos com fornecedores. “Os repasses financeiros realizados pelo governo no início de cada mês estão atingindo somente 60% do dinheiro necessário para cobrir todas as despesas, ficando o restante (40%) para o meio do mês. Isso faz com que a universidade tenha que atrasar pagamentos de fornecedores, prejudicando, inclusive, contratos de mão-de-obra terceirizada, situação bastante grave”, diz nota da universidade.

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFSul) afirma que o bloqueio de 37,1% no orçamento de custeio e de 62,4% nas verbas para investimento irá afetar a qualidade de ensino oferecida na instituição. “De forma concreta, os cortes afetarão a oferta de bolsas em projetos de ensino, pesquisa e extensão, além de visitas técnicas e estágios, a continuidade de obras nos campus, a aquisição de laboratórios e equipamentos e todos os serviços terceirizados. Esta situação se agrava por estarmos ainda em processo de implantação de 11 dos 14 campus e necessitarmos de manutenção e atualização nos demais campus já estabelecidos”, diz nota da instituição.

O Instituto Federal Farroupilha (IFFar)**, que atende a cerca de 15 mil alunos em 15 cidades do Rio Grande do Sul, informa que 75% do orçamento do instituto é consumido por despesas fixas e que o corte de 30% irá inviabilizar o cumprimento de despesas básicas a partir do segundo semestres. Diante deste cenário, destaca que está se juntando a outras 40 instituições que compõem a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica está mobilizado na tentativa de reverter esta situação para discutir os cortes com representantes do governo federal entre os dias 7 e 10 de maio, em Brasília, incluindo uma reunião marcada com o ministro da Educação. “Também está sendo mobilizada uma potente ação junto à bancada gaúcha no Congresso Nacional nos próximos dias, buscando apoio parlamentar para que o Poder Executivo Federal retroceda na decisão de realizar mais este corte no orçamento das universidades e institutos federais”, disse a instituição em nota.

*A Universidade Federal da Fronteira do Sul (UFFS) tem campi no RS, mas a reportagem não encontrou dados exclusivos do Estado
**A reportagem não conseguiu obter os dados nominais do IFFar para compor o gráfico


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