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2 de abril de 2019
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19:30

‘Objetificação da pobreza’: Liminar supende acordo que oferta à adolescentes contraceptivo da Bayer rejeitado pelo SUS

Por
Sul 21
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Bayer não conseguiu aprovar o SIU-LNG na Conitec.  Foto: Divulgação

Giovana Fleck

Em junho de 2018, o Ministério Público, o Município de Porto Alegre, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas e a Bayer S/A assinaram um Termo de Cooperação para acesso das adolescentes inseridas em programa de acolhimento institucional às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo introduzidas pela Lei 13.527/16. Na prática, jovens abrigadas entre 15 e 19 anos teriam acesso ao SIU-LNG, sistema intra-uterino que libera, de forma gradual, o hormônio levonorgestrel que impede a gravidez.

Em reportagem publicada pelo Sul21 em julho, membros do Conselho Municipal da Saúde denunciaram a oferta do SIU. Anos antes, ele foi reprovado pelo conselho que avalia a entrada de medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS), a Conitec.

Por conta disso, em setembro do mesmo ano, foi protocolada uma ação civil pública pedindo a suspensão imediata do Termo de Cooperação. O documento é de autoria da Defensoria Pública da União, da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e da ONG Themis.

Esta semana, o juiz convocado Artur César de Souza, do TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) julgou o processo. Com urgência, pediu para que o Termo fosse suspenso. Segundo a decisão, o juiz concluiu que houve inexistência de “verossimilhança a amparar o pedido liminar de suspensão dos efeitos do Termo de Cooperação”, além de omissões relevantes quanto ao acompanhamento ginecológico regular. “Não havia nenhuma garantia de que os profissionais nos postos de saúde fossem ser instruídos a retirar o dispositivo”, aponta o defensor público estadual Rodolfo Lorea Malhão.

Além disso, o juiz destaca que o método não foi incorporado pelo SUS e não recomendado pela Conitec e a inconstitucionalidade e ilegalidade do Termo de Cooperação.

O Ministério Público não tem atribuição de incorporação de tecnologias ao SUS. Igualmente, não tem atribuição para criar e implantar política pública de saúde. Todavia, o Termo de Cooperação firmado por iniciativa do parquet estadual concretiza uma ação de saúde específica, destinada a grupo social (crianças e adolescentes) cujo zelo está entre as atribuições do órgão ministerial. Não se trata de incorporação de tecnologia ao SUS ou de proposição de política pública de saúde dentro do sistema único nos termos em que definido no artigo 198 da Constituição.

Decisão do juiz Artur César de Souza.

Há, ainda, a elucidação de que o Termo viola os direitos fundamentais das mulheres e a necessidade de uma política pública integral de promoção da saúde sexual; sendo reconhecido pelo juiz como uma forma de fazer com que a meninas abrigadas sirvam “para testar o método, em prestígio dos interesses da indústria farmacêutica”. Segundo a decisão, isso também acarreta discriminação e preconceito de gênero social, uma vez que “com a justificativa de proteger as adolescentes acolhidas da situação de gravidez precoce, as instituições que firmaram o termo pretendem submetê-las ao procedimento de inserção do SIU, desconsiderando não haver provas da superioridade desse método, como tampouco de sua adequação para adolescentes”.

Assim, o juiz encaminha sua sentença afirmando que, para além dos motivos já apresentados, apesar de a Bayer fornecer o dispositivo, todo o trabalho de inserção, acompanhamento e retirada ficaria à cargo do Município. Além de custos financeiros, a empresa farmacêutica não poderia ser responsabilizada por qualquer problema envolvendo a colocação.

Com urgência, a decisão liminar determinou que o Termo de Cooperação fosse suspenso. Todas as partes do processo foram intimadas.

“Objetificação da pobreza”

O defensor Rodolfo Lorea Malhão afirma que o acordo feria diretamente o direito de ir e vir das adolescentes, a partir do momento em que elas estariam reféns do sistema de saúde municipal para ter acompanhamento ginecológico e, futuramente, retirar o SIU – que tem validade de até cinco anos.

“É importante frisar que o contraceptivo não pode ser reconhecido como um ‘presente’. São meninas pobres, em situação de vulnerabilidade sim. Mas não é por falta de recursos que elas têm que se submeter a algo que não precisam. Não é uma questão de dinheiro. É a objetificação da pobreza”, afirma.

O mérito da decisão ainda deverá ser julgado pela 6ª Turma do TRF-4. No entanto, ainda não há data definida.


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