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27 de abril de 2019
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13:59

No Morro da Cruz, coletivo oferece música, esporte e edução para crianças e adolescentes

Por
Sul 21
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Projeto oferece oficinas de capoeira, hip hop e poesia, percussão e música, artesanato, dança e aulas de reforço. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Annie Castro

Na Travessa 25 de julho, em Porto Alegre, uma associação comunitária, uma ONG, um atelier e um coletivo dividem o mesmo terreno, onde desempenham atividades sociais voltadas para a comunidade local. O Coletivo Autônomo Morro da Cruz, que em breve virará uma ONG, é o mais recente a ocupar o espaço. Apesar de ter sido criado oficialmente em julho de 2018, foi no início deste ano que passou a ter o atual formato, com atividades que atendem cerca de 40 crianças e adolescentes por dia.

“A ideia começou há três anos com a criação da escola que acontece aqui nos sábados. Estávamos no Beco das Pedras, onde faríamos um mutirão para construir uma escadaria. Era aquela confusão de crianças, e uma menina começou a levar papel e lápis. Eles começaram a chamar de escolinha e aquilo foi crescendo, até que resolvemos construir esse espaço”, conta a antropóloga Lucia Mury Scalco, que há mais de dez anos acompanha os projetos que acontecem no Morro da Cruz.

A relação de Lúcia com a comunidade começou durante seu doutorado, em 2007, quando estudou quais mudanças aconteciam com as famílias quando elas tinham acesso ao computador. O Morro da Cruz foi um dos pontos onde Lúcia atuou enquanto antropóloga para a pesquisa e, desde então, manteve uma relação com os moradores locais. “Por uma questão ética eu acho chato quando as pessoas vão aos locais, só pegam informação e vão embora”, afirma Lúcia. Na época, ela conheceu Juliana da Silva, 26 anos, e Eduardo Rafael Santos, 30 anos, que hoje atuam na coordenação do Coletivo, integrando a equipe de cerca de 15 monitores que participam do projeto.

Quando Lúcia começou a frequentar a comunidade, existia somente a Associação Comunitária do Morro da Cruz no terreno na Travessa 25 de julho. “O prédio já estava bastante demolido e em risco. Conseguimos doações, fizemos uma reforma, aí virou um espaço para festas, mas era ruim para ter projetos”, conta. Ela lembra que a área onde hoje existe o Atelier da Cruz, a Ong CIUPOA e o Coletivo era um espaço em más condições, que não era ocupado por ninguém. “Colocamos tudo abaixo, eu e a senhora responsável pela CIUPOA. Começamos a organizar o lugar, ela construiu a sede dela e bem depois eu fiz a nossa”, lembra.

A antropóloga Lúcia acompanha a comunidade do Morro da Cruz há mais de dez anos. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Música, esportes e educação

A decisão de criar o Coletivo surgiu a partir da realidade da escolinha nos sábados. “A escola foi nos mostrando novas necessidades dos jovens que a gente poderia atender. Percebemos que muitos não sabiam escrever, ler, e então resolvemos fazer oficinas em várias áreas”, conta Lúcia. Atualmente, o projeto oferece oficinas de capoeira, hip hop e poesia, percussão e música, artesanato, dança, além de aulas de reforço. De segunda a sexta-feira, cada dia da semana é dedicado a uma dessas atividades. As oficinas são divididas em quatro turmas, duas no turno da manhã, das 8h às 10h e das 10h às 12h, e duas durante a tarde, das 13h30 até 15h30 e das 15h30 até 17h30. Nos sábados, a escolinha acontece das 9h30 até às 12h30min e atende desde crianças com 2 anos de idade até jovens com 14.

De acordo com Juliana, que participa do projeto desde o início, cada atividade tem um instrutor responsável por todas as turmas durante o dia determinado para a área que ele atua. Quando algum professor falta, Juliana fica responsável pelas turmas da tarde, turno em que sempre está no Coletivo. “Quando precisa eu entro com esporte e dou aulas de futebol, fazemos jogos, levo bicicleta, patinete. É algo mais livre mesmo, depende do que eles querem fazer”, explica Juliana. Se a falta de professor acontecer durante a manhã, o coordenador Eduardo é quem assume a aula com atividades envolvendo grafite.

Segundo Eduardo, as oficinas ajudam as crianças a descobrirem habilidades próprias que antes não conheciam: “Tem um pessoal muito bom surgindo daqui, nas oficinas de rap, por exemplo, as meninas fazem rima na hora, coisas que elas nem sabiam que faziam e agora estão se descobrindo aqui. O mesmo na capoeira, o pessoal está aprendendo a se defender”.

Juliana é da coordenação do Coletivo e participa dele desde a criação do projeto. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Quando o Sul21 visitou a sede do Coletivo, na última quarta-feira (24), era dia da oficina de música e percussão. No interior da peça, as paredes são forrada com caixas de leite, resultado de uma parceria com o projeto Brasil Sem Frestas. Ali, sete meninas e quatro meninos acompanhavam com atenção as instruções do professor Fernando Bauer. Para ele, as aulas que ministra servem para trabalhar com as crianças diversos fatores, como coordenação motora, respeito, disciplina e postura.

“Eu costumo falar que o Paulo Freire diz que a educação muda as pessoas e as pessoas mudam o mundo, mas que eu acho que a música muda as pessoas e as pessoas mudam o mundo. E é essa ideia que eu tento trazer aqui pro coletivo, de que as crianças possam perceber que elas são capazes de fazer algo diferente, mostrar que existe também a música, a capoeira, o hip hop, para que não só a criminalidade seja algo atrativo para elas”, afirma.

De acordo com Eduardo, existem certos pré-requisitos que os jovens precisam cumprir para participar das oficinas. Um deles é que as crianças e os adolescentes precisam ter uma alta frequência no colégio. “Como temos uma parceria com as escolas, é possível fazer esse controle de ver se eles estão indo na aula, se estão bem nas matérias. Se estiverem mal, avisamos que eles podem ser encaminhados pra nossa aula de reforço, aí as escolas nos mandam as demandas deles e os alunos que estão precisando dessa ajuda”, explica Eduardo. Ele pontua também que o projeto sempre tenta fortalecer o vínculo do aluno com o colégio, como, por exemplo, sugerindo que nas oficinas de artesanato as crianças produzam materiais que podem utilizar na escola, como capas de cadernos e lápis enfeitados.

Outro ponto é a necessidade de um vínculo entre o Coletivo e o familiar responsável pela criança ou adolescente. Eduardo explica que os monitores diariamente avisam os responsáveis se o jovem já chegou ao Coletivo, se está demorando ou caso não apareça no dia. Ainda, são enviadas fotos das atividades realizadas. “O ideal do coletivo é que a gente não se limite só às oficinas. Precisamos que a família se proponha a, às vezes, estar aqui com os filhos, que eles entendam que não é só vir aqui reclamar dos filhos, mas que possam estar aqui para uma aula com eles”, afirma Eduardo.

Na ficha de inscrição existem duas perguntas: “Qual o seu sonho para o futuro?” e “Como você se imagina dentro desse sonho daqui a dez anos?”. De acordo com Eduardo, as respostas são uma forma de entender os jovens e o que passa na cabeça deles nesse momento, além de um meio para saber como é possível ajudá-los na realização desse sonho.

“O ideal do coletivo é que a gente não se limite só as oficinas”, afirma o coordenador Eduardo. Foto: Guilherme Santos/Sul21

O futuro do Coletivo

Como o Coletivo sobrevive financeiramente por meio de doações, os responsáveis decidiram transformá-lo em uma ONG, a fim de viabilizar projetos que resultem em algum retorno financeiro. “A ideia de criar uma ONG surgiu por essa necessidade de conseguir mais dinheiro para as atividades, já fizemos todo o estatuto e quais são os nossos objetivos. Estamos esperando toda a questão burocrática agora”, explica Lúcia.

De acordo com os integrantes do projeto, ainda há pouca integração da comunidade com o Coletivo. Para Juliana, isso é algo que irá mudar com o tempo. “Eles estão vendo o que está acontecendo e então vão começar a interagir mais com a gente”, afirma. Lúcia reforça que, embora o Coletivo atue diretamente com os jovens, a família é a “filosofia que atua como um fio condutor” do projeto. “Não é aquela família tradicional, é qualquer família. E a partir disso queremos ajudar não só as crianças ou pais, queremos integrar todo mundo da comunidade”, diz a antropóloga.

Além da criação da ONG, o grupo também planeja formas de chamar mais atenção das pessoas e de tornar a doação algo mais atrativo. “Nós tivemos a ideia de pedir uma doação financeira e dar de volta alguma coisa em troca porque não é esmola, queremos mostrar o nosso trabalho”, afirma Lúcia. Ela conta que o Coletivo está trabalhando no primeiro presente para quem doar. Ele será feito com o uso de retalhos de jeans, que virarão uma bolsa pequena, e com dicas que o grupo recebeu da Odontologia da PUCRS. “Eles nos ensinaram a fazer fio dental com saco de cebola, e agora estamos fazendo os protótipos. Aí a pessoa contribui com algum valor e vamos dar isso de volta”, conta.

O Coletivo também planeja arrecadar dinheiro para realizar melhorias em uma das quadras de esportes que ficam perto da sede. A ideia é colocar um teto solar e um forno solar para que as pessoas da comunidade possam utilizar o fogo para cozinhar quando estiverem sem gás.

Para Eduardo, a expectativa futura é de que o projeto consiga aumentar sua sede e receber mais alunos. “Queremos poder agregar mais a comunidade aqui dentro com as atividades, que as mães e os pais confiem em deixar os filhos com a gente e que sejamos uma referência para eles”, afirma.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Foto: Guilherme Santos/Sul21

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