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17 de março de 2019
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12:29

Mulheres na guerra: exposição retrata as soldaderas que lutaram na Revolução Mexicana

Por
Sul 21
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Exposição da artista Cinthya Verri, ‘Adelitas’, evoca as soldaderas da Revolução Mexicana. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Annie Castro

Nascida em Constantina, no interior do Rio Grande do Sul, a artista visual, médica e escritora Cinthya Verri passou sua infância vestindo-se de prenda, um costume entre as meninas da região. Enquanto ela usava vestidos compridos e cheios de armações por baixo, seus irmãos ganhavam arminhas de brinquedo. “Eu queria atirar com eles e não podia porque prendas não atiravam”, conta. Anos mais tarde, foi a lembrança desse desejo de criança que fez com que uma foto em preto e branco na internet chamasse a atenção de Cinthya. Na imagem, prendas seguravam armas em punho. Ao pesquisar sobre a fotografia, ela descobriu que, na verdade, tratava-se das “Soldaderas”, as mulheres que lutaram na Revolução Mexicana no início do século 20. Essa descoberta gerou as obras que compõem a exposição “Adelitas”, que acontece até dia 28 de abril no Memorial do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.

Conforme Cinthya foi conhecendo as histórias das soldaderas, ela passou a retratar essas mulheres em pinturas feitas em panos, como tecidos de cetim, e em quadros de vidros. “Eu estudei todas as biografias com nome que eu encontrei e daí eu fui produzindo conforme ia estudando. Essas histórias vão me tocando e aí eu vou me expressando” relata. Cinthya, que nunca havia trabalhado com a cultura mexicana antes, conta que pesquisar sobre essas histórias fez com que ela passasse também a estudar sobre a Mesoamérica, os povos mesoamericanos e suas línguas e deuses.

Cinthya retratou todas as mulheres cuja biografia encontrou. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Em um artigo acadêmico, intitulado ‘Las Soldaderas: Mulheres na Revolução Mexicana de 1910’, Marcela de Castro Tosi aponta que “nas cidades, no campo, nas fábricas, as mulheres foram parte essencial” na revolução no México, que teve início como uma revolta popular à ditadura de Porfírio Díaz. Segundo Marcela, Porfírio gerou no país o desenvolvimento econômico por meio da modernização, mas fez com que camadas mais populares sofressem “com as intervenções políticas e econômicas” e que pequenos agricultores e povos indígenas tiveram suas terras expropriadas. Assim, as mulheres que participaram da luta operária eram majoritariamente “anônimas, campesinas, mestiças e indígenas”, de acordo com Marcela, que aponta ainda que algumas mulheres pertencentes às classes mais altas também lutaram na guerra.

Em quatro salas no segundo piso do Memorial, muitas dessas mulheres aparecem em diferentes cenas de atuação, como na enfermaria, conhecida como Cruz Branca Neutral, nos trilhos de trens e nas trincheiras. Algumas pinturas mostram apenas o retrato de alguma delas, como é o caso do coronel Amelio Robles Ávila, o primeiro homem transsexual no México que foi reconhecido institucionalmente.

Cinthya costuma trabalhar apenas acerca do universo feminino em sua arte. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Em uma das paredes da primeira peça onde a mostra está, duas pinturas em tecidos vermelhos mostram dois semblantes diferentes. A primeira delas é a releitura de uma fotografia que possui uma história com duas diferentes versões. De acordo com Cinthya, a mulher retratada ali é Carmem Amélia Robles, que numa das versões seria uma tenente e a única afrodescendente no cargo, e em outra seria Amélia Robles Ávila antes de se tornar um homem trans. Na segunda pintura, há um retrato de Amélio Robles já como coronel. “É isso que acontece com histórias antigas, tem que estudar, tem versões perdidas. Eu trago todas as versões que eu encontro”, afirma Cinthya. De acordo com a artista, a história de Amélio é uma das suas prediletas.

Além das pinturas penduradas nas paredes ou no teto, a exposição também conta com o “Altar de Los Muertos”, que traz fotografias de alguns homens importantes na revolução, como Pancho Villa e Emiliano Zapatta, espalhadas em cima de um pano roxo estendido em forma de um altar no centro da sala. Em outra peça, há também símbolos da história mexicana e da Mesoamérica, como caveiras, feitas de mosaicos de vidro. “Tudo no México é assim, tu está em prédio e tem uma referência ao deus da chuva, por exemplo. Tem o tempo todo essas referências em todos os lugares. Eles nunca se colonizaram lá. Na frente da catedral da cidade, eles ficam ficam três quatro horas dançando a céu apino enquanto a missa está acontecendo lá dentro. Então, se tu vai falar de alguma coisa do México, tem que ter alguma referência à história mesoamericana”, conta a artista.

Outro elemento que compõe a exposição é um vídeo que mostra flashes de um fósforo sendo aceso e de uma mulher com um fogo em seus braços. Enquanto essas cenas aparecendo, um som alto de brasa queimando invade a sala. A criação audiovisual faz referência a um episódio onde o revolucionário Pancho Villa teria ateado fogo em 60 soldaderas. De acordo com Cinthya, o vídeo serve para gerar uma comoção em quem visitar a mostra: “Pode ser que eu consiga sensibilizar uma gama maior de pessoas. Se ela não se identifica pelas pinturas, ela se identifica por ali”, conta. Além do vídeo, há também 12 cabeças em tamanho natural, criadas com parafina e areia e a partir de moldes feitos em mulheres voluntárias. Quando Cinthya conseguir produzir 60 cabeças, irá queimá-las em um altar asteca durante a performance intitulada “Mujeres Ardientes”.

Segundo a artista, a mostra não serve apenas para contar a história das mulheres que lutaram na Revolução Mexicana, mas também para que as pessoas possam aprender mais sobre a história da mesoamérica. “O Brasil com esse problema de identidade, em que a gente não sabe que é latino-americano, acaba esquecendo. Mas toda a história da Mesoamérica não é muito diferente do que foi aqui, só que lá tá mais conservado. Então aprender sobre isso é aprender sobre toda a América Latina também”, afirma Cinthya.

Veja mais fotos da exposição “Adelitas”: 

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

 


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