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20 de março de 2019
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20:30

Mineração de fosfato em Lavras do Sul: Comitê relata violações de direitos ao MP Federal

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Sul 21
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Vivem na região 57 comunidades quilombolas, além de povos indígenas, pescadores artesanais, pecuaristas familiares e comunidades de pomeranos, ciganos, benzedeiras e povo de terreiro. (Foto: Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa)

Marco Weissheimer (*)

Mais um projeto de mineração, previsto para ser instalado no Rio Grande do Sul, está sendo questionado por comunidades que serão atingidas por seus impactos, caso entrem em funcionamento. O Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, juntamente com a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), entregou ao Ministério Público Federal um dossiê intitulado “Manifesto sobre violações de direitos provocadas pela mineração no Brasil e como se reproduz no projeto Fosfato Três Estradas (RS)”. O projeto Três Estradas, da empresa Águia Metais, associada à mineradora australiana Águia Resources Limited, prevê a extração de fosfato a céu aberto em Lavras do Sul, por meio de práticas de perfuração e detonação.

Segundo a empresa, o projeto pretende “extrair, beneficiar e comercializar o minério de fosfato para produção de matéria prima para a indústria de fertilizantes e de corretivo agrícola”. O tempo previsto de vida útil da mina será de 15,5 anos, com possibilidade de ampliação para 22 anos. Após ser extraído na região, o fosfato concentrado será levado por caminhões até Rio Grande, onde será processado em uma planta industrial próxima ao porto. Segundo a empresa, o fosfato produzido abastecerá fundamentalmente o mercado local do sul do país.

A mineração de fosfato será realizada a céu aberto, com cavas, barragem de rejeitos e captação de água de arroio para o processamento do minério. Mesmo com a intenção de reduzir a área da barragem de rejeitos, manifestada pela empresa, ela pode envolver uma área equivalente a 278 estádios de futebol, conforme assinalam os pesquisadores Marcilio Machado Morais (doutor em Engenharia Química) e Vanessa Rosseto (Mestre em Ecologia) em um estudo intitulado “Reflexões sobre a Mineração em Três Estradas, Lavras do Sul, RS”.

Uma região de povos e comunidades tradicionais

O Comitê de Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa é composto por representantes de diferentes identidades e regiões do bioma, reunindo integrantes de comunidades quilombolas, pescadores artesanais, povo pomerano, povo cigano, povo de Terreiro e pecuaristas familiares. Encaminhado em dezembro de 2018 ao MP Federal, o documento do Comitê manifesta preocupação com “a falta de transparência, de participação social efetiva e de consultas junto às comunidades tradicionais da região, conforme determina a OIT 169” (Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, sobre Povos Indígenas e Tribais em Estados Independentes). Em janeiro de 2018, o Comitê entregou outro documento ao MPF, desta vez sobre o projeto Caçapava do Sul, que pretende minerar chumbo, cobre e zinco na parte alta da bacia do rio Camaquã.

Leia também: Entidades pedem audiência pública em Porto Alegre para debater impactos de mineração de carvão às margens do Jacuí

Além de apontar riscos e impactos sociais e ambientais relativos a esses projetos, os documentos entregues ao Ministério Público criticam, de modo mais amplo, os planos e políticas na área da mineração que vêm sendo construídos pelas empresas associadas aos governos, sem participação da sociedade civil. O Comitê cita como exemplo o Plano Energético do Estado do RS para o período de 2016-2025, o Plano Estadual de Mineração-RS e a Política Estadual do Carvão Mineral e instituição do Polo Carboquímico do RS (Lei 15.047 de 2017).

O EIA-RIMA do Projeto Fosfato Três Estradas, assinala ainda o Comitê, “desconsiderou totalmente a presença de Povos e Comunidades Tradicionais, de assentamentos da reforma agrária e de comunidades urbanas e rurais da região, e daquelas que vivem ou dependem dos recursos hídricos ao longo das Bacias dos rios Santa Maria, Camaquã e Negro e ao longo dos rios a jusante, como o rio Ibicuí”. Além disso, acrescenta, a região pretendida para instalação do projeto está localizada na cabeceira do rio Santa Maria, e fica há cerca de 10 km das cabeceiras do rio Camaquã. Segundo o documento, “a definição das áreas de impacto no EIA-RIMA desconsiderou as dinâmicas ecológicas, hídricas e socioculturais desta biorregião”.

O dossiê entregue ao MP detalha ainda o universo de municípios e comunidades que poderiam sofrer impactos do projeto de mineração. Ao todo, seriam 33 municípios, que possuem 31 áreas de povos indígenas, 57 comunidades quilombolas, 22 coletivos de pescadoras e pescadores artesanais, mais de 500 famílias de pecuaristas familiares, mais de 60 mil domicílios autodeclarados de Povos Tradicionais de Matriz Africana (Povo de Terreiro), mais de 2 mil pessoas autodeclaradas do Povo Pomerano, benzedeiras e benzedores, além de rotas de passagem do povo cigano. A região também possui 124 assentamentos de Reforma Agrária, com mais de 4 mil famílias.

Na avaliação do Comitê, os direitos dessas comunidades “não estão sendo observados, conforme determina a Constituição Federal de 1988, o Decreto 6040/2007 (Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais), a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU e a Convenção nº 169/1989 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que prevê o processo de consulta específica, livre, prévia e informada junto aos Povos e Comunidades Tradicionais”.

A Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) chamou uma audiência pública para o final da tarde desta quarta-feira (20), no Ginásio Municipal Fernando Pellizzer Teixeira, em Lavras do Sul, para debater questões envolvendo a licença prévia ao Projeto Fosfato Três Estradas e seus possíveis impactos sociais e ambientais.

(*) Com informações do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa


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