Luiza Dorneles – De Barcelona, especial para o Sul21
Existem mil motivos. Esse foi um dos chamados para a greve feminista convocada pelos principais sindicatos e movimentos sociais da Espanha nesse 8M. Pelo segundo ano consecutivo, o oito de março foi dia de parar. Não trabalhar nem em casa, nem fora de casa: os aventais ocuparam as fachadas dos prédios. Não cuidar das crianças nem dos idosos. Não comprar. Tampouco educar e aprender. A greve foi trabalhista, de cuidados, de consumo e educativa. Parar para mostrar o trabalho invisível articulado por mulheres do mundo inteiro todos os dias.
À noite, as ruas de Barcelona se transformaram em uma maré de roxas: crianças, adolescentes, idosas, jovens, adultas. Latinas, asiáticas, africanas, europeias. Sozinhas, com crianças, com namoradas, com maridos. Trans, queer, lésbicas, hétero e bissexuais. Uma multidão que fala por si em sua diversidade. O apoio da prefeitura era visível nas ruas, com publicidade nos postes de luz indicando que dia 8 era dia de greve. As pichações pelos prédios, todas em roxo. Os cartazes, os símbolos, toda a identidade visual construída e perpetuada em grupos organizados pelos bairros que se somaram às ruas em uma estimativa de 200.000 pessoas de acordo com a Guarda Urbana. Na internet, portais reúnem informações sobre a huelga: agenda, material informativo para imprimir e colar em sua rua, plataformas digitais empoderando as mulheres a contribuir com a luta disseminando conteúdo por diferentes vias.
Em um cenário político próximo das eleições gerais (28 de abril) e das europeias autônomas e municipais (26 de maio), a manifestação também foi uma oposição ao partido político Vox, que representa a extrema-direita crescendo agora na Espanha – um comparativo possível é o PSL, de Bolsonaro. Vox afirma que o movimento feminista tenta coletivizar lutas que entende como individuais, e chama por um “feminismo liberal”. Em 2018, 158.590 mulheres foram vítimas de violência machista na Espanha. Sete de cada 10 denúncias acabaram em condenação, de acordo com o Observatório contra a Violência Doméstica e de Gênero.
As mulheres imigrantes, que já vinham reivindicando seu espaço na organização do movimento feminista desde o ano passado, integraram a mobilização com a pauta do antirracismo. “Muitos eleitores não participaram (dos protestos) porque não se reivindicava os direitos das mulheres migrantes, que são as que vem ocupando os espaços de cuidado e de limpeza, que não são mais ocupados por mulheres brancas”, explica Luz Ramires, integrante da Associação de Migração e Economia Social e Igualitária. No manifesto 8M lido em diversos momentos, as migrantes enfatizam a campanha pela revogação da Ley de Extranjería, já denunciada pelo Sindicato de Manteros y Lateros de Madrid com a campanha #LaLeydeExtrajeriaMata.
O dia contou com atividades em diferentes bairros da cidade. Estudantes autônomas paralisando o trânsito, caminhadas próprias das comunidades, grupos de panfletagem. Mulheres de todos os cantos unidas para reivindicar a injustiça de gênero que ainda nos assola no cotidiano, clamando por um movimento interseccional, antirracista e descolonizador cuja bandeira seja erguida por todas e para todas.
Abaixo, um trecho do Manifesto 8M:
Cada 8 de Marzo celebramos la alianza entre mujeres para defender nuestros derechos conquistados. Nos precede una larga genealogía de mujeres activistas, sufragistas y sindicalistas. Las que trajeron la Segunda República, las que lucharon en la Guerra Civil, las que combatieron al colonialismo y las que fueron parte en las luchas anti-imperialistas. Sin embargo, sabemos que aún no es suficiente: queda mucho por hacer y nosotras seguimos luchando.
La sororidad es nuestra arma; es la acción multitudinaria la que nos permite seguir avanzando. La fecha del 8 de marzo es nuestra, es internacional y es reivindicativa.
Nuestras identidades son múltiples, somos diversas. Vivimos en los pueblos y en las ciudades, trabajamos el ámbito laboral y en el de los cuidados. Somos payas, gitanas, mujeres con diversidad funcional, migradas y racializadas. edades son todas y nos sabemos lesbianas, trans, bisexuales, inter, queer, hetero… Somos las que no están: somos las asesinadas, somos las presas, somos las que se quedaron en el mar, somos las que se quedaron en las fronteras. Somos TODAS. Juntas hoy paramos el mundo y gritamos:
¡BASTA! Ante todas las violencias machistas que nos atraviesan.