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9 de março de 2019
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12:38

Coletivo Autonominas: ‘estamos tentando exercer na prática o ninguém solta a mão de ninguém’

Por
Sul 21
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Primeira edição da Feira Autonominas aconteceu na Ocupação Pandorga. Foto: Divulgação

Annie Castro

No início da tarde, em meio à montagem e organização das bancas expositoras, as mulheres que participariam da 1ª Feira Autonominas foram surpreendidas pelo temporal que caiu sobre Porto Alegre no dia primeiro de dezembro de 2018. Naquele momento, a ideia inicial era que o evento acontecesse do lado de fora da Ocupação Pandorga, no bairro Azenha. Em função da chuva, as bancas foram montadas dentro do local, onde também chovia bastante, conforme lembra Adriana Paz Lameirão, participante do Autonominas, um coletivo feminista que busca fortalecer a sustentabilidade financeira de mulheres empreendedoras por meio da economia solidária, e que é o organizadora da feira que acontece pela segunda vez no próximo sábado (16), no Assentamento Utopia e Luta.

O evento de dezembro surgiu a partir da “necessidade de circulação de trabalhos em espaços autônomos, onde mulheres pudessem expor suas produções e compartilhar com outras mulheres suas experiências”, explica Flora Arruda, do Brechó Kali Moda Sustentável, e idealizadora da primeira edição da Autônominas. Segundo ela, a feira visa “a economia solidária e inclusão dessas mulheres, muitas delas mães, no mercado de trabalho, seja ele alternativo ou não”.

A ideia de criar a feira não veio de Flora, mas de uma conhecida que trabalhava com brechós. A partir da sugestão, Flora, que nunca havia participado de nenhum bazar coletivo na rua, criou um evento no Facebook e começou a divulgar para outras pessoas da rede. Foi assim que Adriana chegou até a iniciativa: “O simples fato do nome Autonominas remeter a uma autonomia das mulheres, baseado um pouco na ideologia anarquista, acabou congregando as pessoas que entenderam qual eram os princípios norteadores do evento e resolveram participar da feira”.

Em um grupo de WhatsApp, criado por Flora, as mulheres interessadas em expor na Feira começaram a dividir tarefas para a organização, de forma horizontal e sem hierarquias. Somente no dia da primeira edição é que todas elas se conheceram pessoalmente. De acordo com Adriana, antes do temporal elas realizaram uma reunião para se apresentar e falar sobre as expectativas com a feira, além dos motivos que as levaram até ali.

Shampoo artesanal foi um dos produtos vendidos na primeira feira | Foto: Divulgação/ Facebook

Foi por causa da relação que se criou entre elas durante o evento que a Autonominas virou um Coletivo. “A partir do clima de irmandade e de sororidade que aconteceu entre nós, a gente consensuou que aquele grupo deveria continuar e ter reuniões periódicas após aquela edição. Então, foi naquele momento que nós nos constituímos enquanto coletivo”, conta Adriana. Assim, cerca de 17 mulheres, com faixas etárias que variam de 20 a 50 anos, passaram a compor a equipe do coletivo.

Em função do temporal, a primeira edição da Autonominas por pouco não teve visitantes. Foi o apoio dos moradores da Ocupação e da comunidade Cabo Rocha que fez com que as expositoras pudessem mostrar e vender seus produtos. “Se não fosse eles, nós não teríamos visitantes porque os visitantes realmente não apareceram. A comunidade foi a salvação da Feira”, lembra Adriana. O apoio não foi unilateral. Na ocasião, as mulheres expositoras fizeram uma vaquinha para colaborar com os brinquedos infláveis para a festa de natal para as crianças da Cabo Rocha, que iria acontecer naquele mês. Segundo Adriana, o apoio às ações sociais é um dos propósitos que guiam o Coletivo, que já nasceu dentro de movimentos e “atrelado à comunidade periférica, ao morador da periferia, ao sujeito que está mais invisibilizado e em situação de vulnerabilidade”.

Outro princípio que guia o Autonominas é o de fortalecer a independência financeira de mulheres por meio de um modelo de economia solidária, que dá visibilidade para mulheres que recém estão iniciando enquanto empreendedoras e precisam divulgar seus produtos. De acordo com Adriana, a feira é contra hegemônica ao capitalismo, e propõe uma outra visão dentro desse sistema, apresentando uma economia solidária, feminista, que tem como protagonista as mulheres. Assim, a feira possui somente expositoras. “A ideia é dar oportunidade justamente para a mulher, que normalmente tem menos oportunidade do que o homem, principalmente no exercício de uma atividade econômica”. Além da venda de produtos, as mulheres também são protagonistas nas atrações culturais e na organização.

Dentro dessa ideia, surgem também outras duas que norteiam o coletivo: a representatividade e a sororidade. A primeira, se aplica na escolha das expositoras. Para a segunda edição do evento, por exemplo, foram escolhidas 27 mulheres. Segundo Adriana, em função do espaço do local onde a Feira acontecerá havia um número máximo de bancas. Dentro disso, o Coletivo estabeleceu alguns critérios para a escolha. Um deles foi focar em mulheres que estão no início de um empreendimento e precisam de uma oportunidade de divulgarem seus produtos. Outro, privilegiar a participação de mulheres negras e LBTs (lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais).

“Sabemos que não há muita oportunidade no mercado de trabalho, principalmente para essas mulheres. Não tivemos por enquanto nenhuma mulher PCD [pessoa com deficiência] inscrita na nossa Feira, mas no momento em que houver ela será privilegiada. É a ideia da oportunidade, da visibilidade e da representatividade para todas aquelas que a princípio estão excluídas desse sistema econômico hegemônico”, explica Adriana.

Parte das integrantes do Coletivo Autonominas. Foto: Arquio Pessoal

A ideia de sororidade se dá por meio do apoio que há entre as mulheres que participam do coletivo e da feira. Uma vez que o evento tem como objetivo uma mulher impulsionar a outra, a rivalidade feminina não existe nesses espaços. Conforme Adriana, há uma relação de irmandade entre elas. “Nós não vamos ficar bravas se irmã da banca do lado vender um produto e nós não. Que bom que a irmã tá vendendo. Amanhã sou eu que estou”.

Uma das palavras que permeia o Autonominas é sustentabilidade. A ambiental, uma vez que os eventos focam em ter produtos que preservem o meio ambiente. A econômica, já que o Coletivo busca a autonomia financeira das mulheres por meio da economia solidária. E a social, que se dá na aliança com movimentos sociais, como a Ocupação Pandorga, onde aconteceu a primeira Feira, e o Utopia e Luta, na Escadaria da Borges de Medeiros, onde a segunda edição acontece no próximo sábado (16), das 9h às 19h.

Essa sustentabilidade social também está presente no apoio a ações sociais, como na ajuda ao natal das crianças da Cabo Rocha. Na segunda edição da Feira, o Autonominas estará apoiando uma ONG que auxilia famílias com vulnerabilidade financeira. Segundo Adriana, o Coletivo tenta chegar até pessoas de diferentes classes e tornar real a frase que ficou famosa após as eleições presidenciais de 2018: “Nós estamos tentando na prática exercer o ninguém solta a mão de ninguém. Estamos tentando fazer com que esse bordão da esquerda seja de fato uma realidade, não apenas mais um grito de resistência ou de guerra. Então, é entendendo que num momento difícil da conjuntura política nacional, em um momento de ataque aos nossos direitos, no momento de uma recessão econômica muito grave, de um alto desemprego, nós temos um papel”.


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