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20 de fevereiro de 2019
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11:05

Professores organizam mutirões de manutenção em escolas estaduais para início do ano letivo

Por
Luís Gomes
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Escola Paula Soares ainda convive com o entulho gerado por anos de degradação | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Salas de aula com buracos no piso, paredes descascadas e com rachaduras, portas corroídas por cupins e infiltrações, falta de telhas, bebedouros estragados. Essa não é uma realidade incomum nas escolas estaduais de Porto Alegre. No entanto, para melhorar um pouco as condições às vésperas do início do ano letivo – marcado para esta quarta-feira (20) -, professores, com a ajuda de alunos e pais, têm organizado mutirões para arrecadar recursos para pequenos trabalhos de manutenção e reforma de escolas.

Um desses mutirões ocorreu no Colégio Estadual Paula Soares, que conta hoje com cerca de 700 alunos, do Ensino Fundamental ao Médio. Apesar de estar situada ao lado do Palácio Piratini, no Centro de Porto Alegre, há décadas sofre com graves problemas estruturais. A situação atingiu um ápice de precariedade em 2016, quando o teto do último andar do prédio histórico, que começou a ser construído há 100 anos, estava tão comprometido que dias de chuvas se transformavam em dias de enchentes. Em 2016, alunos do colégio estiveram na linha de frente do movimento de ocupações, garantindo ao final que o então governo de José Ivo Sartori se comprometesse a liberar verbas de um empréstimo obtido ainda na gestão anterior junto ao Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD) para a reformas emergenciais em escolas estaduais.

Vice-diretor da escola Paula Soares, Roberto Machado Lopes mostra as improvisações feitas para tapar buracos em salas de aula| Foto: Guilherme Santos/Sul21

A Secretária de Educação (Seduc) informou nesta terça-feira (19) que atualmente existem mais de 400 obras em andamento em escolas do RS e cerca de 230 que estão em fase de licitação ou elaboração de contrato. Das 252 escolas estaduais de Porto Alegre, 15 escolas estão com obras em andamento, 10 em fase de contratação e em torno de 30 em fase de licitação.

No entanto, um levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revela um cenário de queda nos investimentos em escolas estaduais gaúchas. A partir de dados disponibilizados pela Sefaz no Portal da Transparência, indica que, entre 2014 e 2018, os investimentos do RS em educação — isto é, para além do pagamento da folha salarial — caíram 73,65%, de R$ 163 milhões para R$ 43 milhões.

Algumas paredes da escola foram pintadas só até certa altura | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Mutirão pintou as paredes de salas, mas faltou tinta para completar o serviço | Foto: Guilherme Santos/Sul21

No Paula, os recursos do Bird foram utilizados para a reforma do teto. No final de maio de 2016, logo após o início das ocupações, a reportagem do Sul21 esteve no local e constatou que escola estava com banheiros interditados, buracos no piso das salas, diversas salas com marcas de infiltração nas paredes, fiações à mostra e até corrimãos que davam choques elétricos. Em decorrência da reforma, o último andar do prédio passou quase dois anos interditado. Nesse período, a escola chegou a funcionar com divisórias em algumas salas para que duas turmas pudessem ter aulas ao mesmo tempo nestes locais. Com a liberação do andar para este ano, esta situação não deve mais ocorrer.

Com a interdição, também foram perdidas classes, cadeiras, livros, ventiladores e armários nas salas do andar superior, que ficaram totalmente inviabilizados pela água. Parte desse mobiliário tinha sido entregue pelo governo em maio de 2016.

A vice-diretora do turno da tarde, Maria Regina Nunes Sena de Barros, destaca que mesmo resolvendo as infiltrações que afetavam a escola há décadas, as obras consertaram apenas uma parte dos problemas da escola, além de terem sido criados outros, uma vez que a empresa responsável deixou o local com pias e vasos quebrados nos banheiros e quebrou vidros das janelas.

Pia de banheiro foi quebrada durante a reforma | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Além disso, novos problemas continuam a aparecer. “Arruma de um lado, estraga em outro”, diz Maria Regina. A vice-diretora conta que, na semana passada, a caixa d’água da escola estragou. Foi consertada, mas surgiu uma infiltração em um banheiro. “Na verdade, isso é um paliativo, precisa de uma reforma estrutural”.

O problema principal é a necessidade de se trocar o sistema de gás, que precisa ser substituído desde o ano passado e acaba inviabilizando que a escola ofereça refeições para os alunos, passando a servir apenas suco e bolacha maria.

Sem previsão de nova liberação de recursos por parte do governo, nas últimas semanas, Roberto Machado Lopes, que é vice-diretor da manhã, tratou de liderar um mutirão para melhorar as condições dos demais serviços que ainda faltam fazer. Paredes foram pintadas, buracos no piso foram tapados com compensados, fechaduras e maçanetas das portas foram trocadas. Professores subiram no teto para consertar a caixa d’água, sem material de segurança. No final do ano passado, a escola estava sem bebedouros, que também foram consertados por professores.

Documentos históricos da escola estão quase apodrecidos em uma sala atingida por infiltrações | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O saguão do Paula Soares irá começar o ano letivo com um aspecto renovado, mas as latas de tinta arrecadadas pela comunidade escolar só serviram para pintar as paredes até certa altura. Também faltaria consertar as janelas que estão com vidros quebrados, pisos que continuam ameaçando ceder, salas que estão sem ventiladores e cortinas, o que faz com que, em dias de maior calor e pouco vento, se transformem em verdadeiras saunas, apesar das amplas janelas de cada recinto.

As ações independentes se estendem para além da comunidade escolar. A direção fechou uma parceria com um grupo de escoteiros para que eles retirassem os entulhos de materiais estragados por anos de chuvaradas que se acumulavam em diversas áreas da escola e também ajudassem com alguns consertos. Ainda assim, nesta terça-feira (18), a escada de acesso ao último andar estava abarrotada com equipamentos estragados, como ventiladores, fotocopiadoras, cadeiras e classes.

Restam ainda lugares da escola que estão em situação completamente precária. Um auditório localizado no último andar teve as poltronas arrancadas durante a obra e se encontra fechado. O mesmo ocorre com o laboratório de informática, que não funcionará na largada do ano letivo. Uma sala que atualmente abriga toda a documentação histórica da escola está entre as mais prejudicadas. Os documentos foram atingidos pelas goteias e infiltrações. “São 100 anos de história atingidos”, diz Maria Regina.

Imagem de arquivo mostra sala de aula alagada na escola Vicente da Fontoura | Foto: Arquivo Pessoal

À espera de novas salas

As chuvas dos últimos anos também castigaram a Escola Estadual de Ensino Fundamental Vicente da Fontoura, no bairro Restinga, zona sul de Porto Alegre. Uma das cinco salas do prédio principal da escola está com o piso completamente destruído e as marcas de infiltração na parede contam a história de um espaço que já foi alagado diversas vezes.

Há ainda duas outras salas que foram oficialmente interditadas pelo governo por conta do piso quebrado e de rachaduras visíveis nas paredes. mas que ainda assim irão receber alunos a partir desta quarta-feira. Uma delas abrigará 38 crianças em um espaço que na tarde de terça-feira comportava, já aparentemente lotado, 37 classes e cadeiras. Isso ocorre porque as duas turmas de 7º ano do turno da tarde viraram uma só no 8º.

Paulo Amaral tenta fazer a manutenção da escola, mas uma das salas está completamente inutilizável | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O diretor da escola, Paulo Ricardo Pereira do Amaral, conta que esse é o tipo de medida que tem que tomar enquanto espera pela liberação de obras de manutenção. Ele reclama que a autorização para as obras foi atrasada devido à demora de um posicionamento da força-tarefa criada no governo de José Ivo Sartori – reunindo diversas pastas e com o objetivo de justamente agilizar a autorização de obras – em definir como lidar com o problema das salas interditadas.

Paulo conta que a escola já cobra do Estado desde 2013 manutenção no telhado, no piso, no assoalho e na parte hidráulica. Os recursos não vieram, mas no final de janeiro de 2017 vieram fortes chuvas que comprometeram ainda mais a estrutura da escola. Segundo ele, somente ao final do ano passado a força-tarefa decidiu-se por construir duas salas novas em um novo prédio a ser erguido no pátio da escola. Contudo, as obras, apesar de já autorizadas, devem começar apenas depois do Carnaval, com um prazo de cinco meses para serem concluídas. O custo é estimado em cerca de R$ 330 mil, com recursos gerenciados pela Seduc.

Escola Vicente da Fontoura, na Restinga, cobra do Estado desde 2013 manutenção no telhado, no piso, no assoalho e na parte hidráulica. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Além disso, ele pleiteava a liberação de recursos para recuperar as salas já interditadas e conta que, há 20 dias, estava agendada uma visita de um engenheiro que trabalha na força-tarefa para avaliar o piso e o telhado, mas a visita acabou cancelado porque ele foi exonerado, travando a reforma. Agora, está buscando uma verba de R$ 33 mil através do PROA – sistema digital que agiliza a tramitação de processos no governo do RS – para fazer pequenos reparos necessários. A escola ainda contaria com cerca de R$ 150 mil em conta de recursos ainda oriundos do empréstimo do Bird, mas segue aguardando liberação para utilizá-los.

Sem nenhum recurso liberado antes do início do ano letivo, nesta terça, subiu no telhado para trocar algumas telhas que estavam comprometidas, mas afirma que é necessário trocar todo o telhado da escola. “Tem que trocar tesouras, telhas, fazer tudo novo”, diz. “Quando chove, pinga água, aí eu desligo toda a elétrica para não dar problema”.

Conserto do telhado foi feito na base do improviso | Foto: Arquivo Pessoal

O diretor conta que a escola já está acostumada em buscar soluções para seus problemas para além de investimentos diretos do governo estadual. Levanta recursos em campanhas de arrecadação pelo menos duas vezes por ano com a realização de uma festa junina e uma festa vicentina. Os recursos são voltados para pequenas aquisições. A verba mensal para manutenção da escola é de R$ 1,5 mil, valor que deve ser destinado para pagar as contas de gás e telefone, compra de material de expediente, de higiene e de limpeza. Assim, pouco sobra para manutenção básica dos prédios.

No final da década passada, a direção da escola chegou a firmar uma parceria com a Gerdau para construção de um novo pavilhão, mas veio à crise econômica de 2008 e a empresa cancelou o projeto. O prédio mais novo da escola foi construído em 2011, graças a uma parceria firmada entre o governo do Estado e o governo do Japão. Em homenagem ao investimento, as salas levam o nome do país asiático. São salas amplas, com bastante espaço entre as classes, com aparelhos modernos de ar-condicionado. Apesar de estarem a poucos metros das salas antigas, parece se tratar de duas escolas diferentes.

Escola Vicente da Fontoura, na Restinga: portas do único banheiro feminino estão quebradas e devoradas por cupins. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Voltando ao prédio antigo, as portas do único banheiro feminino estão quebradas, tendo sido devoradas por cupins. O banheiro masculino também está com a porta danificada. O piso dos corredores está quebrado, com o paviflex destruído. Com uma sala interditada, a sala de vídeo da escola será utilizada para abrigar turma antes de o pavilhão novo ficar pronto. Há uma biblioteca em boas condições, mas a escola foi informada no ano passado que a professora responsável pode ser transferida para outro escola, o que levaria ao fechamento do local por falta de profissional.

Mas Paulo diz que a comunidade escolar acaba se virando como pode. Em 2018, as salas Japão já começaram a apresentar sinais de deterioração, o que levou a comunidade escolar a se organizar em um mutirão para passar massa corrida e pintar as paredes, trocar o sistema de lâmpadas. Um refeitório novo foi construído há alguns anos também a partir de um mutirão. A área do pátio que era uma espécie de banhado foi aterrada, com árvores sendo plantadas no lugar. Novos brinquedos para o playground estão para chegar fruto de uma doação de um dos novos condomínios do barril. Uma “cancha” de vôlei foi criada ao ser colocada uma rede no espaço que havia entre a grade da quadra poliesportiva e a parede de um dos prédios de sala. Não se confundirá o espaço com um ginásio, mas os alunos não poderiam jogar vôlei de outro forma.

Apesar dos esforços, ele lamenta a falta de atenção do governo do Estado com as escolas de Porto Alegre. “Tu abre a página da Seduc e tem até ginásio em construção, mas é tudo no interior”, diz.

Galeria de fotos

Colégio Paula Soares | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Escola Vicente da Fontoura, na Restinga. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Escola Vicente da Fontoura, na Restinga. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Escola Vicente da Fontoura, na Restinga. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Escola Vicente da Fontoura, na Restinga. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Escola Vicente da Fontoura, na Restinga. Foto: Guilherme Santos/Sul21

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