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15 de janeiro de 2019
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19:06

Relatório sobre violência contra populações vulneráveis aponta que mulheres são maiores vítimas

Por
Sul 21
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Relatório sobre violência contra populações vulneráveis aponta que mulheres são maiores vítimas
Relatório sobre violência contra populações vulneráveis aponta que mulheres são maiores vítimas
Em Marcha de Mulheres no ano passado, manifestantes pedem fim das violências | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Débora Fogliatto

As populações vulneráveis sofrem, além das violências que afetam a sociedade brasileira em geral, uma série de situações específicas: sexismo, racismo, homofobia e transfobia são algumas delas. Em relatório divulgado no início de 2019, pesquisadores analisaram dados registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Sistema Único de Saúde (SUS) no Rio Grande do Sul durante os anos de 2014 a 2017 para realizar um diagnóstico da situação da violência contra as populações negra, LGBT, indígena e em situação de rua.

O projeto tem como objetivos avaliar a quantidade e a qualidade das informações disponíveis no Sistema de Informação de Agravos de Notificação Sinan do Sistema Único de Saúde (SUS) e proporcionar a qualificação de profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social. O relatório foi elaborado por um grupo interinstitucional do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e da Secretaria de Estado de Saúde do Rio Grande do Sul.

“A intenção é que possam ser ativadas análises de como a violência, enquanto fenômeno complexo e relevante na determinação social da saúde, ocorre em grupos populacionais e seus marcadores de raça/cor, etnia, sexo, identidade de gênero, orientação sexual, faixa etária, deficiência e localidade geográfica”, explica o professor Maurício Polidoro, Geógrafo do Campus Restinga do IFRS.

O relatório “Situação da violência contra as populações negra, LGBT, indígena e em situação de rua no Sistema Único de Saúde” traz dados de dois tipos específicos de violência: interpessoal e auto-inflingida. A primeira delas é definida como aquela que ocorre entre os membros de uma família, parceiros(as) íntimos(as), amigos(as) e estranhos(as); nela podemos incluir os maus-tratos à criança, a violência juvenil, a violência praticada por parceiro(a) íntimo(a), abuso sexual e abuso de idosos (as), sendo considerado um grande fator de risco para problemas sociais e de saúde por toda a vida.

Já a auto-infligida pode ser subdividida em comportamento suicida (pensamentos e tentativas de suicídio) e auto-abuso (automutilação). A Notificação da Violência Interpessoal e Autoprovocada, que é objeto do relatório, está prevista em diversas Normativas do Ministério da Saúde e faz parte da linha de cuidado e atenção da pessoa em situação de violência. O documento traz um histórico a respeito das políticas de notificação no Brasil e no estado.

Os pesquisadores observam que, em 2014, o Ministério da Saúde incluiu os campos nome social, identidade de gênero e orientação sexual na Ficha de Notificação da Violência no Sistema, além do campo para preenchimento de violência motivada por homofobia/lesbofobia/bifobia/transfobia, na tentativa de dar visibilidade à violência vivida pela população LGBT. O relatório completo está disponível no site Saúde, Ambiente e Desenvolvimento.

População negra

Segundo o relatório, dentro do período analisado, foram registradas 76.478 notificações de violência, das quais 12.749 fichas (16,7%) eram de vítimas autodeclaradas negras. Cabe citar que a população negra do Rio Grande do Sul é de 16,1%, conforme IBGE 2010. Dentro deste recorte, as mulheres foram as mais afetadas, correspondendo a 70% das notificações em geral e a 47,1% das vítimas reincidentes.

Para o professor Maurício Polidoro, os números são alarmantes, principalmente ao considerar que o Sinan, em geral, registra apenas as violências que implicaram em demanda de atendimento do profissional da saúde — ou seja, apenas uma parcela dos casos são registrados. “As imagens que temos presenciado indicam que sofremos uma epidemia de violência contra as mulheres”, analisa.

Dentre as motivações registradas pelas vítimas, o sexismo foi apontado por 801 mulheres negras como a causa da violência. Também chama atenção a categoria “conflito geracional”, na qual há registro de 557 casos, e o número elevado de violências registradas como “outros” (2.567) ou “ignorado” (2.212). No relatório, consta que “a violência perpetrada contra a população negra é marcada pelo racismo e pela manutenção de situações de iniquidades que se perpetuam secularmente no país”.

Indígenas

Os pesquisadores apontam que, nas populações indígenas, um fator recorrente é a morte de crianças, adultos e idosos pela falta de assistência médica adequada, “pela má qualidade do saneamento básico, pela falta de acesso à moradia, pela ausência de água potável entre outros direitos negligenciados que ocasionam elevados índices de mortes evitáveis”.

Populações indígenas sofrem com falta de acesso à saneamento, moradia e água potável | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Os dados de notificação de violência no Sinan no estado apontam para 399 (0,5%) casos cujas vítimas tinham a identificação indígena assinalada no campo de raça/cor. Também nesta população, a violência é maior contra as mulheres (274 casos). Mais uma vez, dentre as motivações, há alto número de não preenchidas (51), ignoradas (63) e não se aplica (62). Dos motivos explicitados, o sexismo é o mais mencionado, aparecendo 23 vezes. Nas lesões autoprovocadas, os homens foram a maioria, representando 21 casos, enquanto mulheres registraram 18.

LGBTs

Do total das 76.478 fichas de notificação da violência no Sinan no período de quatro anos analisado, 983 (1,3%) foram de vítimas identificadas como “homossexual” e “bissexual”, enquanto as vítimas identificadas como “travesti”, “mulher transexual” e “homem transexual” totalizaram 577 registros (0,8%).

Mais uma vez, chama atenção o maior número de casos de violência contra mulheres: foram identificados 504 casos notificados de violência contra lésbicas e 328 contra homens gays. Também houve 119 registros referentes à violência sofrida por mulheres bissexuais e 31 por homens bissexuais. Ainda, foram identificados como reincidentes 232 dos casos de violência contra lésbicas, 68 casos de bissexuais do sexo feminino, 126 casos contra gays e 16 casos de bissexuais do sexo masculino.

Foram também localizados 78 casos contra travestis, 354 contra mulheres transexuais e 71 contra homens transexuais. Chama atenção também o alto número de violência auto-inflingida na população LGBT. Foram 292 dos casos registrados por homossexuais, 67 dos bissexuais, 18 das travestis, 101 das mulheres trans e 30 dentre os homens trans.

População em situação de rua teve 899 ocorrências registradas no período analisado | Foto: Guilherme Santos/Sul21

População em situação de rua

Dentre as fichas analisadas pelo relatório, foram encontradas 899 (1,2%) notificações referentes à população em situação de rua. Os pesquisadores mencionam, no entanto, que uma das dificuldades que esta população enfrenta no exercício da cidadania é a dificuldade de obter registro nos sistemas públicos em função da falta de endereço e, circunstancialmente, de documentos formais de identificação. “A população em situação de rua também convive com diversas formas de indiferença, preconceito e discriminação, que configuram e agravam um complexo processo de exclusão social”, destacam.

O documento menciona que a faixa etária de 20 a 59 anos representa 54,28% do total de casos de violência, dos quais 288 são contra mulheres e 200 contra os homens. Também é de considerável destaque a representatividade da faixa etária entre os 10 e os 19 anos, que corresponde a 32,93% das notificações. “Nessa faixa, a violência contra crianças e adolescentes do sexo feminino responde por 117 dos casos, enquanto a violência a crianças e adolescentes do sexo masculino alcança o 179 das ocorrências”, observam.


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