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7 de janeiro de 2019
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21:25

Conselho busca alternativas para garantir direitos de povos indígenas no RS

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Sul 21
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07/07/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Retomada Guarani-mbya em área da Fazenda Arado Velho em Porto Alegre. Foto: Giovana Fleck/Sul21
Timóteo Karai, liderança indígena da retomada Guarani-mbya em área da Fazenda Arado Velho em Porto Alegre | Foto: Giovana Fleck/Sul21

Débora Fogliatto

Desde que chegaram à fazenda da Ponta do Arado, em junho de 2018, os indígenas da retomada mbya-guarani têm sua mobilidade limitada dentro das terras e o acesso à água dificultado. Mais recentemente, as três famílias que vivem ali foram confinadas a um espaço de 15 metros de terra e são monitorados constantemente por seguranças privados contratados pela empresa proprietária da área vizinha, a qual fechou os pequenos poços de água abertos pela comunidade.

Diante da situação, o Conselho Estadual de Povos Indígenas (CEPI) tem se preocupado em garantir que a comunidade tenha seus direitos respeitados e possa permanecer no local. Atualmente, a Arado Empreendimentos, proprietária da Fazenda do Arado, considera que os indígenas invadiram sua propriedade e os acusam de desmatar áreas de preservação.

“Tem sempre guardas lá de dia e noite, desde que chegamos. A gente nunca anda de noite, mas botaram homens nos vigiando dia e noite, disseram que era propriedade particular e não deixam entrar água. Cercaram tudo”, resumiu Timóteo Karai, liderança indígena. Ele aponta que água é um direito de todos e afirma que os proprietários não dialogam com a comunidade, que têm acesso apenas aos seguranças do local. Para consumir água, os indígenas contam com filtros que entidades os ajudaram a construir, e acabam bebendo também a água do rio Guaíba.

O indígena também menciona a acusação de que terceiros os teriam “levado” ao local. “Nós sabemos há muito tempo daquela terra”, aponta. Ele conta que seu tio caminhava na região e já viveu no local, assim, a conexão foi feita através dos mais velhos. “Perguntamos pros espíritos onde tinha um pedacinho para nós. Lá é nosso lugar mesmo, nós sabemos sim e nós vamos continuar lá. Essa terra toda era nossa, não é de agora isso”, relatou Timóteo em reunião do CEPI nesta segunda-feira (7).

Na ocasião, o coordenador do Conselho, Rodrigo Venzon, mencionou a ligação da Ponta do Arado com as terras Indígenas de Cantagalo, Lami e Itapuã, também na zona sul. As famílias que atualmente vivem no Arado antes integravam a comunidade do Cantagalo. “Tem muito discurso de gente dizendo que alguém pegou vocês pela mão e levou, e não foi isso que aconteceu”, reiterou o procurador do Estado Silvio Jardim.

Procurador do Estado Silvio Jardim relatou que as famílias registraram boletim de ocorrência | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Segundo ele, há projetos de se construir milhares de unidades habitacionais na região, o que seria problemático para a fauna e flora locais. Jardim destacou que atualmente vigora uma decisão judicial tomada pelo Tribunal de Justiça do Estado que interrompeu o processo de reintegração de posse pedido pela Arado Empreendimentos. Isso porque o juiz que havia sido designado para o caso não permitiu que o Ministério Público ingressasse no processo, o que fez com que a Procuradoria entrasse com um pedido de correção no Tribunal.

O procurador orientou as famílias indígenas a registrarem boletim de ocorrência diante das ações intimidatórias da empresa. Jardim articulou um encontro marcado para terça-feira (8) com o procurador da República Jorge Irajá para tratar do assunto, com o objetivo de que o Ministério Público Federal (MPF) possa se tornar parte do processo. “O empreendimento não gostou que há a possibilidade do processo ir para a Justiça Federal, querem criar clima para que vocês saiam de lá, sintam medo”, afirmou.

Demarcação da terra

Ignácio Kunkel, da Divisão Indígena da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), relatou que a SDR vem tentando, sem sucesso, medir o nível do rio na área próxima ao Arado para determinar a extensão de terras nas margens que pertencem ao Estado. A Secretaria consultou a Superintendência do Patrimônio da União, que afirmou que as margens do Guaíba não são atribuição da União, e sim estadual.

Na lei que determina a extensão, consta que a margem do rio é seu nível médio acrescido de 15 metros. “Movimentamos a equipe de topografia para verificar qual o limite, mas na hora de ir à campo, solicitamos autorização da empresa, que a princípio não deixou o Estado entrar. Então falamos com o Ministério Público, que conseguiu a liberação, mas nisso já havíamos perdido um dia em que a equipe estava disponível”, relatou Kunkel.

07/07/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Retomada Guarani-mbya em área da Fazenda Arado Velho em Porto Alegre. Foto: Giovana Fleck/Sul21
Famílias da Retomada Guarani-mbya no Arado Velho vivem constantemente vigiados por guardas | Foto: Giovana Fleck/Sul21

Uma nova tentativa foi feita alguns dias depois, mas na noite anterior, a empresa voltou a informar que a visita estaria suspensa. Foi necessária uma nova articulação com o MP. “A questão é que não podemos manter o serviço disponível de forma permanente, precisamos garantir um dia certo. Se conseguirmos identificar a margem, isso é garantia legal de até onde pode avançar a empresa privada”, explicou. A ideia é que essa demarcação inicial seja provisória, garantindo o mínimo para os mbya-guarani.

Nova conjuntura

Há preocupação também com as mudanças de governo estadual e nacional. No Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite (PSDB) já determinou a fusão da Secretaria de Desenvolvimento Rural com a da Agricultura, o que causou temores de que haja um enxugamento na estrutura da divisão indígena do setor. Já nacionalmente, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) retirou da Fundação Nacional do Índio (Funai) da atribuição de demarcar e delimitar as terras indígenas.

Diante desse cenário, Rodrigo sugeriu que seja solicitada uma perícia antropológica feita pelo próprio MPF, para que seja possível entrar com uma ação judicial sobre o assunto, sem envolver a Funai. Para Roberto Liebgott, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), são duas urgências a serem levadas na reunião com o MPF: a retirada da cerca, pelo menos a transversal, e o acesso à água. “Eles colocaram sensores na cerca, para saberem se e quando os indígenas vão passar. Se conseguirmos passar o processo para a Justiça Federal é um ganho, mas não tem como escapar do Ministério da Agricultura”, ponderou.

Márcia Londero, da Divisão Indígena da SDR e coordenadora-adjunta do CEPI, colocou que os servidores da secretaria ainda aguardam para saber como será a nova organização da SDR. “A princípio vão permanecer todos os departamentos, o governo diz que só vai juntar o Jurídico e o administrativo”, relatou. Os conselheiros articularam, também, formas de se aproximar do novo governo estadual para apresentar e garantir as questões da pauta indígena.


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