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22 de janeiro de 2019
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19:17

Banda relata violência policial em abordagem da PM em bar de Florianópolis

Por
Sul 21
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Neimar, um dos membros da banda Cartas na Rua, foi atingido no estômago. Foto: Reprodução/Facebook

Giovana Fleck

Quando Pedro Ourique e os outros três membros da banda em que tocam acordaram no dia 21 de janeiro, demoraram para se dar conta do que havia acontecido no dia anterior. “Na hora, não tivemos noção. Acordamos, vimos os machucados. Tomamos café e cada um começou a contar seu ponto de vista do que tinha acontecido. Foi a partir disso que percebemos o horror que havia acontecido”, descreve.

Ourique é baixista do grupo Cartas na Rua – que reúne quatro músicos em arranjos que misturam folk, blues, rock e outros estilos musicais em apresentações de rua. Os artistas de Porto Alegre foram convidados para abrir alguns shows em Santa Catarina da banda Francisco El Hombre. No domingo (20), eles se apresentaram em Florianópolis.

Após o show, foram ao Taliesyn, bar no centro da cidade. Encontraram amigos, beberam juntos e ficaram conversando até o bar fechar, pouco antes da meia-noite. Mesmo com a malha de ferro baixa, Ouriques conta que algumas dezenas de pessoas continuaram na rua. Alguém tinha um pandeiro, outros começaram a cantar. Logo, se formou uma roda de samba na calçada. “Ainda assim, o número de pessoas foi diminuindo. O movimento ia acabar logo.”


Eles foram pegos de surpresa pela chegada da Polícia Militar. Sem entender o porquê da abordagem, algumas pessoas foram questionar a presença policial. Sem uma justificativa clara, foram alvo de sprays de pimenta. “Os guris [membros do Cartas na Rua] tentaram entender o que estava acontecendo e foram para perto dos policiais. O Neimar [que toca banjo no grupo] levou um tiro na barriga, à queima-roupa.” O projétil, no entanto, não era letal. Nesta ação, a PM usou elastômeros – as balas de borracha. “Depois disso, ele levou cacetadas”, continua Ouriques.

Nas fotos, compartilhadas na página no Facebook da banda, os roxos impressionam. Neimar foi atingido próximo ao umbigo. O hematoma toma conta de boa parte de seu estômago, mas a atenção maior se concentra na parte central, onde uma esfera praticamente em carne viva marca o local exato atingido pelo projétil.

“O Marcelo [violonista] se virou para correr em um momento. Foi atingido por uma bala nas costas. Depois, bateram nele com os cassetetes, ao insistir em fugir.” Em determinado momento, o grupo conseguiu se desvencilhar dos policiais. Saíram correndo por duas quadras, com a polícia logo atrás. Ao subir uma das ruas mais íngremes, o grupo relata ter ouvido um dos policiais gritar: “Aqui é Bolsonaro, caralho!”.

Marcelo da Luz foi atingido nas costas ao tentar fugir. Foto: Reprodução/Facebook

“Foi como se ele estivesse tentando legitimar toda aquela violência, toda a agressão”, afirma Ourique. De acordo com ele, em nenhum momento os policiais deixaram claro que estavam ali por conta do barulho ou da movimentação. “Nos trataram como se fossemos vagabundos, mas não por sermos, especificamente, nós ali. Qualquer pessoa na rua, para eles, seria visto dentro desse conceito deturpado de vagabundo.”

 O que diz a PM-SC

Segundo a assessoria de imprensa da Polícia Militar de Santa Catarina, a ação ocorreu por conta de uma ocorrência de perturbação de sossego. “A polícia militar já havia se deslocado até o local por volta dás 24h e solicitado o encerramento do som em razão de denúncia recebida via telefone – em que uma moradora da região reclamava da altura do som e da baderna na via pública”, afirma a PM, por meio de nota.

Assim, cerca de uma hora depois, viaturas foram empenhadas para conter o barulho através de uma abordagem física – não necessariamente truculenta. “O Comandante das guarnições solicitou que fosse encerrado o barulho em razão do avançar da hora e da denúncia de perturbação, alertando que em caso de negativa tomaria as medidas administrativas cabíveis para este tipo de ocorrência.”

Segundo o relato da PM, o grupo teria aumentado o som de “forma provocativa”. Em vídeo gravado pelos integrantes do Cartas na Rua, antes das agressões ocorrerem, algumas pessoas cantavam “Apesar de você”, de Chico Buarque, ao redor dos policiais. A reação dos PMs ocorreu momentos depois, com tiros de bala de borracha, uso de sprays de pimenta, gás lacrimogêneo e golpes de cassetetes.

“Em razão da provocação, foi necessário primeiramente o emprego do espargidor de pimenta para afastar os mais exaltados que cercavam os policiais na ocorrência”, justifica a PM-SC. Segundo a polícia, alguns indivíduos arremessaram objetos contra os policiais, como copos de bebidas, pedras, garrafas e latas.

O Comando do 4ºBPM, baseado nos relatos dos policiais que participaram da ação, instaurou um inquérito policial para apurar os fatos. “Existe um procedimento operacional padrão da polícia militar que foi seguido pelas guarnições que atenderam a ocorrência, inicialmente deslocando ao local e determinando o encerramento do som, e posteriormente, em razão de nova denúncia, deslocando ao local e tomando as medidas administrativas e penais cabíveis”, aponta a assessoria.

‘Exagero sem precedentes’

Ainda na manhã da segunda-feira (21), Ourique começou a escrever o relato da noite anterior com a ajuda de seus colegas de banda. O texto foi publicado no Facebook e compartilhado por mais de mil pessoas. “Uma menina chegou a se machucar feio. Os meninos que foram atingidos não sabem se poderão se apresentar nos próximos shows”, descreve. No dia 24 (quinta-feira), a banda se apresentaria em Garopaba, seguido por shows em Criciúma (25/01) e Porto Alegre (26/01).

A menina citada por Ourique teve sua história compartilhada por sua amiga, Cíntia Bittar, no Facebook. “Vi cassetete comendo solto, mais tiros, mais gás. […] Nisso me perdi de uma amiga e logo alguém me ligou dizendo que ela tinha caído enquanto corria, que estava com o dedo todo torto, quebrado, sangrando no queixo e que ainda um desgraçado passou e levou a carteira e celular dela enquanto estava caída”, relata.

Cíntia segue o texto contando que, como as pessoas saíram correndo, fugindo com medo da polícia, passaram a ficar vulneráveis. Para ela, que diz morar na região, a rua passou a ser segura com o aumento no fluxo de frequentadores, em todos os horários do dia e da noite. “[Com a policia dispersando as pessoas] nós ficamos em risco. Especialmente as mulheres, óbvio. Enfim, passamos a noite no hospital, felizmente não foi nada grave. Mas hoje já soube que outra amiga levou bala de borracha na perna.”

Ela conclui afirmando que: “Isso envergonha a cidade perante nós, produtores culturais e cidadãs! Envergonha a cidade para turistas! A pior coisa que podem fazer nesse cenário é afugentar as pessoas da rua, bem nesse momento de revitalização dessa área de Floripa.”

Para Ourique, o que ocorreu foi um exagero. “Nós somos um projeto que incentiva a ocupação dos espaços públicos. Somos músicos de rua. Algo assim não pode ficar quieto e ser naturalizado ou banalizado.”

Na tarde da segunda-feira (21), eles registraram um Boletim de Ocorrência na Corregedoria da Polícia Militar de Santa Catarina. Na manhã da terça-feira (22), passaram pelo exame corpo de delito. De acordo com Ourique, a banda deverá levar o caso para o Ministério Público de Santa Catarina.


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