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12 de dezembro de 2018
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01:32

Professores temem desmonte da EJA em Porto Alegre

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Sul 21
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Professores temem desmonte da EJA em Porto Alegre
Professores temem desmonte da EJA em Porto Alegre
| Foto: Guilherme Santos

Débora Fogliatto

Professores municipais de Porto Alegre estão mobilizados para garantir a continuidade do trabalho da educação de jovens e adultos (EJA) voltada para o Ensino Fundamental. Segundo eles, desde o ano passado a Prefeitura demonstra querer desmontar o serviço. Agora, relatam que o governo determinou o adensamento de turmas e o desligamento de estudantes considerados infrequentes.

Ainda em 2017, o município sinalizou que todas as matrículas da EJA seriam centralizadas em uma única escola, o Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores (Cmet) Paulo Freire, localizado na Vila Planetário, de acordo com o professor Cesar Rolim, que leciona em uma escola na vila Bom Jesus. “A maior parte das escolas municipais que oferecem o serviço de EJA está localizada na periferia da cidade, em regiões que têm inclusive dificuldade de acesso”, menciona.

Caso as aulas passassem a ocorrer apenas na região central da cidade, isso prejudicaria o deslocamento dos estudantes, na avaliação dele. “O aluno às vezes já tem dificuldade de frequentar a escola que é próxima, por questão econômica ou de violência, mesmo morando perto não consegue frequentar, imagina quando ficar muito mais distante do que ele mora”, aponta Rolim. A professora Sinthia Mayer, que atua na Lomba do Pinheiro, conta que a comunidade reagiu e as aulas foram mantidas nas escolas de periferia.

“Esse ano, começaram primeiro a querer excluir os alunos que estavam infrequentes. Mas isso não é critério, infrequência é alguém que falta, não é evasão. Então a primeira orientação foi essa, depois comunicaram que estavam fazendo convênios para ofertar essa modalidade à distância. E agora orientaram cinco escolas a juntar todas as turmas de EJA”, resume Sinthia.

No início do mês, a Associação dos Trabalhadores do Município de Porto Alegre (Atempa) relatou que a Secretaria Municipal de Educação (Smed) orientou cinco escolas a fecharem turmas de EJA: EMEFs Afonso Guerreiro Lima, Nossa Senhora De Fátima, Dolores Alcaraz Caldas, José Loureiro da Silva e Grande Oriente, além da EMEF Ildo Meneghetti, que já teria passado pelo mesmo processo.

Foto: Arquivo/Agência Brasil

Segundo Rolim, foi determinada a ‘enturmação’ nessas escolas, ou seja, que duas turmas com poucos estudantes sejam unidas e formem apenas uma. Ele relata que o governo argumenta que há baixa frequência de estudantes nas turmas, mas os professores avaliam que essa questão deve ser analisada de forma específica, sem comparação com as outras modalidades de educação. “São alunos que se afastaram da escola por um período, seja longo ou breve. Existem pessoas que já têm dificuldades de frequentar a escola, e quanto mais empecilhos se coloca, mais difícil vai ser de completar os estudos”, lamenta.

Rolim e Sinthia observam ainda que estas medidas podem estar relacionadas à falta de contratação de professores, considerando que há falta de docentes em muitas escolas. O Executivo espera aprovar um projeto que permite a contratação de professores temporários para suprir essa demanda. “Desde o início não houve nenhum concurso para repor vagas de aposentadoria e exonerações. Alguns colegas não têm aguentado essa mudança de administração das escolas e se exonerado, desistam de continuar atuando. Tem muita ausência de professores no diurno e parece que a prefeitura sinaliza com essa possibilidade de fechamento de algumas escolas que oferecem EJA e realoca os professores durante o dia”, especula.

Em nota, a Smed garante que não está prevista a redução no número de vagas da EJA, apontando que, para 2019, as turmas abertas deverão ter pelo menos 20 alunos, e confirma que irá priorizar o corpo docente para o ensino regular. Sobre a infrequência, afirma que esta “caracteriza abandono escolar. É necessário o desligamento do aluno do sistema para que possa ser incluído em políticas públicas específicas e para prover segurança nos dados enviados ao Ministério da Educação”.

Sinthia lamenta que esteja ocorrendo o desligamento dos estudantes infrequentes, apontando que é preciso olhar para a EJA de forma diferenciada. “É um público sazonal, que tem uma frequência relativa com o mundo do trabalho, quando não estão trabalhando frequentam mais. Mas nessa época do ano, eles comunicam para nós que vão fazer serviços extras, muitas vezes trabalham até mais tarde, ou fora do município”, aponta.

| Foto: Arquivo/Agência Brasil

Ao se unir turmas que contam com estudantes com baixa frequência, na prática haveria o fechamento, aponta Sinthia. “É uma forma indireta de fechar as turmas. O que nós dizemos é que os alunos que não estão frequentando nesse momento tem a ver por ser fim de ano, mas que não abandonaram o curso”, argumenta.

“Eles não avaliam que são zonas conflagradas, na escola onde eu trabalho mataram dois ex-alunos da escola há dois meses, bem no horário da saída do turno da tarde, em frente à escola. Isso também deveria ser levado em conta quando se fala em baixa frequência. Se considerar o contexto, vai entender as razões que levam as pessoas a não frequentarem a escola”, acrescenta Rolim.

Ele afirma, ainda, que os próprios professores e administrações de escolas estão tentando ao máximo divulgar a oferta de vagas da EJA, para informar a população a respeito. “Está ficando como responsabilidade dos professores fazerem essa divulgação e campanha por matrículas da EJA. Parece que a administração tem avaliado apenas os números, e os professores buscam alunos para que se argumente também com números”, relata.

Segundo estudo realizado pela Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o total de vagas da EJA ofertadas pelo município diminuiu de 8.164 em 2010 para 5.878 em 2016. A análise aponta que o “fato de não haver, eventualmente, procura pela EJA, não quer dizer que não haja demanda pela modalidade de ensino”, mencionando que a demanda existe segundo censo que demonstrou haver um total de 323.714 pessoas maiores de 15 anos analfabetas ou sem ensino fundamental completo.

Sinthia reitera esse ponto, afirmando que a EJA não pode ser pensada a partir do “pai que bate na porta da escola e pede uma matrícula. Ela dialoga diretamente com o número de indivíduos que naquela região não completaram o ensino fundamental. O que determina a oferta é o percentual de indivíduos que naquele bairro não completou, está ligado diretamente ao censo”.

Dia de Luta da EJA

Diante destas questões, a Atempa realiza, nesta quarta-feira (12), um Dia de Luta, em que estão previstas ações nas escolas municipais. “Nesse dia, professores e professoras visitarão a comunidade, farão chamada pública – com faixas nas escolas e cartazes espalhados pela cidade informando que as vagas estão abertas para matrícula e rematrícula – além de debates para enfrentar o desmonte da educação municipal”, afirma a entidade.

A Atempa afirma ainda que ao longo dos últimos meses, várias escolas da rede receberam notificações exigindo a diminuição das turmas que ofertam EJA. “Com a união dessas turmas e o acúmulo de estudantes, descumpriu-se resoluções que tratam sobre a capacidade máxima de alunos em cada sala de aula. A ideia do Marchezan é diminuir o número de vagas do ensino público e destiná-las ao ensino privado, em especial ao Sesi, empresa a qual a prefeitura fez parceria recentemente”, denuncia a associação.


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