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8 de dezembro de 2018
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22:27

Para antropólogo, revolução seria “contraceptivo para homens”

Por
Sul 21
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Para antropólogo, revolução seria “contraceptivo para homens”
Para antropólogo, revolução seria “contraceptivo para homens”
Anticoncepcional ainda existe apenas para mulheres | Foto: Pixabay

Gilberto Costa,
da Agência Brasil

A busca masculina pelo desempenho ótimo nas relações sexuais não é um fenômeno alheio à sociedade contemporânea e nem a grupos sociais de momentos históricos. No caso atual, melhoria da performance, obtida por meio de medicamentos contra a disfunção erétil, é considerada ganho de qualidade de vida – um valor socialmente compartilhado, ainda que clinicamente não seja necessário.

Ele diz que ainda que revolucionário, em relação ao padrões de gênero, seria talvez “drogas sexuais para mulheres e contraceptivos para homens”. A percepção desses fenômenos sociais é do antropólogo Rogério Azize, professor adjunto do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

A seguir principais trechos da entrevista que concedeu por escrito à Agência Brasil:

Agência Brasil: Houve mudanças significativas no comportamento dos homens e dos casais nesses anos de venda de medicamento contra a disfunção erétil?

Rogério Azize: Não tenho dados precisos sobre isso. Sem dúvida o Viagra se torna em pouco tempo um fenômeno cultural importante. Hoje temos diversos medicamentos pró-sexuais para homens, mas o Viagra continua sendo uma espécie de sinônimo deste tipo de droga. É curioso que o mesmo não se passe com as mulheres, para quem quase inexiste um mercado semelhante. Por outro lado, veja a questão da contracepção: não há novidades neste século em termos de produtos lançados no mercado para homens, ainda que se fale muito a respeito. Talvez isso sim fosse revolucionário em relação ao padrão de nossas relações de gênero: drogas pró-sexuais para mulheres e contraceptivos para homens.

Agência Brasil: Há estigma na nossa sociedade quanto ao homem com dificuldades de ereção. Isso ocorre no mesmo grau em outras sociedades contemporâneas? Existe ou existiu esse estigma em sociedades ditas anteriormente como “primitivas”?

Azize: De fato as aspas são importantes aqui, porque o termo “primitivas” não é adequado, há muito caiu em desuso na antropologia. Seria complicado afirmar que existiria um estigma relacionado à dificuldade de ereção em outros grupos humanos. Sem dúvida, o corpo é uma obsessão para várias sociedades, em vários sistemas simbólicos. O que talvez possa ser dito é que a fertilidade – e, é claro, a ereção aparece aqui em forte relação – é uma questão mais geral, que atravessa inúmeras culturas.

Agência Brasil: O consumo do medicamento recria ou atualiza esses estigmas?

Azize: A existência de medicamentos como o Viagra não é inócua. Medicamentos são importantes em nossa cultura, assim como drogas em termos gerais. De certa forma, o fenômeno Viagra e seus similares oferecem novas metáforas da masculinidade e repaginam antigas.

Agência Brasil: Qual a importância social e simbólica da virilidade masculina?

Azize: Ao que parece, termos como virilidade e virtude remetem a uma mesma origem etimológica, do latim vir, que significa homem, varão. Em outras palavras, há uma relação entre honra e virilidade física, se possível com provas tangíveis de potência sexual. Neste sentido, há um certo incentivo a uma masculinidade algo predatória, com consequências que são ruins para homens e mulheres. Isso constrói a ideia de masculinidades hegemônicas e subalternas, sempre em disputa e competição, masculinidade essa que precisa ser constantemente reafirmada. O Miguel Vale de Almeida, antropólogo português estudioso da masculinidade, define isso muito bem (em um livro de 1995 chamado Senhores de si), ao dizer que “masculinidade hegemônica é um modelo cultural ideal que, não sendo atingível por praticamente nenhum homem, exerce sobre todos os homens um modelo controlador”.

Isso não pode ser separado de temas como a cultura do estupro ou violência contra a mulher; daí a importância central de se discutir questões de gênero em nossos espaços educativos, seja quais forem. É uma questão que deveria atravessar nossa formação.

Agência Brasil: Há quem consuma Viagra, por exemplo, para tentar uma melhor performance no ato sexual – como ocorrem entre jovens sem qualquer problema clínico. Por que essa necessidade de ter um “ótimo” desempenho?

Azize: O Viagra e outros medicamentos pró-sexuais não estão sozinhos neste aspecto. A busca por aprimorar o desempenho humano (sexual e cognitivo, por exemplo), atingindo uma espécie de estado “melhor do que bem”, atravessa hoje esforços importantes da indústria farmacêutica e o desejo dos usuários dos fármacos. Quando o Viagra foi lançado no Brasil, nos idos de 1998, entrevistei médicos e analisei material de marketing farmacêutico que defendiam ser a impotência (o termo que se tentava lançar era DE – disfunção erétil) uma doença como outra qualquer; lembro de um médico dizendo ser “como uma cefaleia”, que pede tratamento e que o Viagra deveria ser utilizado por um público bem específico. Ao entrevistar usuários, já naquele momento, termos como “doença” e “tratamento” eram colocados em xeque, ninguém se dizia doente. Havia, sim, uma ansiedade subjetiva, de performance, que parece atravessar as masculinidades; e essa masculinidade ansiosa se manifesta em novas roupagens, há uma necessidade de reafirmação constante que a atravessa.


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