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15 de dezembro de 2018
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00:16

Comunidades debatem resistência a mineradoras: “ou unificamos nossas lutas ou bye bye”

Por
Sul 21
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Com Bolsonaro, Brasil deve ter uma mineração sem freios e destruidora de territórios de comunidades tradicionais e áreas de preservação ambiental. (Adufpel/Divulgação)

Marco Weissheimer

A partir do dia 1o. de janeiro de 2019, com a posse de Jair Bolsonaro na presidência da República, o Brasil deve ingressar em uma fase de mineração plena, uma mineração sem freios e destruidora de territórios de comunidades tradicionais e áreas de preservação ambiental, pela flexibilização de normas e aniquilação das leis ambientais. A previsão foi feita nesta sexta-feira (14), em Rio Grande, por Márcio Zonta, integrante da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), durante o II Seminário sobre os Impactos da Mineração. Promovido pela Seção Regional do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), o seminário reúne pesquisadores, representantes de movimentos sociais e das comunidades de pescadores e agricultores familiares da região de Rio Grande e de São José do Norte, que estão mobilizadas contra o projeto que pretende extrair minerais pesados em uma faixa de restinga localizada entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico.

O projeto Retiro, da empresa Rio Grande Mineração, quer extrair titânio e zircônio em São José do Norte. O empreendimento quer explorar cerca de 600 mil toneladas de minerais pesados em uma área de cerca de 30 quilômetros de extensão, situada em um território entre a lagoa e o oceano Atlântico. Em uma audiência pública realizada no dia 22 de setembro, agricultores e pescadores artesanais de São José do Norte manifestaram seu repúdio ao projeto que já recebeu uma licença prévia do Ibama. Presentes no seminário realizado no auditório do Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), pescadores e pescadoras da região reafirmaram sua disposição em lutar contra esse projeto, ouviram relatos de impactos da ação de mineradoras em outras regiões do Brasil e da America Latina e debateram estratégias de ação para o futuro próximo.

A nova corrida pelo ouro

Márcio Zonta: “As grandes mineradoras são empresas militarizadas e propagandísticas”. (Adufpel/Divulgação)

Esse movimento de ofensiva da indústria mineradora no Brasil, assinalou Márcio Zonta, ocorre no momento em que há uma nova corrida pelo ouro em nível internacional, marcada por uma pesada disputa entre Estados Unidos e China que tem, na América Latina e na África, dois de seus palcos principais. Como os Estados Unidos podem emitir dólar para enfrentar suas crises financeiras, os chineses estão procurando alargar o seu poder de moeda e o seu acúmulo financeiro por meio do ouro. Além dessa nova corrida pelo ouro, a disputa por minerais estratégicos para produtos de novas tecnologias, como é o caso do nióbio, vem alimentando crescentes conflitos territoriais em regiões como o interior de Goiás, Minas Gerais e Xingu. A tendência, com a chegada de Jair Bolsonaro à presidência, é o aumento dessa conflitividade. “O pau vai quebrar. As grandes mineradoras são empresas militarizadas e propagandísticas. Se a propaganda não conquista corações e mentes, elas partem para aniquilar o inimigo. Já temos pescadores, camponeses, ribeirinhos e pesquisadores virando réus por se recusar a vender suas terras ou se opor aos projetos dessas empresas”, disse ainda Zonta.

Bolsonaro, prevê o coordenador do MAM, quer criar câmaras de comércio direto com os Estados Unidos para “agilizar” novos negócios no Brasil. Isso implicará, entre outras coisas, a liberação da mineração em terras indígenas e quilombolas, em áreas de preservação ambiental e mesmo em áreas de fronteira, rompendo com uma lei criada pelos militares. O novo código de mineração, apresentado pelo governo Temer por meio de três medidas provisórias, prevê, entre outras coisas, que a fiscalização de barragens de mineração passe a ser feita por amostragem e que a Agência Nacional de Mineração libere a exploração em áreas que as próprias empresas declarem como de utilidade pública. Tudo isso, acrescentou Zonta, em um cenário onde as empresas não pagam o que devem da Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) aos municípios e ainda são isentas de pagar ICMS pela Lei Kandir. “Temos um quadro de evasão fiscal e de seqüestro de renda universal”, resumiu.

Processo de expropriação planejada

Elenice Coutinho: “expropriação planejada”. (Adufpel/Divulgação)

Elenice Aparecida Coutinho, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR-UFRGS) definiu o novo plano nacional de mineração, anunciado pelo governo de Michel Temer, como um processo de “expropriação planejada”. Esse processo, assinalou, vem sendo gestado desde 2011, quando o então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que havia necessidade de mudança na gestão de nossos recursos minerais. No entanto, ressaltou, a sociedade não teve praticamente nenhuma participação na construção desse plano. 99% das instituições que participaram desse processo eram ligadas a empresas do setor ou ao governo. Não houve praticamente nenhuma participação de organizações da sociedade ou das populações atingidas neste debate, criticou a pesquisadora da UFRGS.

Para ela, o sonho da mineração, na atual conjuntura brasileira, é, por meio de uma intensa campanha de marketing, se tornar um novo agronegócio, vendendo a ideia de que se tornará um grande gerador de riquezas para o Brasil. E o grande foco do setor para isso é a liberação total da mineração na região amazônica. “O grosso do plano é expandir a mineração para a região da Amazônia. O setor quer que o Estado assuma as tarefas mais caras e de risco, como fazer as cartografias. Quando você lê o Plano Nacional de Mineração, várias passagens parecem ter sido escritas pelas próprias empresas e não pelo governo”, assinalou Elenice Coutinho.

“Não sei se vou chegar aos 40 ou 50 anos”

Adenisia Sena: “Vocês já pensaram que pode chegar até aqui também?”(Adufpel/Divulgação)

Um relato dos impactos que já são sentidos pelas comunidades afetadas por esses projetos e seus “acidentes” foi dado por Adenisia da Silva Sena, do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP). Adenisia veio do Espírito Santo para o Rio Grande do Sul relatar o que aconteceu em sua região após o rompimento da barragem da Samarco, em Minas Gerais. “Vim aqui trazer um testemunho do que aconteceu conosco. A mineração chega sempre com muitas promessas, dizendo que vai dar tudo, mas não dá nada. Nossas águas e manguezais estão contaminadas com minério. O que estamos passando é muito triste. Não sei se vou chegar aos 40 ou 50 anos com o nível de contaminação da água que estamos sofrendo. O que aconteceu em Mariana cortou o Espírito Santo e está chegando a Bahia e ao Rio de Janeiro. Vocês já pensaram que pode chegar até aqui também?”- questionou. E acrescentou: “O Brasil está vivendo a maior angústia, o maior sofrimento. E os pescadores artesanais estão correndo o risco de perder sua identidade”.

A manhã de debates do seminário na sexta-feira foi encerrada com a exibição do documentário “Dossiê Viventes – O Pampa Viverá”, que mostra a luta de comunidades da bacia do Camaquã contra o projeto de instalação de uma mineradora de chumbo, das empresas Votorantim Metais (Nexa) e Iamgold, às margens do rio. Dirigido por Tiago Rodrigues, o filme retrata a mobilização das comunidades e traz depoimentos de pesquisadores e de lideranças do movimento de resistência. Mais de 40 entrevistas resumem o debate sobre o projeto, cujo processo de licenciamento segue tramitando na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), acompanhado pelo Ministério Público Estadual e pelo Ministério Público Federal.

No final dos debates da manhã, Márcio Zonta registrou as várias lutas contra projetos de mineração no extremo sul do Estado que estavam representadas no seminário e advertiu: “ou unificamos todas essas lutas ou bye bye. Se cada um ficar encerrado em sua luta particular, seremos derrotados”.

 


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