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13 de dezembro de 2018
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16:42

Cimi denuncia violações de direitos de indígenas da Retomada Ponta do Arado

Por
Sul 21
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Cimi denuncia violações de direitos de indígenas da Retomada Ponta do Arado
Cimi denuncia violações de direitos de indígenas da Retomada Ponta do Arado
Área onde indígenas vivem foi cercada, limitando seu espaço | Foto: Reprodução/ Facebook

Débora Fogliatto

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulgou nota denunciando que os Guarani Mbya da Retomada Ponta do Arado, no Bairro Belém Novo, estão desde a semana passada “sendo submetidos a várias formas de constrangimentos, ameaças e em situação de cárcere privado” por parte de “empresários e seguranças privados”, os quais instalaram uma cerca no local.

De acordo com o Cimi, desde o dia 6 de dezembro os Guarani, que vivem acampados nas margens do Rio Guaíba, estão vivendo sob ameaças. Ainda, afirmam que os empresários estariam construindo uma casa dentro da área indígena para seus seguranças privados viverem. A Arado Empreendimentos Imobiliários Ltda, proprietária do terreno e responsável pela colocação da cerca, afirma que a medida foi tomada para “evitar o avanço do desmatamento do local e da caça dos animais silvestres”.

A empresa planeja construir um grande condomínio na área, com 1,6 mil unidades habitacionais. Em um trâmite que começou ainda em 2015, a Fazenda Arado Velho é alvo de disputa entre a empresa, o grupo Preserva Belém Novo e, desde junho, os indígenas que chegaram à área. Ainda final de junho, a Arado Empreendimentos conseguiu liminar proibindo a entrada dos indígenas no terreno da empresa.

É por isso que atualmente eles se concentram em uma faixa da orla e em um pedaço de mata. De acordo com o Conselho, “os Guarani, desde que entraram na terra, no mês de junho, sofreram inúmeras ameaças físicas e psicológicas”. Coordenador do Cimi-Sul, Roberto Liebgott afirmou que a situação se mantém, com o cercamento do local e a presença de seguranças “dia e noite”. “Os indígenas não estão tendo acesso a nada. Estão cercados dentro de uma área de praia bem restrita”, colocou.

07/07/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Retomada Guarani-mbya em área da Fazenda Arado Velho em Porto Alegre. Foto: Giovana Fleck/Sul2107/07/2018 - PORTO ALEGRE, RS - Retomada Guarani-mbya em área da Fazenda Arado Velho em Porto Alegre. Foto: Giovana Fleck/Sul21
Retomada Guarani Mbya em área da Fazenda Arado Velho em Porto Alegre | Foto: Giovana Fleck/Sul21

“O Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul, vem a público manifestar apoio incondicional aos Guarani da Ponta do Arado, repudiar todo tipo de violência e requerer que as autoridades públicas tomem medidas no sentido de assegurar aos indígenas o direito ao livre trânsito e que as cercas e a casa dos seguranças instalados na área sejam de imediato removidas. É inaceitável assistirmos práticas de intolerância, racismo, cerceamento de liberdade e de confinamento de pessoas que reivindicam seus direitos”, coloca o Cimi.

Em vídeo divulgado pelas redes sociais, o indígena Timóteo Karai, que mora na área, relata que havia a presença de um segurança no local. “Ontem de manhã vieram aqui, falou pra mim, disse que vai fazer cerca e vai entrar trator. E queria trazer junto Polícia Militar no nosso pátio para ficar dia e noite”, afirma.

De acordo com a Amigos da Terra, a presença de seguranças privados na área é constante desde a retomada da terra pelos indígenas. “Desde a chegada indígena, seguranças privados circulam pela área, fotografando e filmando a movimentação do grupo e, além disso, a de qualquer pessoa que se aproxime dali, inibindo a chegada de ajuda e doação de roupas e alimentos”, afirmaram ainda em junho. Segundo Liebgott, os seguranças seguem fazendo imagens da comunidade.

Em nota, a Arado Empreendimentos afirma que um laudo ambiental feito por dois biólogos comprova “sérios danos ambientais”, os quais teriam sido cometidos no período em que a tribo está instalada na Área de Preservação Permanente pertencente à fazenda. “Há comprovação de árvores cortadas, tatus e bugios caçados, e ampla modificação no cenário da região nos últimos meses, com verdadeiro comprometimento e esgotamento daquele ambiente”, argumentam, acrescentando que um processo foi aberto junto ao IBAMA sobre o caso.

Argumentando danos ambientais, empresa cercou área onde vivem os indígenas | Foto: Roberto Liebgott/ Arquivo pessoal

A empresa ainda destaca que irá manter intocado 228 hectares de um total de 426, “incluindo a ponta do Arado, local a ser totalmente preservado, hoje usurpado com a ocupação predatória dos índios”. “No que se refere as acusações feitas pelo Conselho Indigenista Missionário, os seguranças jamais constrangeram ou ameaçaram os índios. Também não houve episódios de violência ou de cárcere privado. Importante destacar que a Arado Empreendimentos busca, pelos meios legais e na Justiça, a cessação da invasão ocorrida e que agride os seus direitos”, colocam.

Para Liebgott, a acusação de que os indígenas estariam depredando a área é “falaciosa”, especialmente porque eles não conseguem nem “se locomover” dentro da propriedade. “A área onde eles estão é de praia, nem teria como caçar. É um pedaço de areia em que existem apenas arbustos, e eles não conseguem nem transitar no terreno”, colocou. Ele informou, ainda, que não há como acessar a área em que os indígenas estão por terra, mas sim apenas via fluvial, utilizando barcos.

“O acesso deles é pela água, por isso o movimento de apoio conseguiu uma canoa para eles, para que possam se locomover via fluvial, já que por terra lhes é negada a passagem. Se existe algum tipo de depredação, é em função das cercas, porque eles [a empresa] abriram corredores no meio da capoeira. O empreendimento é que derrubou pequenas árvores e arbustos”, disse. A comunidade tem recebido doação de alimentos e roupas por parte de apoiadores, também por via fluvial.

Imbróglio judicial

Atualmente, vigora uma decisão tomada em agosto de 2017 pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que determinou a manutenção de uma liminar que concedeu suspensão de uma lei municipal que alterou o Plano Diretor de Porto Alegre, para que fosse permitida a construção do condomínio na Fazenda Arado Velho. A liminar foi baseada em ação do Ministério Público contra o Município, por conta de iniciativa do então prefeito José Fortunati (PDT), ocorrida ainda em 2015, de modificar a legislação com finalidade de aumentar os limites construtivos no local – e sem realização de audiência pública, em desacordo com o que diz a Constituição Estadual.

O Cimi afirma que também tramita um pedido de transferência da competência do processo da justiça comum para a justiça federal, em função de as demandas indígenas serem de responsabilidade da União.


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