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20 de novembro de 2018
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13:07

Justiça determina que situação do Quilombo Lemos seja decidida em âmbito federal

Por
Sul 21
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Há duas semanas, Quilombo Lemos esteve prestes a sofrer reintegração de posse | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Da Redação

O processo referente à reintegração de posse do Quilombo Lemos deve, a partir de agora, ser analisado pela Justiça Federal, a quem compete determinar sobre a existência de interesse jurídico da presença da União, suas autarquias e empresas públicas. Isso porque a comunidade foi recentemente reconhecida pela Fundação Cultural Palmares como remanescente de quilombo, o que significa que agora o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) está envolvido no processo.

A decisão foi tomada pelo juiz Walter José Girotto, da 17ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, nesta segunda-feira (19). “Surpreendentemente, ao ensejo do mandado de reintegração de posse surge a notícia a respeito que a denominada Comunidade Família Lemos se autodefine como remanescentes dos quilombos, tendo inclusive a Certidão de Autodefinição (…), documento expedido em 8/11/2018, em processo administrativo com tramitação perante a Fundação Cultural Palmares”, apontou o magistrado.

Durante o dia, a família Lemos e apoiadores se manifestaram em frente ao Foro para pedir que o processo fosse enviado ao âmbito federal. Em comunicado após a decisão judicial, o Quilombo considerou que obteve uma vitória. “O amplo apoio da comunidade e das entidades representativas foram fundamentais para mudar o quadro de pressão que o Quilombo vinha sofrendo, com a ameaça de reintegração de posse iminente. Agora, a comunidade respira tranquila, para lutar por seus direitos na esfera federal, onde competem os casos de reconhecimento quilombola”, afirmam.

A ação de reintegração de posse tramita desde 2009, proposta por Sociedade Humanitária Padre Cacique contra Délzia Gonçalves de Lemos, já falecida, e seus sucessores, que atualmente vivem no local. No último dia 7, houve uma tentativa de despejo da família, mas a reintegração foi impedida por não cumprir protocolos pré-determinados. A partir daí, o advogado da Frente Quilombola Onir Araújo entrou com o argumento de que o processo deveria ser tratado no âmbito federal.

Jorge, à direita, foi quem se instalou no terreno, que hoje abriga seus descendentes | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Os fundadores do que veio a ser o sétimo quilombo urbano autorreconhecido de Porto Alegre foram Délzia e seu marido, Jorge Alberto Rocha de Lemos. Nos anos 1960, época em que chegaram no terreno que fica nos fundos do Asilo Padre Cacique, ambos trabalhavam no local, o que garantiu a eles vínculo para permanecerem ali, mesmo sem ter a propriedade sobre as terras reconhecida. Eles se instalaram no terreno, onde tiveram seus filhos e netos.

Com a morte de Jorge, em 2008, o Padre Cacique iniciou o processo de reintegração de posse contra os seus descendentes. Filho dos antigos zeladores, Sandro Gonçalves de Lemos lamenta a intransigência do asilo diante da situação. “Meu pai trabalhou por 46 anos no asilo, minha mãe, 35 anos. Ele deu a vida por esse trabalho. Literalmente, ele morreu trabalhando. Nunca lesamos o asilo em nada, tínhamos uma boa relação quando eram as freiras”, conta.

Em entrevista coletiva um dia após a tentativa de reintegração, o presidente do Asilo Padre Cacique, Edson Brozoza, chegou a dizer que a comunidade ameaçada de despejo do terreno localizado nos fundos da instituição não era um quilombo, e sim uma “invasão afrodescendente”. O reconhecimento como remanescente de quilombo se dá pelo fato de que a bisavó de Sandro, já falecida, foi uma das fundadoras do quilombo Maçambique, em Canguçu.


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