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17 de novembro de 2018
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10:32

‘Cansei de ouvir histórias de quem faliu porque ficou doente’, diz médica gaúcha eleita deputada nos EUA

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Sul 21
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Alice é médica da família em sua cidade, Lakeville | Foto: Divulgação

Débora Fogliatto

Em junho de 1988, Alice chegava aos Estados Unidos com seus pais e irmãos, aos oito anos de idade. Natural de Porto Alegre, ela cresceu em Minnesota, tornou-se médica especialista em saúde da família e, na semana passada, foi eleita uma das 134 integrantes da House of Representatives — semelhante às Assembleias Legislativas brasileiras — do Estado, onde vive com seu marido e os três filhos.

Integrante do Partido Democrata, Alice Mann tem como principal bandeira a defesa de um sistema de saúde acessível para todos, também se engajando a favor de um maior controle na regulação de armas e defendendo mais igualdade social. Durante a campanha, foi uma das candidatas apoiadas pelo ex-presidente Barack Obama. Ela recebeu 40 mil votos e foi eleita como a deputada representante de seu distrito, composto pelas cidades de Lakeville e Burnsville.

O diálogo com os pacientes que atende no dia-a-dia na clínica e no pronto-socorro onde trabalha, ambos no Hospital Northfield, foi o que a inspirou a tornar-se uma parlamentar. “Uma das grandes razões pelas quais eu decidi me envolver com a política foi porque eu estava cansada das empresas de seguro me ligando e dizendo que não iriam cobrir o tratamento que eu havia prescrito para meus pacientes. Eu cansei de ouvir histórias sobre pessoas que foram à falência ou que não conseguiam pagar seus aluguéis porque ficaram doentes”, conta Alice.

Na avaliação dela, todos os cidadãos devem ter acesso a saúde, o que atualmente não acontece nos Estados Unidos, onde não existe um sistema de saúde pública. “Nós temos um país bastante rico e não há razão para não podermos cuidar de nossos cidadãos”, afirma. O governo de Barack Obama começou a implantar o programa conhecido como “Obamacare”, o qual regulamentaria os preços dos planos de saúde, além de expandir os planos de seguros públicos e privados para uma maior parcela da população.

Alice lamenta, porém, que o atual presidente, Donald Trump, tenha tentado desmontar o sistema, o tornando mais caro para o cidadão médio. “O Obamacare foi uma tentativa de ir em direção a um sistema universal de saúde, mas infelizmente não foi bem sucedido. A atual administração tem tentado acabar com certas medidas, inclusive retirando obrigações que as seguradoras anteriormente tinham”, afirma.

Alice com seu marido, Elliot, e seus três filhos | Foto: Divulgação

A deputada eleita mora na cidade Lakeville com seu marido Elliot, seus três filhos Maxwell, seis anos, Alexander, quatro anos, e Marcelo, dois anos, e o cachorro Pepper. Além de atuar no país onde mora, a médica também já se voluntariou em missões humanitárias, para prover cuidados médicos a populações empobrecidas em outros lugares do mundo. Já trabalhou na Tanzânia, Mali, Nicarágua, Haiti, no Brasil e passou cinco meses vivendo na zona rural do Zimbábue. Recentemente, foi a um campo de refugiados sírios na Grécia e auxiliou pessoas afetadas pelo furacão Maria em Porto Rico.

“Minhas missões humanitárias certamente me inspiraram a entrar na política. Há pessoas sofrendo no mundo inteiro”, afirma, destacando que acredita que grande parte do sofrimento que ela viu pode ser evitado. “Eu espero fazer a minha parte para diminuir a quantidade de sofrimento no mundo”, diz Alice.

Defensora da diversidade e da igualdade, durante a campanha ela criticou o fato de uma deputada do Estado onde vive ter convidado para falar na Assembleia a jornalista paquistanesa Raheel Raza, associada com grupos de ódio contra muçulmanos. “Alguém que defende que haja policiais em lugares de oração é alguém que ameaça as liberdades americanas fundamentais. Eu estou ao lado dos meus vizinhos muçulmanos, o discurso de ódio não é bem-vindo aqui”, escreveu em suas redes sociais.

Em seu perfil no Facebook, criticou ainda as diferenças salariais da população, apontando que o CEO de uma empresa ganha 300 vezes mais que um cidadão comum. “Isso simplesmente não está certo”, diz Alice, que também não aceitou em sua campanha contribuições de empresas de petróleo, gás e carvão, por “priorizar a saúde das famílias”, e não o lucro de empresas que prejudicam o meio ambiente.

Ela acredita que a família não se surpreendeu com a decisão de se candidatar e que sua mãe, inclusive, a questionou se ela iria concorrer alguns meses antes de ela decidir se tornar candidata. “Eu criei um grupo de mulheres para discutir política. Depois das nossas reuniões, eu sempre sentia que algo estava faltando, que eu precisava fazer mais”, relata. Os filhos, que são muito pequenos, não entendem o trabalho da mãe ainda. “Algum dia eles irão entender e eu espero que sintam orgulho de mim. Espero que entendam que, em certo momento na história, quando eu senti que as coisas estavam indo na direção errada, eu defendi o que era certo”.

Alice com seu banner de campanha | Foto: Reprodução/ Facebook

Relação com o Brasil

Alice nasceu e viveu em Porto Alegre até os oito anos de idade, quando seus pais decidiram se mudar para os Estados Unidos devido ao alto custo de vida e incerteza em relação ao futuro. Mesmo morando no país norte-americano por tanto tempo – ela se sente mais confortável falando inglês do que português -, Alice visita o Brasil com frequência.

“Meu filho mais velho, que tem seis anos, já foi duas vezes. Eu ainda tenho família em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, e recentemente fui em uma missão médica para o Amapá. Foi uma das minhas viagens preferidas”, conta. Ela diz amar principalmente o povo brasileiro: “são calorosos e gentis, sempre me sinto muito bem-vinda quando vou visitar”.

Trinta anos depois de chegar ao país norte-americano, ela considera que sua família é um exemplo bem-sucedido de cidadãos que seguiram o “american dream”. “Somos dois médicos, um terapeuta, um policial, um oficial da Marinha, um dono de restaurante. Não poderíamos ter conseguido sem a bravura dos meus pais e a ajuda dos maravilhosos moradores de Minnesota, que nos acolheram e nos deram um lar nessa nova terra”, afirma.


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