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24 de outubro de 2018
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20:27

Polícia indicia jovem marcada com suástica; advogada diz que laudo comprova versão da vítima

Por
Sul 21
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Arranhões mostrados pela menina à perícia | Foto: IGP/ Reprodução

Da Redação

O caso da jovem que registrou boletim de ocorrência relatando ter sido vítima de um ataque na Cidade Baixa há cerca de duas semanas está encerrado na visão da Polícia Civil. Após a conclusão do laudo feito pelo Instituto Geral de Perícias, de exame das câmeras de segurança e da procura por testemunhas, o delegado Paulo César Jardim, da 1ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre, afirmou nesta quarta-feira (24), que as investigações estão concluídas e a jovem será indiciada por falsa comunicação de crime.

“O laudo foi objetivo, foi concreto, falando na auto-lesão. E por outro lado, em mais de 12 câmeras no percurso constatou-se que não houve nenhuma passagem dela nem nenhuma pessoa que seria envolvida por ali. O laudo diz que houve uma auto-lesão, ou feita por ela ou por alguém próximo a ela, com a concordância dela”, afirmou o delegado, que acrescentou ainda que a jovem tem histórico de problemas psiquiátricos e que poderia estar “debilitada”.

A defesa da jovem, feita pelo escritório Gabriela Souza Advocacia para Mulheres, aponta que a perícia não descarta a hipótese de as lesões terem sido causadas por outro indivíduo, inclusive mediante incapacidade de defesa da vítima. “Isto apenas comprova o teor do depoimento da vítima, que não esboçou reação durante o ataque e sofreu estresse pós-traumático, situação que se mantém até o momento”, diz a advogada em nota.

Segundo a BBC, a advogada também afirmou que “a sociedade sempre relativiza a palavra de uma mulher que se diz vítima. O delegado já estava predisposto a essa conclusão ao falar que era um símbolo budista na barriga dela, e não nazista. Ela disse não ter reagido porque teve uma crise de pânico ao ser cercada e agredida”.

O laudo

Em 12 páginas, o laudo analisa o machucado feitos no corpo da vítima, divulgado nas redes sociais como sendo uma suástica. O delegado Jardim refutou essa hipótese, afirmando que o desenho parecia mais com um “símbolo budista”. Já a perícia não faz referência ao teor do desenho, ao qual se referiu como “figura formada por escoriações lineares”. Os médicos legistas apontam que foi examinado ainda a cabeça, os antebraços e as mãos da jovem, nos quais não foram observadas nenhuma lesão.

“A periciada, mais de uma vez, reiterou que não lhe restaram outras lesões, pois ela não teria, de forma alguma, reagido ao ataque e que, ao ser imobilizada pelos supostos agressores, os quais lhe teriam segurado apenas pelos braços, como ela estaria usando uma roupa com mangas muito macias, estas lhe teriam protegido. Mais de uma vez, afirmou não ter havido luta corporal entre ela e os agressores, apenas a imobilização pelos braços, ao que ela teria ficado, de pronto, paralisada”, informa o laudo.

Segundo o IGP, puderam ser identificados pelo menos 20 traçados de escoriações. “Os traçados de escoriação são, de toda forma, majoritariamente superficiais, não transpassando totalmente a pele. Embora seja possível visualizar alguns traçados marcados um pouco mais sutilmente, o que chama a atenção é a grande uniformidade dos traçados de escoriação produzidos, os quais adentram a epiderme de forma similarmente superficial”, mencionam.

Ao solicitarem que ela mostrasse a mesma região do lado oposto do tronco para se comparar com a área examinada, os médicos encontraram que havia ali “outro elemento de escoriação linear, o qual acabou por revelar-se em outra figura”. A imagem assemelha-se a uma cruz. Segundo a perícia, após a descoberta da segunda lesão, no lado direito do tronco, a periciada consentiu que os dois machucados fossem fotografados, mas optou por não prosseguir com o exame visual de outras regiões corporais.

Foto: laudo IGP

O laudo aponta que para que as lesões fossem provocadas dessa forma, “o agente produtor dessas lesões tenha tido bastante habilidade e cuidado ao executar os movimentos que originaram as inscrições relatadas, bem como que ele tenha tido tempo adequado para produzir as lesões e, idealmente, um ambiente propício”. Menciona, ainda, que caso a vítima tivesse reagido durante a agressão, dificilmente os arranhões seriam tão retilíneos e contínuos.

Os médicos legistas acrescentaram que as lesões encontram-se em local que seriam “facilmente acessíveis às mãos da própria periciada”. O laudo, porém, destaca que não é possível “afirmar categoricamente que a lesão seja autoinfligida”, mas que pode-se concluir “que a possibilidade de uma agressão que tenha acontecido sem que tenha havido alguma forma de colaboração da parte da vítima ou sem que tenha havido marcada incapacidade de reação da parte dela é muitíssimo diminuta”.

O caso

Segundo o boletim de ocorrência feito pela vítima na 2ª Delegacia de Polícia Civil no último dia 9, ela estaria voltando para casa por volta das 19h30, na rua Baronesa do Gravataí, quando teria sido abordada por três homens ao descer do ônibus. Ela estaria usando uma camiseta escrita “ele não”, em referência ao candidato Jair Bolsonaro (PSL) e os agressores passaram a interrogá-la. “A vítima passou a ser agredida com socos e enquanto dois a seguravam um deles fez riscos com um canivete na barriga da vítima”, consta no BO.

Segundo postagem de uma amiga da jovem nas redes sociais, ela também estaria com uma bandeira LGBT na mochila. No texto, ela relata ainda que o desenho feito na barriga da amiga, que é lésbica, seria uma suástica. “Uma suástica… o símbolo de um dos regimes mais cruéis da história, que assassinou judeus, ciganos, comunistas e homossexuais e que os culpou por todo o mal que assolava a Alemanha no início do século XX”. Segundo o delegado Jardim, o desenho não se trata de uma suástica e não houve motivação política no caso.


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