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31 de outubro de 2018
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14:17

Pedindo resistência e levando crianças da Vila Pinto ao palco, Roger Waters encerra passagem pelo Brasil

Por
Sul 21
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O show encerrou a turnê “Us + Them” que percorreu o Brasil em oito apresentações. Foto: Giovana Fleck/Sul21

Giovana Fleck

Com foco em resistência e discurso antifascista, Roger Waters se apresentou em Porto Alegre na noite desta terça-feira (30). O show, no Estádio Beira-Rio, encerrou a turnê “Us + Them” que percorreu o Brasil em oito apresentações, sempre atravessadas pelo engajamento político. Waters, membro histórico do Pink Floyd, está no Brasil desde o dia 9 de outubro, quando se apresentou em São Paulo. Na ocasião, exibiu uma imagem indicando líderes autoritários pelo mundo – e citando o nome de Jair Bolsonaro, então candidato à Presidência pelo PSL.

Na capital gaúcha, mesmo antes de entrar no palco, Waters foi recebido com gritos de “Ele não”, contra Jair Bolsonaro. Ao redor do palco, as pessoas falavam sobre medo. “Agora eles vão bater.” “Meu pai tirou o adesivo do carro. Disse que o vizinho olhou com cara feia quando ele entrou na garagem.” “Ficou sabendo do meu primo? Arrancaram o adesivo da camiseta dele e chamaram de vagabundo.” “Agora eles vêm pra cima.”

De repente, a cor do céu no vídeo exibido no telão muda – passa de um cinza azulado para um vermelho vivo. Roger Waters entra no palco ao som de “Breathe”, composição própria sobre a vida e o nascimento. “E sorrisos você dará e lágrimas você chorará / E tudo que você tocar e tudo o que você vir / É tudo que a sua vida sempre será”, diz a letra.

A apresentação seguiu com grandes clássicos, como “Time” e “Welcome to the machine”. O show toma proporções grandiosas com a integração entre a tela e a realidade, quando luzes e sons se combinam em uma exitosa performance de imersão. “Muito melhor que os teus filmes 3D, né?”, resume a fala de um pai a seu filho, que o carregava nos ombros. O menino, deslumbrado, dedilhava “One of these days” em uma guitarra imaginária.

Roger Waters entra no palco ao som de “Breathe”, composição própria sobre a vida e o nascimento. Foto: Giovana Fleck/Sul21

O palco escureceu. Doze crianças se posicionaram ao lado do músico, vestindo uniformes laranja de presidiários e com os rostos cobertos por sacos de pano. Waters tocou “The happiest day of our lives”, que narra uma parte da história de Pink – quando é enviado para uma escola dirigida por professores excessivamente rigorosos e frequentemente violentos que desejam moldar seus alunos da forma “correta” para a sociedade.

Os acordes mudam e anunciam um dos grandes momentos esperados: “Another brick in the wall, Part 2”. As crianças, imediatamente, tiram os macacões e revelam camisetas pretas onde se lê a palavra “resist”, resista. O rosto das crianças também fica em evidência. Elas integram o projeto Ouviravida – Educação Musical Popular. Responsável por promover o ensino musical de 180 crianças da Vila Pinto, no bairro Bom Jesus, o Ouviravida oferece aulas gratuitas de canto, percussão, flauta doce e prática de conjunto.

“Resist” também tomou o telão. Ao final da música, a presença da palavra provocou reações diversas. O grito “Ele não” foi o que mais reverberou, porém, entre vaias e manifestações contrárias ao Partido dos Trabalhadores.

Então veio o intervalo. Tradicionalmente, Waters divide seu show em duas partes. Mesmo ausente por 15 minutos, não deixou a plateia sem entretenimento. A frase: “Resistia contra quem?”, aparece no telão. A apresentação começa com: “Resista a Mark Zuckerberg”, sócio majoritário e criador do Facebook. Disso, passa para outros pontos de resistência: à poluição, à militarização da polícia, ao tráfico humano, ao silenciamento de Julian Assange, ao neo-fascismo, à censura, à desigualdade, ao machismo.

Perto do palco, uma mulher vende um combinado de cachaça e energético para a plateia. Esbravejando o grito “Ele sim”, um homem para para comprar a bebida. “Me dá um beijo”, diz para a mulher ao pegar o copo. Ela se esquiva e coloca a bandeja que carregava entre os corpos dos dois, conseguindo espaço para ir embora.

Os ânimos começaram a se acirrar à medida que nomes conhecidos aparecem na tela. Quando a última imagem surge, listando lideranças “neofascistas”, o espaço onde no primeiro show esteve o nome de Jair Bolsonaro aparece com uma tarja preta. Acusada de violar a lei eleitoral, a lista de líderes neofascistas passou a apagar o nome do então candidato do PSL, substituindo-o inicialmente pela mensagem “ponto de vista político censurado”.

Segundo a organização, o show contou com a pesença de mais de 40 mil pessoas.  Foto: Giovana Fleck/Sul21

Um dos espectadores rebate os gritos de “Ele não” chamando os homens ao seu redor que se posicionavam contra Bolsonaro de “viadinhos”.

Mas quando Waters volta ao palco, o sentimento combativo parece instantaneamente substituído pela adoração de quem cantava “Dogs” como se fosse um hino nacional. “Eu amo esse homem”, esbravejava o mesmo espectador que, minutos antes, gritava adjetivos homofóbicos.

Referência ao livro ‘A revolução dos bichos’, de George Orwell, o porco que representa uma das figuras mas icônicas do Pink Floyd foi inflado no estádio com a frase “seja humano” em sua lateral. À medida em que “Dark side of the moon” começava, os fãs se protegiam da chuva, que já fazia a produção correr com tendas improvisadas no palco.

Roger Waters  encerrava sua passagem pelo Brasil ao som de “Comfortably numb”: “Tem uma tempestade vindo. Amo vocês e não quero que ninguém se machuque. Ok, bye.”


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