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13 de outubro de 2018
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11:35

Compartilhar para que não se repita: Sobrevivente lembra a infância em meio à 2ª Guerra

Por
Joana Berwanger
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Retrato de Johannes Melis, aos 79 anos de idade. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Retrato de Johannes Melis, aos 79 anos de idade. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Johannes indica a localização de Roermond na Holanda. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Roermond é uma cidade pequena, localizada no sul da Holanda, próxima tanto da fronteira com a Alemanha quanto da Bélgica. Atualmente, tem cerca de 50 mil habitantes. Como uma clássica cidade holandesa, é atravessada por rios e canais, sendo também uma das várias cidades pelas quais o Rio Mosa (Maas), um dos principais do país, passa. O acesso por via fluvial demandou desde sempre a manutenção desses canais. Durante a década de 30, Hendricus Ruthgerus Melis era responsável pelo comando de uma das eclusas das comportas do Maas, o que o levou a morar em uma pequena região a cerca de um ou dois quilômetros do centro de Roermond.

Ao final daquela década, a cidade pacata e tranquila acompanhava de longe os acontecimentos que se desenrolavam no país vizinho. Poucos imaginavam que a guerra, iniciada pela Alemanha em 1939, fosse crescer. À época, Hendricus, casado com Elisabeth, já era pai de dois meninos: Rudy, de dois anos, e Johannes, de um. A vida em Roermond seguia normal, até que, aos poucos, o barulho das bombas começou a se tornar cada vez mais frequente. Mesmo assim, poucos habitantes da cidade acreditavam na possibilidade de a Holanda entrar em confronto com a então Alemanha nazista, uma vez que, durante a Primeira Guerra Mundial, o país se manteve neutro. Hendricus, contudo, destoava do senso comum, acreditando na possibilidade de um confronto futuro. Aos poucos, ele começou a construir esconderijos pela casa da família, localizada em uma pequena rua sem saída, próxima ao Maas.

O primeiro esconderijo era uma escada embutida em uma parede, que abria uma tampa camuflada dando acesso ao pequeno sótão da casa. Mais tarde, ele elaborou outro na cozinha: mais uma escada para parte inferior da casa, que acessava a dispensa; lá, transformou uma porta em um armário giratório, que ocultava mais um espaço. Por fim, escavou embaixo da pia da cozinha, criando um buraco que foi coberto por tábuas e um paneleiro: “todo mundo chamava ele de louco, mas, um ano depois, os nazistas resolveram entrar na Holanda também”.

​Em 14 maio de 1940, a Alemanha ocupou oficialmente no país vizinhos, após a derrota dos holandeses durante a Batalha dos Países Baixos. Região estratégica, a Holanda servia, principalmente, para abater aviões dos Aliados que tentassem atravessar o país para ingressar no território alemão. O barulho de aviões voando baixo, de tiros e bombas de canhão começou a se tornar cada vez mais comum para os moradores de Roermond. A falta de segurança obrigava-os a circular cada vez menos na rua. “Nós vivíamos dentro de casa porque, a qualquer momento, podia cair uma bomba”. Grande parte das pessoas que andavam pela cidade eram, na verdade, soldados alemães, que vigiavam as ruas e quem quer que estivesse caminhando por lá. À época, Johannes recém completava dois anos de idade, dando seus primeiros passos na casa cercada pela guerra.

​A cada cidade ocupada pelo exército nazista, os soldados seguiam o mesmo protocolo: caçar todos os homens maiores de 16 anos para trabalhar para o regime. Em Roermond não foi diferente. De casa em casa, os alemães batiam nas portas para intimar pais, filhos e irmãos a irem à Alemanha. Hendricus, no entanto, teve sorte de ficar fora da lista dos convocados. Por integrar o grupo responsável pelo sistema de navegação da cidade, recebeu uma carta de liberdade para seguir na manutenção da eclusa. Assim, através do Maas, a pequena cidade começou a receber navios com a finalidade de serem carregados de mantimentos e enviados de volta ao território alemão.

 

Johannes mostra uma foto do pai, em trajes de mergulho da época. Foto: Joana Berwanger/Sul21

​Apesar de ter sido “liberado” pelos nazistas e manter uma postura de certo respeito quando estava face a face com soldados, o pai de Johannes era contrário ao regime alemão. Por estar protegido pela carta de liberdade, começou a organizar, junto com outros conhecidos, um grupo de resistência. “Meu pai se aproveitava desse benefício e fazia tudo que podia contra os alemães”. Sempre que um avião dos Aliados era abatido próximo à cidade, Hendricus saía de casa em busca dos pilotos que pudessem ter saltado das aeronaves. Na época, os paraquedas utilizados eram bastante rudimentares, fazendo com que quem saltasse caísse sem direção.

Logo, os esconderijos elaborados por Hendricus começaram a ter utilidade. A primeira pessoa escondida na casa dos Melis foi um piloto canadense que, depois de ter sua aeronave abatida, saltou e caiu próximo ao Maas. Mais tarde, a história se repetiria com pilotos de diferentes nacionalidades: um britânico e dois americanos. Depois de salvos, Hendricus, junto com seu grupo de resistência, conseguia enviar os sobreviventes em navios para países que integravam a aliança contra os nazistas.

​Enquanto tudo isso acontecia, a família de Hendricus permanecia em casa, por questões de segurança. Toda vez que o pai precisava sair, reunia os filhos e a esposa, que estava prestes a ganhar mais uma criança, para rezar. Após as preces católicas, saía, enquanto todos permaneciam apreensivos, aguardando sua volta.

​Por mais que permanecer dentro de casa fosse mais seguro do que andar pelas ruas, estar em um ambiente de guerra significava constante perigo. Aos três anos de idade, Johannes presenciou situações que jamais saíram de sua memória. “De uma hora para a outra caiu uma bomba na nossa região. Os vidros da nossa casa caíram todos, de cima a baixo”. A alternativa encontrada pelo pai para substituir os vidros, que poderiam quebrar de novo com outra bomba, foram tábuas de madeira.

​Pela Europa, a perseguição a judeus já havia começado nos territórios sob domínio dos nazistas. Em Roermond, a prática começou em 1943. Temendo pelas duas famílias judias que moravam na cidade, e pretendiam deixá-la sem rumo certo, Hendricus decidiu ajudá-las. Mesmo sem os conhecer direito, levou todos para casa. Um por um, colocou na garupa de sua moto e começou a fazer os deslocamentos. Disfarçados como podiam, os homens chegaram a se vestir com roupas de mulheres. Também para não levantar suspeitas, a moto de Hendricus exibia uma pequena bandeira nazista. Assim, os seis judeus — dois casais, um sem filhos e outro com dois — passaram a dividir a casa com a família Melis.

Apesar da pouca idade, os filhos de Hendricus e Elisabeth já tinham consciência de que ninguém poderia saber que aquelas pessoas alocadas no sótão da casa estavam lá. “O pai doutrinava a gente, falava pra gente que não podia falar, que ninguém podia saber”. A resistência, no entanto, não se limitou à ocultação de pessoas em sua casa.

Mais tarde, Hendricus e seus companheiros decidiram afundar um dos navios alemães que permanecia ancorado na margem do Maas. Algumas embarcações eram mantidas por uma ou duas semanas paradas no rio para que os soldados as abastecessem com mantimentos e enviassem de volta à Alemanha. Por não haver muitos soldados na cidade, a vigilância dos barcos era deficiente. Assim, em uma noite, o grupo liderado por Hendricus foi até o navio e cortou as mangueiras de uma embarcação, que acabaram inundando os motores e iniciaram o naufrágio. No dia seguinte, o navio já estava submerso. “Eles conseguiram afundar o navio, mas eu acho que foi um erro deles”, conta Johannes.

 

Carta de liberdade entregue pelos nazistas ao pai de Johannes. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Apesar da sabotagem bem sucedida, em pouco tempo, os nazistas começaram a desconfiar que o naufrágio estava ligado ao pai de Johannes. Por intermédio de um amigo, Hendricus ficou sabendo que quem precisaria começar a se esconder era ele mesmo.

Não demorou muito para que os soldados alemães começassem a bater na porta da residência, em busca do pai da família. A estratégia elaborada para que os nazistas não encontrassem Hendricus foi que, primeiro, Elisabeth, junto com a recém-nascida, também Elisabeth, deitasse na cama, passando a impressão de que estava doente. Os pequenos Johannes e Rudy eram responsáveis por abrir a porta para os nazistas. “‘Papai tá viajando e a mamãe tá doente’, nós tínhamos que falar”. Por morarem em uma rua muito silenciosa, sempre conseguiam ouvir quando o exército estava perto. Chegavam marchando ou em caminhões, em seis ou oito homens, sempre fazendo muito barulho. Fardados, carregando espingardas e usando capacetes cortados, empurravam as crianças para o lado e adentravam na casa, revirando tudo pela frente. “A gente tremia que nem vara, mas tinha que fazer”. A cena se repetiu incontáveis vezes, mas nunca encontraram o pai de Johannes, escondido na cozinha, tampouco os judeus, no sótão.

​A essa altura, a família estava isolada pela ausência de informação, então pouco sabiam sobre o paradeiro da guerra. Hendricus ainda possuía um rádio que estabelecia um pouco de conexão com a BBC, de Londres, mas que, mais tarde, ficou completamente sem sinal. Ainda assim, era fácil de perceber que a situação se agravava gradativamente, conforme “aumentava o número de aviões, de bombas, dos ruídos”. Aos poucos, as pessoas que moravam na região começaram a deixar suas casas, em busca de lugares mais seguros. Os judeus que permaneciam escondidos na casa dos Melis também tiveram que ser realocados. Através da organização do grupo de Hendricus, as famílias foram enviadas para outra cidade.

Para a surpresa dos Melis, o pai, em uma de suas saídas, encontrou, a cerca de 500 metros da casa, um bunker camuflado com grama na beira do rio. A construção de concreto, que garantia segurança contra bombas, foi feita pelo exército holandês logo abaixo das casas dos funcionários da eclusa do Maas e estava abandonada. Assim, decidiram se mudar para o espaço. Naquela mesma noite, a família organizou suas coisas e começou a migrar para o bunker. A mãe, o pai, Johannes e Rudy passaram a madrugada inteira carregando mantimentos de um lado para o outro em direção ao novo “alojamento”, tomando cuidado para que ninguém os visse. Latas de leite, água, comida e colchões era tudo que os cinco holandeses tinham dentro do espaço. Johannes diz que não sabe quanto tempo exatamente permaneceram no bunker, “mas era muito tempo, porque a gente não tinha noção de tempo”. Eram obrigados a permanecer lá, sem sair uma vez sequer, passavam o tempo dormindo ou ouvindo histórias da mãe. A lembrança que fica é de que “era um buraco muito escuro e frio”.

 

Ainda que fosse muito novo, Johannes tem memórias lúcidas dos acontecimentos da Segunda Guerra. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Na década de 40, por mais que houvesse a manutenção de canais e rios, Roermond não possuía uma tecnologia muito avançada para sistemas fluviais. Todos os anos, em decorrência das chuvas, a cidade alagava, ilhando as casas dos funcionários que trabalhavam na eclusa do Maas. Enquanto a enchente permanecia, o acesso ao centro da cidade só era possível com o uso de barcos.

​Logo, a água começou a aparecer dentro do bunker. Sabendo que não poderiam sair todos de lá, o pai decidiu deixar o local em busca de algo que ajudasse a criar um elevado e manter a família seca. A apreensão da saída durou pouco e logo o homem voltou com tábuas de madeira de um navio que havia afundado. O elevado serviu para manter todos fora do alcance da água, possibilitando a permanência da família no buraco.

​Sem rádio, sem calendário, sem horas e sem comunicação, o tempo corria devagar. A única informação que conseguiam deduzir era de que a guerra continuava, pelo barulho das bombas, dos tiros e dos aviões.

Enquanto os dias passavam, mais um problema surgiu: a escassez de comida. Os mantimentos que a família levou na noite em que deixou sua casa começaram a terminar. Sem água ou comida, não restava outra saída: o pai precisava sair do bunker mais uma vez. Reuniu a família e rezou, como fazia sempre. Em cinco minutos, escutou-se uma rajada de tiros. A apreensão da família se transformou em desespero, todos temiam pelo pior. A mãe desabou em choro e as crianças já não sabiam mais o que fazer. Alguns minutos se passaram e, para a surpresa de todos, Hendricus estava de volta, mas, dessa vez, escoltado por soldados nazistas.

​Os alemães prontamente entraram no bunker, suspeitando que houvesse algum tipo de armamento escondido lá dentro. Se surpreenderam com o fato de que era apenas uma família tentando se proteger. Sabendo que o pai de Johannes era procurado, suspeito de afundar o navio meses antes, o intimaram, junto à família, para embarcar, na manhã seguinte, em um navio que os dirigiria a campos de concentração na Alemanha. Assim, após revistarem tudo, deixaram a família sozinha no bunker, mais uma vez. Com o destino selado, o pai, mais tarde, decidiu sair outra vez às ruas, com o objetivo de, pelo menos, conseguir água potável para as crianças.

Ao atravessar a enchente, contornar o barranco e seguir em direção às casas, foi preso novamente. Dessa vez, no entanto, a surpresa foi que os soldados que o prenderam não usavam o mesmo uniforme dos alemães que estavam na cidade. Eram, na verdade, americanos que, há poucos minutos, haviam chegado no local e iniciado reconhecimento de território, que horas antes ainda permanecia sob domínio dos nazistas.

Mais uma vez, a presença da família no bunker surpreendeu o batalhão, que entrou em contato com o comandante da operação para realizar o resgate. Em pouco tempo, os alemães tinham recuado e, assim, os americanos decidiram avançar a tropa com canhões. Em meio ao fogo cruzado, uma tropa de soldados americanos começou a caminhar em direção ao buraco em que a família estava. Cada soldado pegou um dos Melis e bateram em retirada. “Nunca esqueço que fui carregado nos ombros de um soldado, com os pezinhos na água, e ele estava com água até o pescoço”. Os cinco foram colocados em um barco que os levou para caminhões, sendo retirados do local. Rumavam à Bélgica, que havia sido libertada pelos Aliados do domínio alemão poucos meses antes. Lá, depois de meses morando em um buraco, foram levados à casa de uma família que os recebeu.

Depois do resgate, a guerra se estendeu por mais seis meses. “Eu estava lá com essas famílias e de repente todo mundo começou a se abraçar e pular de alegria”. Aos sete anos de idade, Johannes foi testemunha ocular do fim da Segunda Guerra Mundial.

Johannes mostra imagens no livro “da sua história”, feito artesanalmente por amigos. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Com a primeira infância inteira vivida na guerra, Johannes estava desacostumado à ausência da violência e do caos, além de não conviver com outras pessoas. “Tinha que viver trancado dentro de casa, só conhecia meus pais. Fui ter contato com meus parentes bem mais tarde. Meus tios e tias eram as famílias de judeus que conviviam conosco”. A adaptação a uma rotina normal  não foi uma tarefa fácil, conta “eu não sabia nada do mundo”. Quando voltaram para Roermond, se depararam com um cenário caótico, tanques, caminhões, capacetes e destroços estavam abandonados por tudo. Durante o confronto, a cidade teve cerca de 90% de seus prédios danificados ou destruídos. Então, por mais que a guerra tivesse terminado, seus rastros permaneciam na vida de todos.

Trancadas em casa, mais uma vez, as crianças só foram se adaptar a uma nova vida mais tarde, quando a cidade já estava minimamente reconstruída. Assim, começaram a estudar em turno integral, para que recuperassem o “conteúdo perdido” durante a guerra. Em um ano, estudavam o conteúdo de dois, tentando se adaptar a uma vida fora da guerra.

“Depois de cinco anos tudo ainda era muito difícil, a Holanda estava muito arrasada”, e foi quando o pai decidiu que sairiam da Europa. Começou a organizar planos para se mudar para a Austrália e os filhos começaram a estudar inglês. Tudo estava sendo encaminhado para a mudança quando um encontro repentino mudou o rumo dos Melis: o pai reencontrou um amigo que, junto com outros holandeses, preparava-se para migrar para o Brasil. O amigo prontamente fez o convite para que fossem junto. Em um impulso, o pai aceitou, sem nem mesmo saber que língua se falava no país. Em pouco tempo, comprou um pequeno dicionário para cada filho e a família embarcou em um navio que, em quinze dias, atracou nas praias do Rio de Janeiro.

País novo, vida nova. “Quando chegamos no Brasil, meu pai disse ‘a partir de agora, ninguém mais fala de guerra, ela não existiu’”. Nesse meio tempo, Hendricus e a esposa Elisabeth receberam uma série de homenagens por seus atos durante a guerra –  desde o acolhimento dos pilotos até ter escondido os judeus em seu sótão. Entre as homenagens, estava uma carta do então presidente dos Estados Unidos da América, Dwight D. Eisenhower, agradecendo o salvamento dos pilotos americanos, a plantação de árvores nos bosques Rainha Beatrix, na Holanda, e Westerwell, em Israel, pelas famílias judaicas e a Federação Judaica da Holanda; também receberam homenagens da Rainha da Holanda, do comandante da Allied Expeditionary Force, e, por fim, receberam as medalhas “Verzetsherdenkingskruis” (em português, “Cruz Comemorativa de Resistência”), “Mobilisatie-Oorlogskruis” (“Cruz da Guerra de Mobilização”) e “Orde van Oranje-Nassau” (“Ordem de Orange-Nassau”). Ainda assim, queriam esquecer aquele passado, guardando todas as homenagens em uma caixa, que permaneceu esquecida por décadas.

 

Pai de Johannes recebeu uma carta de agradecimento assinada pelo então presidente dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenhower. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Por dois anos, a família viveu em uma fazenda no Rio de Janeiro, se adaptando ao novo continente, até que uma proposta de trabalho para o pai os fizesse vir a Porto Alegre. Mais tarde, em 1958, os irmãos Johannes e Rudy acabaram se naturalizando brasileiros: ao serem campeões nacionais de remo, pelo Grêmio Náutico União, foram convocados para competir pelo Brasil no Campeonato Sul Americano, trajando o uniforme verde-amarelo, trouxeram o título de campeões para o país.

Ao longo de toda a vida no Brasil, a família nunca mais havia tocado no assunto da Segunda Guerra. Eram apenas imigrantes holandeses que vieram ao país para tentar uma vida nova. Em 2008, no entanto, Johannes quebrou o silêncio. “Eu não sei porque cargas d’água, mas eu contei alguma coisa pra um colega de trabalho… resolvi falar. Depois que contei a história que meu pai protegeu uma família de judeus, ele disse ‘sabia que eu sou judeu?’, e eu ‘não’”.

Não demorou muito para que a Federação Israelita entrasse em contato pedindo que Johannes compartilhasse sua história. “Eu não vi problema nenhum, meu pai pediu que não se falasse, mas já passou isso também. Eles gostaram muito do que ouviram e pediram que eu falasse mais. Aí passou um tempo e eles me convidaram pra ir lá na Federação Israelita contar a minha história. Eu nunca tinha falado em público”. Ao iniciar a apresentação, se deu conta de que contar sua história era mais difícil do que parecia. “Foi muito complicado, porque eu me emocionava, revivia a história pra me lembrar, porque estava tudo na minha mente e só”.

Ainda assim, seguiu compartilhando seu relato. Em 2 de maio de 2018, participou da centésima edição painel “Compromisso Moral e Lições de Solidariedade”, promovido pelo Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, do qual participa desde o início. Ao lado de mais dois sobreviventes da Segunda Guerra, Curtis Stanton e Bernard Kats, narrou sua história para centenas de alunos do oitavo ano do Colégio Anchieta. Questionados sobre a origem da força que os levou a repetir suas histórias tantas vezes, além dos motivos pessoais, todos entraram em um consenso. “Depois que apareceu gente comentando pelo mundo, inclusive pessoas importantes, que o Holocausto não existiu, a gente tem obrigação de divulgar tudo o que aconteceu, o que a gente viveu e que tudo isso é verdadeiro. A gente tem que confirmar esses acontecimentos para que não aconteçam mais”.

 

Retrato de Johannes Melis, aos 79 anos de idade. Foto: Joana Berwanger/Sul21

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