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13 de setembro de 2018
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23:06

Haroldo Pinheiro: ‘Ao andar pela cidade, você vai consumindo boa ou má arquitetura’

Por
Sul 21
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Haroldo Pinheiro já presidiu o IAB e foi responsável pela implantação do CAU. Foto: Maia Rubim/Sul21

Renata Cardoso

Pensar a cidade como um organismo no qual pessoas, prédios e natureza consigam se articular da melhor maneira possível, de modo democrático e justo. Para que um real acesso a moradias dignas e à cidade como um todo sejam efetivados é necessário planejamento e políticas públicas. Abordando esses aspectos e diversos outros que envolvem o trabalho do arquiteto e urbanista, acontece em Porto Alegre o Seminário Exercício Profissional, realizado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) do Rio Grande do Sul. O evento, que começou nesta quinta (13) e segue na sexta-feira, é gratuito e aberto ao público, e acontece na Fundação Iberê Camargo.

O primeiro dia do evento contou com a presença de profissionais de diversas partes do país, como São Paulo, Minas Gerais, Paraíba e Santa Catarina. Assuntos como a atuação profissional dos arquitetos e a assistência técnica para a habitação de interesse social centralizaram os debates.

Luciano Guimarães, presidente do CAU/BR. Foto: Maia Rubim/Sul21

Entre os participantes esteve o presidente do CAU/BR, Luciano Guimarães. Para ele, o debate sobre o exercício da arquitetura e urbanismo deve levar em consideração as identidades e as necessidades de cada grupo social. “É necessário estar em contato com outras profissões e estar atentos a novas tecnologias e ferramentas que podem impactar o trabalho. Estar a par da legislação é o pontapé inicial para os jovens arquitetos conhecerem sua profissão e as possibilidades de trabalho”, salientou.

Um dos destaques da primeira mesa foi a participação de Haroldo Pinheiro, arquiteto formado pelo Instituto de Artes e Arquitetura da Universidade de Brasília em 1980, que foi presidente nacional do IAB e presidente fundador e responsável pela implantação e organização do CAU/BR. Também participaram da mesa, mediada por Ednezer Flores, Fabiano Melo (vice-presidente do IAB/BR), Lana Jubé (Conselheira do CAU/BR), e Rui Mineiro (vice-presidente do CAU/RS).

Pinheiro destacou a necessidade de se trabalhar com a sociedade real, com os setores mais dramaticamente afetados pelas desigualdades políticas e sociais. Destacou um movimento ético em relação ao planeta, de responsabilidade na utilização dos recursos, que gerou uma nova estética no século passado. “Sintonia ética com o nosso tempo, não podemos tratar o planeta como vínhamos tratando”.

Tiago Holzmann da Silva destacou o papel dos profissionais de arquitetura e urbanismo na vida pessoas. Foto: Maia Rubim/Sul21

Já Lana Jubé, questionada sobre as especifidades da atuação dos arquitetos, comparou a profissão à atuação de um maestro. “Todos devem estar afinados e saber da sua responsabilidade, não só do seu instrumento, mas do conjunto, mas o maestro é o responsável. Se ele faz um movimento errado, isso compromete a execução de todos os outros membros da orquestra. Na arquitetura, não é que alguém seja mais importante que outra pessoa. Se um geógrafo, por exemplo, não me der a informação correta, o meu movimento vai se comprometer. Eu preciso do geógrafo, do topógrafo, do paisagista…”.  Ainda de acordo com a conselheira, em cada área da arquitetura, há profissionais específicos, que interagem, e esse processo precisa ser perfeito. “Mas cabe ao arquiteto o exercício de organizar todas essas informações e materializar isso como obra”, diz.

Fazendo uma analogia, Tiago Holzmann da Silva, presidente do CAU/RS, reforçou a necessidade de conscientizar a sociedade sobre como os arquitetos e urbanistas podem ajudar a melhorar a vida das pessoas. “Se alguém não tem como pagar para contratar um médico, ela pode usar o SUS. Se precisa de um advogado, pode pedir auxílio da Defensoria Pública. E se alguém precisa de um arquiteto, existe uma a lei que garante essa assistência técnica. A sociedade precisa entender essa importância e saber que tem esse direito”.

Vice-presidente CAU/RS, Rui Mineiro, conselheira da CEP-CAU/BR Lana Jubé, conselheiro do CAU/BR Ednezer Flores, ex-presidente do CAU/BR, Haroldo Pinheiro, e vice-presidente do IAB/BR, Fabiano Melo. Foto: Maia Rubim/Sul21

Confira mais algumas perguntas para Haroldo Pinheiro:

Sul21: Como foi o processo de organização do CAU, que incluiu o recadastramento dos mais de 100 mil profissionais, por exemplo?

Pinheiro: A fundação do nosso Conselho foi uma luta de muito tempo, várias gerações de arquitetos trabalharam nesse projeto, mas contingências históricas, como a ditadura militar, atrasaram um pouco esse processo. No entanto, nessas mais de duas décadas, a população profissional do Brasil cresceu muito e cada vez mais se tornava um risco sair do conselho que existia anteriormente, que abrigava diversas profissões. Esse conselho não funcionava bem, mas tinha uma organização. Chegou-se a um ponto em que, decidiu-se, era urgente a criação do conselho ou sua viabilidade seria impossível. E eu acabei ficando responsável pela criação o Conselho. Na época, nós não sabíamos nem quantos arquitetos e urbanistas ao certo tinha no Brasil. No dia 15 de dezembro (aniversário de Oscar Niemeyer) eu tomei posse como primeiro presidente eleito do conselho.

Sul21: Em relação ao código de ética, qual era a preocupação?

Pinheiro: O Código de ética era uma das nossas preocupações principais. Essa questão de “Reserva Técnica” (propina), que existe em outras profissões mas é veementemente rechaçada, na arquitetura era vista até como algo glamouroso. Os estudantes estavam se formando achando isso normal, não havia uma reflexão ética. Nós vivíamos um verdadeiro vazio ético. Após a criação do Conselho, se instaurou a comissão de ética e assim foi feito e debatido o nosso código em um ano e meio. Nós adicionamos dois conceitos que achávamos importantíssimos para o nosso tempo: as questões ecológicas, de respeito à natureza na construção das cidades e do respeito às diferenças entre os seres humanos, todos serem tratados de maneira igual na construção do espaço.

‘Temos obrigação com os nossos clientes, mas também temos com a profissão e com as pessoas’. Foto: Maia Rubim/Sul21

Sul21: Como a organização do CAU impactou e impacta os profissionais da área e a sociedade em geral?

Pinheiro: Acho que já está trazendo impactos nas discussões com os diferentes interlocutores. Temos tido uma interferência muito mais eficaz junto aos órgão do governo em suas diferentes instâncias para os assuntos que nos interessam enquanto classe. Eu acho que a mudança cultural mais permanente vai ser implementada pela geração que já se forma tendo esse código de ética claro e definido.

Sul21: Arquitetura pode ser considerada uma arte?

Pinheiro: O Ex-presidente do IAB Carlos Fayet era um arquiteto completo e muito culto. E ele costumava dizer isso. Que uma peça de teatro você escolhe se quer ver, um livro, você também escolhe, mas a arquitetura é um bem cultural compulsório, ao andar pela cidade você vai consumindo boa ou má arquitetura e isso vai formando a cultura das pessoas também. Daí a responsabilidade muito maior que nós temos, e a administração pública também tem, de fazer cidades mais civilizadas e mais adequadas para a fruição da paisagem, algo que possa servir não somente para quem utilizar, mas também para quem vai passar pela frente e vai conviver com aquele prédio. Costumo dizer que temos obrigação com os nossos clientes, mas também temos com a profissão e com as pessoas que, compulsoriamente, vão ter que conviver com a edificação. E voltamos às questões éticas.


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