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14 de setembro de 2018
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22:28

Cresce mobilização pelo genérico de medicamento para hepatite C

Por
Sul 21
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Cresce mobilização pelo genérico de medicamento para hepatite C
Cresce mobilização pelo genérico de medicamento para hepatite C
Manifestantes em frente ao escritório da Gilead em São Paulo. Empresa quer patentear medicamento no Brasil e assim impedir a versão genérica. Foto: Agência Aids

Cida de Oliveira
Da RBA

A organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) está coletando assinaturas como forma de pressão sobre o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), para que não acolha pedido de patente do laboratório norte-americano Gilead.

A indústria reivindica o monopólio sobre a produção e venda do sofosbuvir, utilizado no tratamento da hepatite C. Se a patente for concedida, o comércio de genéricos do medicamento ficará proibida no Brasil durante os 20 anos de sua vigência.

Clique aqui para acessar e subscrever o abaixo-assinado.

De acordo com o MSF, que trata pessoas afetadas pelo vírus com genéricos em 13 países desde 2015, quando o medicamento entrou no mercado, já foram curadas 12 mil pessoas. Atualmente, o tratamento de 12 semanas com sofosbuvir de marca custa cerca de US$ 4.200, um valor 3.500% maior do que os US$ 120 que o MSF paga nas versões genéricas.

Muito mais barato, esses medicamentos têm eficácia de 95%, a mesma taxa de cura do medicamento de marca. Ou seja, de cada 100 pacientes tratados, 95 são curados, ficando livres da fila do transplante de fígado.

Em julho, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), vinculado ao Ministério da Saúde, obteve registro do sofosbuvir, o que permite a sua distribuição pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A produção é em parceria com os laboratórios nacionais Blanver e Microbiológica, cujo acordo tem vigência de cinco anos. A estimativa é de economia de 60% ao SUS nesse período.

Pressão

“O genérico brasileiro existe, está sendo fabricado, mas ainda não está sendo comprado. Há pressões da Gilead, que está bloqueando essa compra no Ministério da Saúde, com ações judiciais ou com representações no Tribunal de Contas da União (TCU), fake news e matérias pagas com dados mentirosos, desmentidos pelo Ministério da Saúde, que causam pânico jurídico. Uma pressão da Gilead em cima dessa compra de genérico está muito forte”, afirma Pedro Villardi, coordenador do grupo de trabalho sobre propriedade intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip).

Segundo ele, o sofosbuvir é um divisor de águas no tratamento da hepatite C, que atinge hoje mais de 700 mil brasileiros com necessidade imediata do medicamento. “É o tipo de hepatite que mais mata. Só em 2017 foram 24 mil novos casos. E hoje temos ferramentas médicas capazes de erradicar essa doença do mundo. O que existe entre as pessoas e a cura da doença é a ganância de uma empresa, que já teve um lucro com esse medicamento para mais de 50 bilhões de dólares em cinco anos de comercialização e que não se satisfaz. Uma ganância insaciável”, diz.

É essa ganância da Gilead que motiva as entidades, as pessoas portadoras da doença e seus familiares. “Estamos determinados a impedir que a empresa tenha monopólio no Brasil, para que a gente possa ter acesso a um medicamento genérico mais barato, para poder tratar todas as pessoas”, conta Villardi.

Lucros milionários

Conforme o ativista, desde que o medicamento começou a ser comprado pelo governo brasileiro, foram tratadas 75 mil pessoas, cerca de 25 mil por ano. O custo do tratamento por pessoa variou entre US$ 7.500 e US$ 5 mil. “O Egito, que não reconheceu a patente da Gilead, gastou de US$ 200 a US$ 300 por pessoa, e conseguiu tratar um milhão milhão de pessoas. O que impede o acesso é a existência da patente, que respalda os altos preços fixados por corporações transnacionais que não estão interessadas em curar as pessoas mas em perseguir os lucros milionários.”

Além do Egito, Chile, Paquistão, Índia, Ucrânia, Argentina e China rejeitaram o pedido de patente. A União Europeia também discute a questão. A tendência é de rejeição. No Brasil, o tema é uma incógnita.

Em nota, o Inpi afirma que sua atuação, bem como de seus servidores, é pautada por critérios extremamente técnicos e rígidos, sem espaço para influência externa sobre as decisões de concessão de patentes. E que segue legislação específica. Além disso, afirma que o pedido de patente do sofosbuvir, que tramita normalmente, está em fase final de exame. E destaca que, num processo de exame de patente são consideradas argumentações do solicitante e também de terceiros.

Nesta semana, sete organizações, entre elas o MSF, a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), reivindicaram ao Ministério Público Federal no Rio de Janeiro o acompanhamento do processo da Gilead no INPI. As entidades reforçaram argumentos técnicos para subsidiar os procuradores. Entre eles, informações que comprovam que a obtenção do sofosbuvir não implica em novidade tecnológica ou atividade inventiva, como defende a Gilead, e portanto o pedido não se enquadra entre os critérios para concessão de patente.

Foram enviados documentos técnicos também para o Inpi, com a defesa da rejeição. “Com o genérico, haverá economia de quase R$ 1 bilhão somente com a próxima compra de 50 mil tratamentos. Ou seja: redução de 80% do valor do que o Brasil gastaria se comprasse da Gilead”, explica Villardi.

A Anvisa e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculadas ao Ministério da Saúde, já emitiram notas contrárias à patente. Clique aqui para acessar o conteúdo.

Nesta semana, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) voltou a criticar a reivindicação de patente para o sofosbuvir. Para o órgão máximo do controle social do setor no país, a disputa de mercado sobre o medicamento usado na cura da hepatite C pode afetar gravemente a agenda de combate à doença no Brasil.

Em 2017, o Ministério da Saúde lançou um plano nacional para eliminação da hepatite C até 2030, com planejamento de atendimento aos pacientes com a doença causada por vírus que pode matar. Segundo o governo, o Sistema Único de Saúde (SUS) zerou a fila para tratamento daqueles com complicações mais graves.

No mesmo ano, o CNS recomendou à Anvisa que a Recomendação nº 007, que solicita ao INPI a rejeição da patente. “Deu certo. Porém, agora o governo brasileiro se vê diante do possível impedimento da produção nacional, que vinha gerando uma economia considerável ao SUS”, afirmou o Conselho em nota.

“Por isso, o CNS novamente reafirma seus valores em defesa da soberania nacional e solicita que o governo brasileiro e as indústrias farmacêuticas zelem pela agenda de desenvolvimento na área, levando em consideração a sociedade. A saúde pública não pode estar submetida aos interesses mercadológicos, sendo refém dos aspectos econômicos. Em primeiro lugar, os aspectos humanitários e as demandas reais de um povo que precisa ter acesso ao medicamento devem ser levados em consideração antes de um país se submeter ao lucro da indústria.”


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