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16 de setembro de 2018
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12:44

‘Contratar empresas somente pelo preço é um crime com o dinheiro público’, diz presidente do CAU/BR

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Sul 21
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Participaram do debate, mediado pelo presidente do CAU/RS, Tiago Holzmann da Silva, Luis Roberto Ponte (SERGS), Juliano Heinen (PGE-RS), Luciano Guimarães (CAU/BR), Cesar Luciano Filomena (CEAPE) e Cylon Rosa Neto (Fórum de Infraestrutura). Foto: Maia Rubim/Sul21

Renata Cardoso

Obras inacabadas, tragédias causadas por problemas técnicos, desvio de dinheiro governamental: a contratação de projetos arquitetônicos e urbanísticos pelo poder público impacta diretamente no cotidiano e na vida de milhares de pessoas. Em muitos casos, os problemas começam antes mesmo do primeiro tijolo ser erguido, quando a licitação é feita e uma empresa ou consórcio é escolhido para realizar a construção de um bem público, levando em consideração apenas o menor preço, e não a qualidade do serviço.

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Mas como conseguir qualidade e preço justo em um cenário, muitas vezes, já viciado em corrupção e onde as obras se mostram verdadeiras fontes de enriquecimento? Em debate no Seminário Exercício Profissional, realizado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) do Rio Grande do Sul, várias perspectivas foram levantadas. Os profissionais, no entanto, foram unânimes em torno de um aspecto: é necessário enfrentar o pregão como forma de contratação para projetos de arquitetura e urbanismo. O pregão é um leilão ao contrário, onde se oferece o menor preço para a realização de um trabalho. Nesse sentido, o CAU e outras entidades de classe  têm atuado para que a qualidade do projeto seja levada em conta mais do que o preço.

Luis Roberto Ponte defendeu a importância da Lei de Licitações. Foto: Maia Rubim/Sul21

Luis Roberto Ponte, atual presidente da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul, enfatizou a importância da Lei de Litações 8.666, de 21 de junho de 1993. “Seja qual for a lei que venha a ser feita ou alterada, ela precisa respeitar a constituição, que traz quatro pontos essenciais nesse sentido: qualquer compra precisa de licitação pública, assegurar as mesmas condições a todos que participam da licitação, o contrato tem que manter as condições de pagamento da proposta e a garantia de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia de cumprimento”. Ele apresentou diversos pontos da lei, que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, como, por exemplo, o fato de ela estabelecer um preço máximo para que a proposta possa ser aceita e exigir a existência prévia de projeto e orçamentos corretos, que permita a clara preparação de uma proposta adequada e a execução racional do objeto de licitação. Defendeu, ainda, que quem critica a lei são governantes que desejam ter os mesmos “poderes” que os agentes privados, ou seja, escolher quem contratar ou não.

Cylon Rosa Neto: ‘Obra boa é obra pronta’. Foto: Maia Rubim/Sul21

Também participando da discussão, Cylon Rosa Neto, representante do Fórum de Infraestrutura (RS), ressaltou que “obra boa é obra pronta”. “Hoje em dia, não se busca o melhor custo-benefício, somente o melhor custo e esquecemos do benefício. Fazemos o pior uso do dinheiro público e não damos retorno para a sociedade”, disse.

Juliano Heinen, da Procuradoria Geral do Estado, também integrou o debate e ressaltou que objetivo da nova legislação que está sendo discutida sobre o assunto é buscar melhor qualidade, enfatizando o resultado e bons projetos. Defendeu que o regime diferenciado de contratações não vê o licitante como inimigo. “Uma lei não vai fazer com que simplesmente os problemas acabem. O mau comportamento está nas coisas e nas pessoas. Nós temos que avançar na qualidade dos projetos”, disse.

Para o presidente do CAU/BR, o arquiteto Luciano Guimarães, o projeto é fundamental e contratar empresas somente pelo preço é um dos maiores crimes com o dinheiro público. “Se uma empresa oferece 30% a menos do que está no projeto, como essa empresa vai executar essa obra? O processo licitatório exige que se tenha consulta de mercado para depois fazer a licitação e quando chega no pregão o preço cai. Então quem está certo? O gestor público que fez essa tomada de preços ou o gestor da empresa que apresentou um orçamento abaixo? Como a sociedade vai fiscalizar a construção de uma escola se o projeto diz uma coisa e no pregão diz outro?”, questionou.

Guimarães também falou sobre os desafios da profissão, sobre as possíveis formas de contratação pública e sobre a atuação do CAU no debate sobre as mudanças na lei de licitações. Confira:

Luciano Guimarães: ‘O pregão é uma distorção quando ele é usado para contratação de projetos de arquitetura e urbanismo’. Foto: Maia Rubim/Sul21

Sul21: Qual é o cenário da profissão no Brasil atualmente? Quais os principais desafios?

Luciano Guimarães: Hoje, no Brasil, nós somos 160 mil arquitetos. Em 2010, nós éramos 90 mil, um contingente bem expressivo de profissionais que estão ai para atender as demandas da sociedade no que diz respeito às habitações e aos espaços públicos. Um dos nossos maiores desafios é ampliar a comunicação com a sociedade em geral sobre a construção da cidade, o espaço público. O território de trabalho do arquiteto é o edifício, mas sobretudo as cidades, em todas as suas complexidades e demandas: espaço público, infraestrutura, ocupação do solo, gestão e planejamento.

Sul21: Sobre a questão dos contratos públicos e licitações, como o sistema que temos hoje afeta o trabalho dos arquitetos e a sociedade?

Luciano Guimarães: Arquitetura e urbanismo são espaços construídos em todas as suas escalas e dimensões,  portanto, o poder público, para contratar projetos que sejam de escolas, hospitais, conjuntos habitacionais, praças, ginásios, tudo, depende de projeto e planejamento. Contratar uma obra sem projeto executivo completo, sem todas as informações necessárias e fundamentais para a execução é uma temeridade, visto as obras da Copa. Praticamente em todos os estádios de futebol da Copa houve algum problema de orçamento, problemas que geraram aditivos vultosos para serem concluídas. Então, é fundamental que a gente discuta a questão das licitações públicas para garantir que a sociedade seja atendida com obras necessárias à organização e à construção das cidades com preço justo e com qualidade. E a gente só tem isso garantido se temos um projeto completo orçado para que seja executado com toda a segurança.

Sul21: Quais os problemas do pregão?

Luciano Guimarães: O pregão é uma distorção quando ele é usado para contratação de projetos de arquitetura e urbanismo e projetos de engenharia, porque ele não dá importância para a qualidade técnica do projeto, somente para o preço mínimo, e certas vezes o preço é aviltado e, consequentemente, o projeto e a obra vão ter resultados negativos. Todo o processo de licitação é obrigado a ter um projeto e um orçamento. Se um orçamento foi organizado de forma real, atendendo a todas as composições de preço e custo e você vai fazer uma licitação com um preço abaixo do que foi orçado, a obra não vai chegar ao final. E a paralisação tem suas consequências nefastas, porque a sociedade estava esperando por essa obra. E obra parada tem custos pela paralisação e tem custos para concluí-las. Então o resultado acaba sendo um gasto muito maior do que aquilo que foi orçado inicialmente.

Sul21: Que benefícios a contratação por concurso público pode trazer?

Luciano Guimarães: O concurso público é uma experiência antiga. Exitem na França, por exemplo, experiências muito consolidadas de contratação de projetos de arquitetura e urbanismo pelo poder público. São experiências que estamos discutindo também para consolidar o concurso público como forma de contratação. A vantagem que tem é que são oferecidas várias propostas para escolher a que melhor vai atender à sociedade, tudo isso respeitando o orçamento público.

Sul21: O CAU está realizando alguma discussão sobre a lei 8.666?

Luciano Guimarães: Nós estamos acompanhando no Congresso Nacional a comissão mista que discute a proposta de alteração da lei 8.666, que é a lei de licitações públicas, e levando o nosso ponto de vista, que é: obras com projetos completos, o concurso público como modalidade de contratação de projetos e a proibição de pregão para a contratação de projetos e obras. Fazemos isso para tentar interferir no projeto em prol da sociedade, para garantir uma legislação que atenda às questões de ética e qualidade na elaboração de obras públicas.

 


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