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17 de setembro de 2018
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13:45

‘Concentração imobiliária em áreas bem servidas de infraestrutura aumenta desigualdade’

Por
Sul 21
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Debate a respeito do Plano Diretor no seminário promovido pelo CAU/RS. Foto: Maia Rubim/Sul21

Renata Cardoso

A tendência nas cidades é a concentração da produção imobiliária em áreas bem servidas de infraestrutura e mobilidade, aumentando cada vez mais a concentração de renda e a desigualdade. A afirmação é do presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil de São Paulo, Fernando Túlio, que, na última sexta-feira (14), participou do seminário Exercício Profissional, realizado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS), na Fundação Iberê Camargo.

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O impacto do planejamento das cidades na vida dos cidadãos centrou o debate sobre Plano Diretor, que contou ainda com a participação de Antônio Zago, representante do Sinduscon, Rafael Passos, presidente do IAB/RS, e foi mediada por Vinícius Vieira, conselheiro do CAU/RS.

Voltado para a realidade de Porto Alegre, Rafael Passos salientou que as diretrizes e os princípios do Plano Diretor da Capital estão bastantes atuais, porém os instrumentos para a aplicação desses princípios precisam de uma revisão. “O Plano Diretor se divide basicamente em uso e ocupação do solo e a questão das estratégias. Do ponto de vista do uso e ocupação do solo, o Plano de 1979 tinha regras bem definidas. Já a última revisão, que está em vigor até hoje, deixou as normas mais abrangentes, permitindo que a iniciativa privada decida, por exemplo, se determinado prédio terá uma fachada ativa (comércios no andar térreo, entre outras possibilidades). Com essas regras, nem um servidor consegue, quando está analisando um projeto, exigir que se obedeça a certas normas ou não”, disse.

De acordo com Passos, quando se fala em cidades para as pessoas, um conceito cada vez mais importante nacional e internacionalmente, a questão da fachada ativa é essencial. Ela garante a circulação de pessoas no local em diferentes horários, resultando em mais segurança. “Vinte anos depois desse regramento menos rígido, vemos que não houve uma resposta da produção imobiliária buscando atender às diretrizes do Plano Diretor nesse caso”, frisa.

Rafael Passos falou sobre a experiência do Plano Diretor de Porto Alegre. Foto: Maia Rubim/Sul21

O arquiteto também chama a atenção para a construção de bairros planejados, que muitas vezes não atendem basicamente os princípios do Plano Diretor, como no caso do Parque Germânia e seu entorno. “Esse tipo de projeto acaba produzindo um modelo no qual temos quadras de prédios sem relação com a rua (gradeados), sem nenhum comércio local, de coisas básicas, como padaria e farmácia, o que não privilegia os pedestres. Se faz um bairro inteiro no qual, para a pessoa comprar um pão, muitas vezes, precisa usar carro. E nos princípios do Plano [Diretor] se fala em privilegiar os pedestres”, salienta.

Passos cita ainda outras questões que, na opinião dele, precisam ser revisadas, como aquela relacionadas à função social da propriedade e da cidade, que ficaram sem regulamentação, e a criação das áreas urbanas de habitação prioritária, que nunca foram definidas. Questionado sobre a importância do debate público a respeito desses assuntos, o arquiteto chamou a atenção para o fato de o Plano Diretor ser, inicialmente, um grande acordo entre diferentes atores sociais: poder público, quem mora na cidade e quem trabalha nela. “Se não há um acordo, se não existe essa discussão, haverá uma dificuldade de que todos compreendam o que está sendo proposto e também na implementação do Plano. A nossa preocupação em geral é que quando não há um processo público de participação, aqueles atores que têm acesso mais privilegiado às instâncias de tomada de decisão, vão ter mais poder de influência e isso amplia a assimetria de poder na sociedade. Ainda mais em Porto Alegre, com esse governo que a gente sabe que quem tem privilégio é o setor empresarial, e os outros grupos sociais acabam fora dos processos. Já estamos com quase dois anos de governo e a gente não viu nenhuma movimentação maior nesse sentido”, alertou.

De acordo com Passos, já era para existir um diagnóstico técnico bastante detalhado, a ser trabalhado com as comunidades, pois o próprio Plano Diretor estabelece regras para sua revisão e avaliação, tanto para o corpo técnico quanto para o político participativo. “A gente ouve um aceno do atual gestor que a intenção é fazer uma grande revisão, e isso nos preocupa mais ainda. Em que momento a população vai ser convidada para debater? Ou essa grande revisão vai chegar da noite para o dia na Câmara Municipal, que não tem um corpo de assessores técnicos que possam orientar a decisão que vai ser tomada? Isso aumenta o poder de influência dos grandes lobbies, o transporte público, o mercado imobiliário, o mercado da construção civil, que são os grandes atores com poder de influência política na cidade. Em dois anos é possível fazer uma revisão, é pouco indicível, mas é possível. Mas uma mudança do tamanho que se acena, acho bastante delicado. Em 1999, houve um grande debate e, aí sim, uma grande mudança, foi um processo que começou em 1993 para ser concluído em 1999”, explica.

O presidente do IAB/SP falou um pouco mais sobre a experiência do Plano Diretor da maior cidade do País. Confira a entrevista:

Fernando Túlio deu detalhes sobre a experiência em São Paulo. Foto: Maia Rubim/Sul21

Sul21: Qual a maior dificuldade para a implementação de programas de moradia?

Fernando Túlio: Implementar a política habitacional para quem precisa, em São Paulo, tem como grande desafio o acesso à terra.

Sul21:? Ao pensar o Plano Diretor, qual a importância de se contar com a participação popular?

Fernando Túlio: Um dos aspectos primordiais é conseguir estabelecer uma metodologia efetiva, em que os vários atores sociais possam colaborar, e, para além de colaborar, possam discutir entre eles as diferentes posições e com isso avançar para um pacto de uma cidade que seja alinhada aos interesses públicos.

Existe, por um lado, uma preocupação com os planos diretores em geral, de que eles acabem se tornando uma grande carta de intenções e não tenham efetividade de fato em transformar os processos de produção do espaço urbano. Há uma tendência em São Paulo, e acredito que em outras cidades também, de que haja uma concentração da produção imobiliária por áreas bem servidas de infraestrutura, de mobilidade e equipamentos e, com isso, aumenta a tendência de que esses locais concentrem cada vez mais renda, o que gera uma cidade desigual. O interesse público é de que haja uma captura da valorização imobiliária para conseguir investir em outras áreas da cidade, pois muitas vezes um terreno é valorizado não por que o proprietário fez alguma coisa, mas sim porque ali passa uma ciclovia, ou algo do tipo, algum bem que foi construído socialmente. Essa é uma equação muito difícil de se fechar.

Sul21: Como um Plano Diretor pode interferir no crescimento econômico de uma cidade?

Fernando Túlio: Por exemplo, no caso de São Paulo, que você tem uma área central, que é conhecida como centro expandido, que conta com infraestrutura, equipamentos e os empregos da cidade, onde se tem os terrenos mais caros. E nas bordas no município você tem a população de baixa renda que fica se deslocando. Com isso, você gera um prejuízo de tempo para essas pessoas e esse é um custo que muitas vezes acaba não sendo medido. Tem a emissão de gases poluentes pelos automóveis que acaba acarretando em doenças e na antecipação da morte. Na cidade de São Paulo, se não me engano, são cerca de quatro mil mortes antecipadas por ano por causa de doenças respiratórias, isso tem um custo. Tem todo um redesenho do modelo da cidade que geraria uma série de benefícios. Mas, por outro lado, tem a possibilidade positiva de capturar a valorização imobiliária, posto que a valorização de um terreno não é medida de forma isolada, e sim pela sua localização, e a valorização desse local se dá por uma série de investimentos públicos. A captura da valorização imobiliária é uma possibilidade de investir recursos na cidade como um todo. Se isso for feito de maneira estratégica, você pode construir uma cidade policêntrica, favorecendo a construção de uma cidade mais equilibrada.


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