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14 de setembro de 2018
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23:25

Após deixar Venezuela e ter dificuldades em Roraima, famílias chegam ao RS na esperança de dias melhores

Por
Sul 21
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Venezuelanos ficarão hospedados no bairro Vila Osório | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

“Não tem mais como viver lá”. Com essas palavras, o venezuelano Luís Enrique Carrasco resume a motivação para sair de sua terra natal, a Venezuela, e vir tentar uma vida melhor no Brasil. Ele foi um dos 89 venezuelanos que chegaram a Esteio nesta quinta-feira (13), acompanhado da esposa, Juliana Sánchez Gomez, e do filho, o pequeno Deusmar, já nascido em solo brasileiro, há pouco mais de um mês.

O casal passou seis meses em Roraima antes de vir para o Rio Grande do Sul, como parte da Operação Acolhida, o processo de interiorização proposto pelo governo federal. Na Venezuela, Luiz trabalhava como pedreiro, quando conseguia trabalho, mas mesmo nessas ocasiões o dinheiro ganho não era o suficiente para sustentar a família. “Está muito difícil lá, o dinheiro não chega para comer”, explica. Em Esteio, eles afirmaram estar se sentindo “muito bem” e terem sido bem recepcionados.

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Para receber os 89 refugiados que chegaram ao município nesta segunda leva – 125 homens foram levados à cidade na semana passada -, a Prefeitura de Esteio e a Associação Antônio Vieira (ASAV) – entidade conveniada da Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) – montaram um evento de boas-vindas no ginásio municipal Sílvio Batista, na divisa com Sapucaia do Sul. Lá, as famílias desembarcaram dos ônibus que as transportaram desde o aeroporto Salgado Filho, onde chegaram em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB). Outros 87 venezuelanos vindos de Roraima no mesmo voo foram encaminhados para Canoas.

Juliana e Luís Enrique chegaram a Esteio com seu filho Dausmar, que é brasileiro |Foto: Guilherme Santos/Sul21

No ginásio, encontraram diversos voluntários do programa Conta Comigo, identificados por camisetas verdes, e receberam marmitas com alimentos fornecidos pelo Exército. A Prefeitura também montou um estande da Loja Social Móvel, projeto que fornece roupas doadas a pessoas em situação de vulnerabilidade. As famílias, muitas delas com crianças, saíam dos ônibus parecendo aliviadas, mas tímidas, carregando apenas uma bolsa ou sacolas de supermercado.

Assim que pegavam as marmitas, os venezuelanos se acomodavam nas arquibancadas do ginásio para comer e, nos casos de muitas mulheres, amamentar os filhos. O sentimento geral no local era de gratidão. “Somos muito agradecidos, estão nos recebendo muito bem”, disse Yensi Escalona, que estava acompanhado de sua esposa, Fatima Renjifo, e dos filhos de dois e cinco anos de idade. Em Caracas, onde viviam, ele trabalhava como marceneiro e ela, como ajudante de cozinha. O plano, agora, é se estabelecer em Esteio e procurar emprego. “Viemos para ter uma vida melhor”, resumiu Fatima.

Jantar de recepção

A maior parte dos pertences das famílias foi levado direto para a pousada onde estão hospedados, a pouco mais de uma quadra do ginásio. Até pouco tempo atrás, o local, às margens da BR-116, no bairro Vila Osório, servia de moradia para trabalhadores da Petrobras. Agora, os 27 quartos serão ocupados pelas famílias chegadas da Venezuela, que poderão cozinhar e fazer as refeições em áreas compartilhadas. O aluguel será pago pela Acnur e o fornecimento de alimentos ficará a cargo do Exército.

Para recepcionar os novos moradores da cidade, um grupo de venezuelanos que chegou a Esteio na semana passada trabalhavam como voluntários no ginásio, enquanto outros cozinhavam o tradicional “pollo y papas” (frango com batatas) na cozinha do alojamento. “Vamos fazer um purê de batata, que é algo típico de lá, com leite e queijo”, explicou Carlo Rojas, um dos que trabalhava na preparação dos alimentos, enquanto cortava os pimentões verdes que seriam usados para temperar o frango.

Venezuelanos que chegaram na semana passada prepararam janta para os recém-chegados | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Enquanto cozinhava, Carlo se divertia com os outros venezuelanos e com algumas brasileiras que auxiliavam no preparo das comidas. Seu bom humor é facilmente explicado: “estamos todos encantados”, diz ele sobre a nova vida em Esteio. “Nos ‘gusta’ muito, estamos contentes, as pessoas são muito amáveis. Estamos nos sentindo em casa”, resume. Ele passou três meses em Roraima antes de vir ao Estado, experiência que classificou como “muito dura”. “E na Venezuela a situação é muito triste, aqui é o contrário, tem alegria, harmonia”, afirma.

O sentimento era compartilhado por Jorge Adalberto Milan Malave, que também chegou na semana passada e já se voluntariou para recepcionar os compatriotas. “Eu vim por compromisso moral, porque a recepção que nos deram aqui foi muito especial, e eu quis fazer isso como gratidão, uma pequena porção do que vocês fizeram por nós”, explica ele, falando um bom português, que aprendeu com uma professora gaúcha durante o tempo que morou em Boa Vista. “Eu fiz um curso de português numa escola municipal, com uma professora que nasceu em Porto Alegre, e aprendi muita coisa, comida típica do Rio Grande do Sul, que é churrasco, chimarrão. Aprendi muito, a escrever e falar português”, conta o jovem.

Ele diz que os venezuelanos em geral estão se sentindo muito bem desde que chegaram a Esteio, onde foram recepcionados de forma bastante diferente do que em Roraima. “A situação é muito boa, o pessoal é acolhedor. Eu estou muito alegre de ficar aqui em Esteio, uma cidade muito bonita. É muito melhor aqui”, garante ele, que ficou cinco meses em Boa Vista. Na Venezuela, Jorge era técnico em instrumentação industrial, mas não sabe se irá conseguir autenticar o título para continuar exercendo a mesma profissão aqui. Isso, porém, não o preocupa. “Estou entregando currículos, para melhorar minha vida e tratar de superar o passado. Posso fazer qualquer tipo de coisa, já trabalhei em lava-jato, mercado, como ajudante de pedreiro. Venezuelanos sempre sabem fazer muita coisa”, afirma.

O Rio Grande do Sul irá receber cerca de 600 venezuelanos no total | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Devido à grave crise que assola o seu país, onde a inflação altíssima combinada com a escassez de alimentos e produtos básicos provocou uma grande onda migratória, a família de Jorge está espalhada pela América do Sul. Seus pais são separados e ele foi o único integrante da família que ficou na Venezuela, enquanto a mãe se mudou com o marido para a Colômbia. Uma das irmãs dele ficou em Boa Vista, outra mora no Peru e uma terceira em Pernambuco. “Foram os acontecimentos da vida que nos separaram, mas eu quero trazer minha irmã [de Boa Vista] pra cá, porque ela tem uma menina de 2 anos. E também meu pai, tenho saudade da minha família”, conta ele.

Estrutura

Nesta sexta-feira (14), equipes da Secretaria Municipal de Educação de Esteio já foram ao local conhecer as famílias para verificar as idades das 30 crianças que chegaram e cadastrá-las na rede para que possam ser encaminhadas a escolas já na próxima semana. No total, o Rio Grande do Sul irá receber mais de 600 venezuelanos, dos quais 221 ficarão em Esteio e 425 em Canoas.

Para acolher os imigrantes, Esteio vai receber R$ 530,4 mil do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), recursos que serão investidos em ações principalmente de assistência social, saúde e educação, ao longo de seis meses, período que poderá ser renovado. A administração municipal da cidade vai contratar profissionais para acompanhar o dia a dia dos abrigos e prover os serviços que forem necessários. Canoas, que receberá o dobro de migrantes, contará com recursos de R$ 1 milhão.

Confira mais fotos:

Foto: Guilherme Santos/Sul21
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