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14 de agosto de 2018
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22:31

Após fechamento de buraco em muro, crianças da Vila Dique estão sem acesso à escola há uma semana

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Sul 21
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Buraco feito no muro que separa a Dique da Avenida Sertório antes de ser fechado, na semana passada | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Todos os dias, para levar as cerca de dez crianças da Vila Dique à Escola Municipal de Educação Infantil Vila Floresta, as mães da comunidade caminhavam com seus filhos por cerca de 2 km, iniciando o trajeto em um caminho tomado por escombros e vegetação, passando por um buraco feito em um muro e chegando à avenida Sertório. Na terça-feira da semana passada (7), porém, elas foram surpreendidas ao chegar ao muro e não encontrar a passagem. Sem a abertura, seria necessário caminhar por mais de uma hora para chegar à escola, o que inviabiliza a ida das crianças às aulas.

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A Vila Dique, que existe há mais de 40 anos nas margens da Avenida Dique, ao lado do Aeroporto Salgado Filho, começou a ser reduzida em 2009. Na época, obras que teoricamente seriam necessárias para a Copa do Mundo de 2014 levaram ao reassentamento de grande parte da comunidade, com a transferência de 900 famílias para o Conjunto Habitacional Porto Novo, ao lado do Porto Seco, no bairro Rubem Berta. Desde então, os moradores que ficaram no antigo local vivem um embate com o poder público para tentar garantir a sua permanência, ao mesmo tempo em que sofrem com a retirada de aparelhos básicos, como o posto de saúde e a escola de educação infantil que havia na comunidade.

Quatro anos após a Copa, as obras ainda não foram concluídas e as cerca de 300 famílias que permaneceram na Dique vivem na precariedade. A falta de acesso à escola é um dos principais problemas, que foi agravado pela construção, em 2016, do muro feito devido à ampliação da Avenida Severo Dullius, que cortou o acesso da comunidade à avenida Sertório. É nesse muro que os moradores haviam aberto um buraco, estratégia que desde então funcionava para que fosse possível levar as crianças de 0 a 5 anos à escola localizada no bairro Jardim Floresta.

Com o fechamento do buraco, não é possível chegar à escola, porque, como se tratam de crianças pequenas, elas não conseguem caminhar por longas distâncias, segundo explica Jessika Motta, integrante da Associação Comunitária da Vila Dique Resiste. “A minha filha não consegue fazer esse trajeto inteiro a pé, por exemplo. Todas as crianças estão em casa agora, inclusive algumas que ficavam em turno integral e se alimentavam somente na escola. Agora, estamos nos ajudando como dá, uma doa um quilo de alguma coisa, outra de outra coisa”, conta.

As mães precisaram explicar a situação na escola, após receberem um bilhete de que o Conselho Tutelar seria avisado devido à ausência das crianças nas aulas. “Tivemos que explicar para as professoras e elas entenderam, mas estamos preocupadas porque não estamos conseguindo resolver a situação”, lamenta Jessika. Os pequenos já estão há uma semana sem frequentar a escola.

Defensora Isabel (Centro) visitou a Vila Dique em fevereiro e percorreu o caminho feito para chegar à abertura no muro | Foto: Nicole Carvalho / Ascom DPERS

Essa é uma das preocupações da defensora pública Isabel Rodrigues Wexel, do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia, que acompanha a situação da Vila Dique de perto. “O que é pior, além de fecharem o muro, elas ficam preocupadas porque isso pode configurar um tipo penal por não levarem as crianças nas escolas, ou seja, a situação pode ficar pior. Por isso eu irei contatar o Conselho Tutelar, para terem ciência da situação, no sentido de que são os principais responsáveis por acompanhar as crianças”, explica ela, que relatou estar muito triste com o ocorrido.

Assim que aconteceu o fechamento do buraco, Isabel contatou a Promotoria Geral do Município sobre a situação, mas o órgão reiterou que a passagem pelo local não seria possível. À reportagem do Sul21, a assessoria de imprensa da PGM explicou que, por se tratar de uma área de obra, a circulação de pessoas não pode ser permitida, sob pena de colocar em risco a segurança dos próprios moradores. A Fraport Brasil – Porto Alegre, responsável pela gestão do aeroporto e pelas obras, confirmou ter fechado a passagem “com a intenção de proteger o sítio aeroportuário, os usuários do aeroporto e a comunidade do entorno, de acordo com as regras da aviação civil”, afirmando querer evitar “qualquer perigo ou acidente à comunidade” devido à presença de máquinas de grande porte.

A defensora tem uma agenda com o núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público para tratar do caso no próximo dia 29, mas espera conseguir adiantar o encontro devido à urgência da pauta. Ela também levanta a possibilidade de se modificar alguma linha de transporte público que facilitasse a chegada à escola, mas destaca que, devido à carência da comunidade, é possível que os moradores não tenham condições de pagar. Atualmente, a única opção para ir de ônibus à escola seria pela linha B02, que no entanto demora mais de uma hora, além do custo.

Detidas pela BM

Quando se depararam com o buraco fechado, que também é o principal caminho para chegar ao posto de saúde mais próximo, as moradoras da comunidade voltaram a abri-lo com a ajuda de marretas, mas relataram ter sido surpreendidas pela Brigada Militar, que as teria impedido de continuar com a ação e detido cinco mulheres. Segundo os relatos, seis viaturas teriam aparecido no local, onde as moradoras foram algemadas e liberadas após darem explicações aos policiais.

Alguns dias antes desse episódio, as moradoras relatam que ainda houve o fechamento de outra passagem importante para a comunidade, com a destruição de uma ponte que dá acesso à Avenida das Indústrias. Nesse caso, foi o acesso à escola de ensino fundamental que foi dificultado, mas no sábado (11), a comunidade foi ao local e reconstruiu essa passagem.

Na avaliação da defensora Isabel, essas ações são pensadas para pressionar a população a se mudar da Dique. “Eles estão tentando fazer com que a população saia dali de qualquer jeito e nós vamos resistir até o fim, estamos tentando todo diálogo possível para que se resolva da melhor forma, que continuem prestando os serviços básicos, o mínimo”, garante ela.


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