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13 de julho de 2018
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10:00

Uma dúvida paira sobre as obras do Cais Mauá: há recursos para iniciar a revitalização?

Por
Luís Gomes
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Passados oito meses do anúncio do início das obras, ainda não é possível ver sinal de recuperação dos antigos armazéns. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Luís Eduardo Gomes
Giovana Fleck 

Em 5 dezembro de 2017, a Prefeitura de Porto Alegre anunciou com pompa e circunstância a entrega da Licença de Instalação para a primeira fase da obra de revitalização do Cais Mauá. Passados oito meses, ainda não é possível ver nenhum sinal de recuperação dos antigos armazéns. Pelo contrário, de lá para cá, a situação da empresa responsável, Cais Mauá do Brasil S.A., só levantou mais dúvidas, pois passou por troca no comando, troca no fundo de investimento responsável pela captação de recursos para tocar a revitalização, promoveu alterações de projeto, além de, principalmente, ter sido ligada à uma investigação da Polícia Federal sobre fraudes em fundos de investimento.

Apesar de todas essas questões, e do fato de as obras ainda não terem sido iniciadas de fato, oficialmente não há nenhum problema com a revitalização do Cais Mauá. Em 5 de março, a Prefeitura anunciou que ela estava começando com a restauração de 11 armazéns (do A6, no extremo da Usina do Gasômetro, até o B3, próximo à rodoviária de Porto Alegre), fase cujo investimento era estimado em R$ 140 milhões. A previsão de conclusão da obra, na ocasião, era de dois anos.

Contudo, em 19 de abril, a Polícia Federal deflagrou a Operação Gatekeepers, cumprindo nove mandados de busca e apreensão em Porto Alegre e no Rio de Janeiro para averiguar fraudes relacionadas a fundos de investimento. O esquema apurava o caso de um fundo de investimentos que teria aplicado valores em empresas de construção civil sem que as obras públicas fossem, de fato, executadas e, possivelmente, desviando as quantias para benefício de seus próprios administradores. Na ocasião, o delegado Eduardo Bolli não deu o nome das empresas investigadas, mas confirmou que os administradores do fundo investigado estão ligados à administração do consórcio Cais Mauá do Brasil S.A.

Ato de entrega da Licença de Instalação ao empreendedor Cais Mauá do Brasil, em dezembro de 2017. (Foto: Maia Rubim/Sul21)

Durante a execução da Operação Gatekeeper, um dos mandados de busca e apreensão foi cumprido no número 104 da rua Olavo Barreto Viana, onde se localiza o escritório da empresa Finance Moinhos. José Antônio Bittencourt, Ademir Schneider e Silvio Marques Dias são os três sócios-diretores do escritório de consultoria em fundos de investimentos. A Finance foi reportada como a assessora da NSG – que adquiriu 39% do capital do consórcio do Cais Mauá em 2012.

No entanto, José Antônio Bittencourt também é citado como porta-voz da REAG Investimentos. Procurado pelo site T1, em fevereiro de 2018, Bittencourt foi identificado como “representante da empresa em Porto Alegre” pela assessoria de imprensa da REAG. O site T1 investigava na ocasião a situação do fundo municipal de Palmas (TO), o Previpalmas, que adquiriu, em 7 de dezembro, R$ 30 milhões em cotas de participação no Fundo do Cais Mauá, criado para captar dinheiro para a revitalização.

Quando a Prefeitura entregou a Licença de Instalação da primeira fase da obra, em dezembro de 2017, quem falava como diretora-presidente da Cais Mauá do Brasil S.A era Júlia Costa, que ocupava o cargo desde setembro de 2014 – entrara no lugar de Andre Albuquerque, que presidiu o consórcio entre março de 2013 e esta data. No entanto, em fevereiro de 2018, depois de autorizado o início da obra, ela foi trocada por Vicente Criscio. A mudança ocorreu em função da troca do fundo responsável por fazer a captação de recursos da obra, que deixou de ser a ICLA Trust e passou a ser, justamente, a REAG Investimentos.

A Cais Mauá do Brasil S.A., por meio de sua assessoria, informou que nem ela e nem agentes públicos foram alvos da investigação da PF, mas confirmou que a Operação Gatekeepers a obrigou a desenvolver um novo modelo de captação, que estaria em andamento, para viabilizar o veículo dos aportes e a continuidade do projeto. “Estamos montando um novo veículo para captação. Dessa forma, os recursos previstos inicialmente para entrarem no Cais no final devem sofrer um atraso de 3 a 4 meses em relação ao cronograma original, mas sem mudar o prazo final de obra. Estamos seguros que esses recursos virão”, disse a empresa em nota.

Após receber essa resposta, a reportagem enviou um e-mail questionando a Cais Mauá do Brasil S.A. qual era o montante atual de recursos que há haviam sido captados, do que se tratava essa mudança na forma de captação e se havia ocorrido alguma mudança de CNPJ, além de duas perguntas sobre o andamento das obras. Essas últimas foram respondidas, as primeiras foram devolvidas em branco.

A situação reacende o debate sobre a questão das garantias financeiras que o consórcio já deveria ter apresentado quando foi declarado vencedor da licitação para realizar as obras, em 2010. Durante muitos anos, entidades reunidas no coletivo Cais Mauá de Todos questionaram o fato de que a licitação previu a obrigatoriedade de apresentação de garantias financeiras da ordem de R$ 400 milhões, o que configurou, em 2010, um impeditivo para que grupos interessados participassem da concorrência, mas, segundo dizem, nunca foi apresentado pelo Cais Mauá do Brasil S.A. A questão chegou a ser apontada em um parecer do Tribunal de Contas do Estado (TCE), junto com outras irregularidades no projeto e no andamento do licenciamento. A Contadoria e Auditoria Geral do Estado (Cage) chegou a pedir a aplicação de multas ao consórcio por não cumprimento do contrato, mas estas não foram aplicadas.

Rafael Passos, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no RS (IAB-RS), uma das entidades que participa do coletivo de movimentos, atualmente reitera o mesmo questionamento. “Isso ainda não entrou na minha cabeça. Como é que eles apresentam garantias e agora a captação é o que vai atrasar a obrar. É algo de se estranhar. Eles tinham que já ter esse dinheiro”, questiona.

Empresa diz que encontrou um passivo ambiental maior do que o esperado na área. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Quando as obras vão iniciar?

Outro motivo apontado para o atraso pela empresa nas obras é o fato de que, após dar largada nos trabalhos, em 1º de março, encontrou-se um passivo ambiental maior do que o esperado na área, isto é, a limpeza da área iria demorar mais do que o esperado. A Cais Mauá do Brasil S.A. diz que ainda está em fase de análises laboratoriais do material encontrado e que, concluída essa etapa, irá encaminhar laudos e conclusões para a Secretária Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smams) e só depois estará apta a dar sequência ao projeto do ponto de vista técnico.

“A área identificada é dez vezes maior que a prevista inicialmente. É importante que se diga que esta área foi, por muitos anos, o principal porto da cidade. Ali eram estocados fertilizantes, produtos químicos, combustíveis e equipamentos elétricos, como transformadores de grande porte”, diz a resposta da empresa. “De qualquer forma, reiteramos o compromisso do Cais Mauá em entregar a Fase 1 (armazéns) no último trimestre de 2019”.

Procurada, a Smams disse que todo o trabalho referente ao passivo ambiental é de responsabilidade da empresa contratada. Rafael Passos diz que, de fato, é comum que o passivo ambiental encontrado seja maior do que o esperado. “Mas muitas vezes também é utilizado como justificativa quando se quer protelar alguma coisa”, ressalva.

Concomitante a este processo de limpeza, a Cais Mauá do Brasil S. A. está realizando um processo de licitação para a contratação de uma empresa que vai, na prática, tocar a revitalização dos armazéns, cujas propostas começaram a ser recebidas nesta segunda-feira (9). “Depois disso vamos fazer as análises de qualificação financeira e fiscal dos licitantes. Na sequência, faremos a análise técnica e comercial. É um processo delicado, que envolve valores altos e – como já era previsto no cronograma – requer tempo e diligência na análise. Acreditamos que todo esse processo de escolha deva levar um mês depois da chegada da última proposta”, diz a empresa.

A Smams diz que, do ponto de vista burocrático, não há mais licenças a serem emitidas para a realização da primeira fase da restauração. Novas licenças só serão necessárias nas próximas duas etapas. A segunda fase corresponde ao setor Docas, que prevê a construção de torres comerciais com serviço de hotelaria, centro de convenções e estacionamento e a recuperação da Praça Edgar Schneider, que tem previsão de investimento de R$ 300 milhões. A última fase é a área do Gasômetro, ao norte, que deve receber um centro comercial, com estimativa de investimento de R$ 250 milhões. Cada fase tem previsão de conclusão de dois anos após o seu início.

Responsável pela fiscalização da obra, a Secretaria Estadual de Transportes foi questionada pela reportagem sobre o andamento das obras e respondeu que o contrato com a Cais Mauá se encontra em plena vigência. “Isto significa que as obrigações de parte a parte devem ser cumpridas e nos devidos prazos contratuais. Foi nos informado uma demora no cronograma de 120 dias a partir da deflagração da investigação da Polícia Federal no escritório da empresa em Porto Alegre. Ainda não foi informado previsão de retomada das atividades de canteiro de obras”, disse, em nota, apontando duas questões negadas pela empresa, que ela foi alvo da investigação e que as obras estavam, na prática, paradas.

Projeto de revitalização do Cais Mauá ainda está sendo alterado | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Mudança no projeto

No início desta semana, foi divulgado outro fato novo sobre a revitalização do Cais Mauá. Em sua coluna em Zero Hora, o jornalista Túlio Milmann afirmou que a empresa havia mudado o projeto das fases futuras, que agora não mais contaria com um grande shopping próximo ao Gasômetro, mas seria substituído por uma “estrutura mais horizontal”.

À reportagem, a empresa confirmou que houve alterações, inclusive no projeto da primeira fase. “Os armazéns não tiveram grandes mudanças. Foi apenas revisão de conceito de uso de espaço (divididos agora em 2 clusters na área de armazéns: cultural/serviços e destino). Isso reflete num mix comercial mais adequado às necessidades da população”, diz a empresa. “Já a área do gasômetro passou a ser um cluster de entretenimento/ gastronomia/comércio. Uma área muito agradável para convivência, lazer e consumo, com alamedas, praças, restaurantes e prestação de serviços”.

A coluna de Túlio Milmann divulgou uma imagem que seria do projeto, mas, na resposta ao Sul21, a Cais Mauá disse que divulgará os projetos no “tempo certo”.

A Secretaria de Transportes diz que não recebeu, até o momento, nenhuma alteração do projeto e aponta que a responsabilidade de aprovação de eventuais alterações é do município – a Smams não disse que aprovou alguma mudança -, além de informar que não ocorreu nenhuma alteração societária na Cais Mauá do Brasil S.A.

As mudanças de projeto eram outra suposta irregularidade apontada pelos movimentos sociais. Uma das grandes justificativas da Prefeitura para entregar a esta empresa o direito de tocar a revitalização era o fato de o projeto apresentado originalmente ter sido feito por renomados escritórios de urbanistas, do brasileiro Jaime Lerner e do espanhol Fermín Vázquez. No dia em que Marchezan autorizou a obra, a Prefeitura destacou que eles assinavam a obra. Passados oito anos e muitas alterações, não se sabe ao certo o que resta do projeto original deles. Questionada sobre, a Cais Mauá também não enviou resposta para essa pergunta. “Nem Jaime Lerner, nem Fermín Vásquez, nem a equipe que vinha conduzindo os projetos estão envolvidos mais”, aponta Rafael.

Enquanto isso, durante a Copa do Mundo, os espaços dos armazéns já começaram a ser utilizados pela iniciativa privada. A Budweiser, patrocinadora do mundial de futebol, utilizou o espaço para promover festas para o público assistir os jogos da Seleção brasileira, com apresentações musicais. O acesso era pago, com ingressos que variavam entre R$ 40 e R$ 90. Resta saber quando o espaço será devolvido à população porto-alegrense como prometido.


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