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27 de junho de 2018
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22:57

Moradores em situação de rua denunciam práticas de tortura em abordagem da Brigada Militar

Por
Luís Gomes
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Equipe do Samu faz atendimento a morador de rua que teria sido vítima de violência policial | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Três pessoas foram detidas em uma abordagem realizada pela Brigada Militar no Viaduto dos Açorianos, Centro de Porto Alegre, entre o final da manhã e o início da tarde desta quarta-feira (27), para coibir o tráfico de drogas. Segundo relatos de pessoas em situação de rua e da Rede de Apoio ao Movimento Nacional de Moradores em Situação de Rua (MNMR), os policiais empregaram práticas de tortura contra dois homens, com afogamento e asfixia úmida seguido pelo uso de taser (arma de eletrochoque).

Segundo a rede, a abordagem foi realizada por duas viaturas, com entre seis e oito homens, que chegaram ao local para uma ação de combate ao tráfico de drogas no local. A informação é de que três pessoas foram detidas, uma mulher e dois homens. A advogada Jucemara Beltrame, que estava no local, diz que recebeu relatos de pessoas que moram sob o viaduto de que os dois homens haviam sido vítimas de práticas de tortura. Ela esteve no local e informou que os dois foram mantidos por mais de uma hora em uma viatura e que chegou a ter uma arma apontada contra si por um brigadiano ao perguntar para onde os detidos seriam levados.

Morador de rua foi colocado em camburão da BM durante abordagem pela manhã. Posteriormente, foi liberado e atendido pelo Samu | Foto: Rede de Apoio ao MNMR

Após a abordagem, a mulher foi levada para a 3ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), no Bairro Navegantes, enquanto os dois homens foram conduzidos para paradeiro desconhecido. Segundo Jucemara, após algumas horas, eles foram liberados no bairro Humaitá e retornaram para o viaduto. A reportagem esteve no local e presenciou o momento em que um dos homens que havia sido detido, identificado como Marciliano, foi levado para o Hospital de Pronto Socorro (HPS) por uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Ele estava deitado em um colchão e consciente quando a equipe chegou, mas reclamava de fortes dores no tórax, nas pernas, costas e pescoço, e apresentava ferimentos no corpo. O outro homem teria sido retirado do local pela família.

Ivam Martins, diretor de Comunicação do Sindicato dos Municipários da Capital (Simpa), cuja sede é vizinha ao viaduto, também acompanhou o caso e diz que as abordagens são rotineiras, com frequentes denúncias de violência policial e a adoção de práticas de torturas. Segundo ele, as abordagens se tornaram mais violentas a partir do mês de maio. Ivam encaminhou à reportagem imagens que seriam de pessoas vítimas de violência policial em outras ocasiões.

Integrante do Conselho Estadual de Direitos Humanos e do Comitê Estadual Contra a Tortura, Carlos D’Elia diz que os dois órgãos estão acompanhando o caso e que já receberam denúncias anteriores de violência policial cometida contra pessoas em situação de rua que moram e circulam naquela região. “São reiterados os relatos que chegam para a gente de abordagens, todas em relação a moradores de rua, mais especificamente daquele viaduto, que são muito violentas”, diz.

A defensora pública Mariana Py Cappellari, que atualmente integra a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, diz que também está ciente das denúncias e que está sendo elaborado um relatório sobre casos de violência policial anteriores registrados naquele local a ser entregue, em breve, ao Ministério Público.

Homem é levado pelo Samu para o HPS | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

A reportagem procurou o tenente-coronel Mohr Picon, comandante do 9º Batalhão de Policiamento da Capital, responsável pela região do Centro, que confirmou a realização da abordagem. No entanto, inicialmente, ele informou apenas que uma pessoa havia sido detida e que não sabia informações sobre os outros homens. Posteriormente, confirmou que eles foram levados para uma delegacia onde foi lavrado um termos circunstanciado contra cada um deles por posse de drogas. Picon afirmou que as abordagens no local são rotineiras por se tratar de um local conflagrado pelo uso e tráfico de drogas, mas disse não ter recebido nenhuma denúncia sobre excessos cometidos por policiais.

“Não tem nenhuma denúncia sobre isso. Agora, que nós estamos fazendo constantemente abordagens naquela área, é com certeza. É uma área com o tráfico de drogas muito forte, com uso de drogas, com roubos, com violência, tanto entre eles quanto com as pessoas que transitam pela região. São muitos usuários, dependentes químicos de crack. Então, é uma área muito conturbada da cidade em que nós fazemos, normalmente, abordagens e prisões, porque sempre tem o consumo, no mínimo, ou tráfico de drogas. Quanto a ações violentas, todas as ações são feitas ali à luz do dia. Se houver qualquer tipo de prova, testemunha, a gente abre a investigação ou um inquérito para investigar, mas eu não tenho nenhuma notícia que aponte para qualquer ação mais violenta ou fora da técnica dos policiais. Se aparecer, a gente toma as medidas necessárias para a investigação”, diz o tenente-coronel Mohr Picon.

A reportagem conversou no local com uma moradora que pediu para ter o seu nome preservado. Ela denunciou situações anteriores de violência. “Praticamente um dia sim, um dia não, tem espancamento”, disse. “Eles dão choque, eles afogam. Botam um pano no rosto das pessoas e começam a largar água. Dão choque com a pessoa molhada. E espancam. Eles querem saber quem é o patrão, quem é o homem, quem traz”.

Ela disse conhecer os dois homens presos, que, assim como ela, morariam no local. Já a outra mulher, que foi presa em flagrante, disse conhecer apenas de vista.

Moradora exibe marca no ombro que seria de agressão policial | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A moradora, que já foi presa acusada de tráfico de drogas uma vez, também diz que já foi vítima de violência policial em uma oportunidade e exibiu uma cicatriz no ombro que seria a marca da violência. Ela diz que as pessoas em situação de rua que param no local estão acostumada com a abordagem da polícia, mas atribui o aumento da agressividade nestas ações ao Pelotão de Operações Especiais, também afirmando que começaram a partir de maio. “O erro da POE é agredir. Prender por tráfico sempre vai acontecer, mas assim não está certo”, disse.

Enquanto a reportagem estava sob o viaduto, por volta das 17h, outra viatura do 9º BPM esteve no local. Três agentes conversaram com a moradora — única pessoa que permanecia ali — e com Ivam, que fizeram relatos da situação e, no caso do municipário, exibiu fotos que seriam de agressões anteriores sofridas pelas pessoas em situação de rua. Os policiais deixaram o local após cerca de meia hora e não quiseram responder a perguntas.

Outra viatura da BM esteve no Viaduto dos Açorianos após o incidente | Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

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