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30 de maio de 2018
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10:30

Sob constantes denúncias de precariedade, Postão da Cruzeiro tem projeto de reforma parado desde 2007

Por
Luís Gomes
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Sob constantes denúncias de precariedade, Postão da Cruzeiro tem projeto de reforma parado desde 2007
Sob constantes denúncias de precariedade, Postão da Cruzeiro tem projeto de reforma parado desde 2007
Problemas de superlotação são frequentes no Pronto Atendimento. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Localizado em uma das áreas de maior vulnerabilidade social de Porto Alegre, o Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul, na zona sul da Capital, frequentemente aparece no noticiário pelos seus problemas de superlotação e pela precariedade das condições de trabalho e de atendimento à população. É o maior pronto atendimento do RS, chegando até a ser classificado como “hospital clandestino” por órgãos representativos da classe médica. No entanto, há desde 2007 recursos disponibilizados pelo Ministério da Saúde (MS) para a sua ampliação, mas que estão parados pela demora na conclusão do projeto e pela falta de recursos da Prefeitura.

Coordenadora do Conselho Municipal de Saúde (CMS) e assistente social do Pacs, Maria Letícia de Oliveira Garcia explica que a “novela” da reforma se arrasta desde antes de 2007, quando foi assinado o convênio entre a Prefeitura e o Ministério da Saúde. Antes do acordo, havia um programa do Ministério da Saúde, o QualiSUS, que garantia recursos para investimentos em emergências de todo o Brasil e, segundo Maria Letícia, um aporte de R$ 2,5 milhões chegou a ser disponibilizado para o Pacs. “Mas esse dinheiro foi repassado para o HPS porque o Pacs não tinha projeto de reforma”, diz.

A precariedade da situação levou a uma mobilização popular exigindo melhores condições de atendimento no Postão, que se estendeu para a classe médica. Em 23 de maio de 2007, uma ação do Cremers, do Simers e de médicos do Pacs promoveu a “interdição ética” do Postão por falta de condições. Na época, o então presidente do Cremers, Marco Antônio Becker, classificou a medida como um “ato extremo, tomado quando os demais recursos não tiveram sucesso”. Entre os motivos apresentados para a decisão estava a falta de condições mínimas de individualidade e privacidade nas salas de observação (para pacientes mais graves), a falta de condições adequadas para triagem dos pacientes, condições sanitárias precárias, a superlotação de diversas áreas e, entre outras coisas, o fato de que o Postão funcionava, na prática, como um hospital.

Maria Letícia destaca que a reforma é urgente para melhorar as condições de atendimento no local, que é o maior pronto atendimento do Estado hoje. Em 2017, conforme dados da Secretaria Municipal de Saúde, a média de atendimento mensal foi de 26.318 pacientes, o que representa uma média diária de 877 atendimentos, entre adultos e crianças, nas áreas de clínica médica, pediatria, saúde mental, odontologia, traumatologia, pequenos procedimentos cirúrgicos e radiologia.

Diretora do Sindicato Médico do RS (Simers), Clarissa Bassin trabalha na emergência do Pacs desde 1997. Ela avalia que, ao longo do tempo, foi aumentando a complexidade do atendimento realizado no Postão, mas a área física não acompanhou a oferta de serviços. “É tudo muito inadequado e desconfortável, para quem trabalha e, principalmente, para quem espera atendimento”, diz.

Após a realização de reformas pontuais e de a Prefeitura assumir compromissos para a melhoria da infraestrutura, o Pacs foi reaberto no final de junho daquele ano, tendo permanecido quase 40 dias fechado. Clarissa destaca que, durante a interdição, uma reforma foi feita e trouxe pequenos benefícios para o local, como um banheiro específico para as crianças, mas diz que uma reforma maior está “caindo de madura” há anos. “O Postão é um hospital clandestino, tem a complexidade que muitos hospitais do interior não têm”, avalia.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Reforma que não sai

Ao final de 2007, foi firmado acordo entre o então prefeito José Fogaça (MDB) e o Ministério da Saúde para a realização da reforma. O primeiro entrave encontrado foi o fato de que o terreno do Postão pertencia ao governo federal e a obra dependia da cessão do terreno para a Prefeitura, o que só ocorreu em 2011. Em 2012, a empresa Incorp Consultoria e Assessoria foi contratada, via licitação, para realizar o projeto da reforma por um valor de R$ 800 mil.

Maria Letícia diz que, originalmente, a obra visava apenas o setor da emergência. Mas, em 2012, já na gestão de José Fortunatti (PDT), o secretário Carlos Henrique Casartelli (PTB) avaliou que todo o prédio do Pacs deveria ser reformado, o que acabou por ser licitado. Segundo Maria Letícia, na ocasião, a medida contou com o apoio do conselho municipal. “Só que, quando enviaram o projeto para o Ministério da Saúde, orçaram o valor da obra toda em R$ 39 milhões, e o MS respondeu que o que estava em análise eram apenas R$ 12 milhões, ou seja, R$ 10 milhões do ministério e R$ 2 milhões de contrapartida do município”, diz.

A coordenadora do CMS explica que, a partir de então, o que tem se visto é uma demora na conclusão do projeto. Em dois pareceres, de dezembro de 2016 e novembro de 2017 (ver no final da matéria), o Ministério da Saúde pede que sejam feitas correções para que a liberação dos recursos seja autorizada. Maria Letícia destaca que se tratavam de pequenos ajustes no orçamento previsto pela Incorp, como adequação de preços de equipamentos, questões documentais, etc. No entanto, nesse ano, a Incorp decidiu desistir do trabalho e romper o contrato. A partir da análise documental, o CMS aponta que a empresa já havia recebido 98,75% dos R$ 800 mil contratados via licitação. Maria Letícia diz que a Prefeitura informou que irá acionar a empresa judicialmente. O CMS também irá encaminhar a situação para o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) e já notificou a Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara de Vereadores sobre a situação. “Nos interessa que a Prefeitura acione a empresa, sim, mas nos interessa que o projeto saia do papel”, diz.

Mariaa Letícia destaca que, há pelo menos dez anos, a Cosmam anualmente faz visitas e produz relatórios sobre a situação do Pacs, sempre apontando falta de condições estruturais, bem como, tramita na Justiça desde 2008 uma ação de autoria do Ministério Público, e nada foi feito até agora.  “Todas as áreas são velhas e desgastadas, as cadeiras estão enferrujadas, o piso está falho e precisa ser trocado, equipamentos estão muito obsoletos ou em falta. Sempre se faz pequenas obras e vai se ajustando aqui e ali, mas uma obra que de fato qualifique o serviço deveria ser pensada para todo o setor”, diz.

Alberto Terres, diretor-geral do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), diz que os problemas estruturais começam pelo fato de que o prédio que abriga o Pacs originalmente sediava uma unidade do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), não sendo adequada para o serviço prestado atualmente.

“É uma estrutura muito antiga e precária. A comunidade, o conselho municipal e os trabalhadores cobraram inúmeras vezes dos governos a reforma”, diz.  “O problema de sucateamento da estrutura física se agudiza pela falta de funcionários para atender a população. No pronto-atendimento de saúde mental, que a capacidade é para 14 pessoas, é corriqueiro ter em torno de 28, 30 pessoas, inclusive juntando adolescentes, homens e mulheres, o que é proibido pela Política Nacional de Saúde Mental. Chegando ao Postão da Cruzeiro, o paciente não é protegido, sofre uma agressão constitucional porque é colocado no chão, em cima de cobertores ou colchonetes, isso fere todos os princípios de dignidade humana. Falta vontade política da Secretaria Municipal de Saúde em definir essa situação”.

Clarissa Bassin destaca que o sistema de ventilação do posto é totalmente inadequado para um local que trabalha com pacientes de doenças infecto-contagiosas. “A ventilação são as janelas abertas e um ar-condicionado doméstico, quando funciona”, diz. A médica também salienta que em muitos espaços são usadas divisórias de escritórias para separar os leitos, impróprias para ambientes de saúde. “Uma reforma bem feita pode propiciar um atendimento muito mais qualificado, não deixar as pessoas deitadas e internadas em colchonetes, uma situação absurda em 2018″, afirma.

No dia 8 de maio deste ano, a Cosmam fez uma reunião sobre o situação do Postão, quando foram apontadas deficiências no serviço de Saúde Mental, falta de recursos humanos, equipamentos e materiais de trabalho, além de problemas estruturais. Na ocasião, Giovanni Abrahão Salum Júnior, da Coordenação de Saúde Mental da SMS, afirmou que a estratégia da atual gestão contempla ações de curto e médio prazos, como a reforma da área física e estrutural do setor de Saúde Mental do Postão. Disse ainda que o Planejamento Municipal de Saúde Mental prevê a instalação, em médio prazo, de mais sete Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e de 30 novos leitos no Hospital Santa Ana para que o atendimento que hoje é feito no Pacs seja pulverizado.

Com relação à reforma do saguão de recepção dos pacientes do PAC, Diego Fraga Pereira, da Coordenadoria de Urgências da SMS, disse que não há no momento recursos disponíveis. “Temos conhecimento das carências e do pouco espaço para receber os pacientes. Está planejada a reforma do saguão do Postão, mas não há recursos para executar agora”. Com relação à falta de recursos humanos, destacou que, recentemente, o Postão recebeu três técnicos de enfermagem e um enfermeiro, “o que não cobre todo o déficit”, mas já representa um avanço. “Estamos tentando melhorar o quadro de RH”, disse.

Já no último dia 18, a promotora do Núcleo da Saúde da Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos de Porto Alegre, Liliane Dreyer da Silva Pastoriz, firmou um acordo com a SMS para o estabelecimento de um plano de contingência válido por dois meses para enfrentar a superlotação no Pacs, voltado para a transferência de pacientes da saúde mental. “Havendo indicativo de superlotação, serão acionados pelo gestor municipal os diretores responsáveis pelas unidades psiquiátricas dos prestadores de serviços contratualizados a fim de alocação de leitos extras ou como parte deste plano de emergência”, disse.

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