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15 de maio de 2018
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11:26

Palestinos falam de dia de luto e luta no aniversário da ocupação do território por Israel

Por
Sul 21
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Bandeira da Palestina, ao meio das bandeiras do Brasil e do RS | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

Há 70 anos, o dia 15 de maio é sinônimo da Nakba para comunidades palestinas. Em árabe, a palavra significa “catástrofe”. A data, um dia depois da Independência do Estado de Israel, em 1948, ganhou o sentido pelo qual seria lembrada depois que 700 mil palestinos fugiram ou foram escorraçados de suas casas, centenas de aldeias foram destruídas, para que se abrisse espaço para o novo Estado e muitos morreram.

Nesta segunda-feira (14), às vésperas do Nakba 70, no mesmo dia em que protestos contra uma nova embaixada norte-americana em Jerusalém foram reprimidos, deixando 58 mortos, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul se reuniu para discutir porque a data é importante e qual a urgência de levar a causa palestina para o mundo.

O deputado Nelsinho Metalúrgico (PT), presidente da Frente Parlamentar de Solidariedade aos Migrantes e Refugiados, proponente da audiência pública, qualificou a questão de “infeliz coincidência”. Mas lembrou que os eventos reforçam a importância de se falar sobre a Palestina.

“A humanidade não pode conviver com uma política de extermínio, de limpeza étnica, de ataque, de desrespeito às resoluções das Nações Unidas, que são práticas constantes de Israel. Desde 1947 foi estabelecido pela ONU a existência de dois territórios, dois Estados e isso precisa ser respeitado. Precisamos falar da Palestina porque é inadmissível que a gente assista de forma passiva o assassinato de crianças, de homens, mulheres, que estão lutando com suas ideias, com sua resistência contra um Exército fortemente armado, como o Exército israelense”, diz ele.

Sua assessora, Maysar Hassan veio ao Brasil com 7 anos. O pai dela já havia imigrado antes, tentando deixar para trás as perseguições e bloqueios de se viver dentro da Palestina. Em 1948, a chacina de Deir Yassin já havia mostrado como poderia ser a vida, caso insistissem em continuar vivendo ali. “O meu pai não quis que ficássemos lá e viemos para o Brasil. Eu lembro muito bem. Isso não sai da minha cabeça, da minha mente, por isso que eu cresci, com essa garra de lutar pelo meu povo, pelas crianças. Eu senti na pele o que eles estão sentindo. Sempre vou ser mais uma voz a gritar pelo meu país”, afirma ela.

Além de ser um dos países que mais recebeu refugiados palestinos, o Brasil também teve uma participação decisiva no que daria início ao “nakba” palestino. Em 1947, o voto de minerva em uma recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU), empatada em torno da criação do Estado de Israel, veio de Oswaldo Aranha. O gaúcho e secretário de Getúlio Vargas, estava representando a delegação brasileira e foi o responsável pelo voto. Passadas décadas, o próprio Itamaraty passou a organizar campanhas sobre o tema.

Milton Rondó, ex-coordenador geral de ações internacionais de combate à fome do Itamaraty, conta que vários países da América Latina tinham acordos de cooperação com a Palestina, mas nenhum no volume do Brasil. Entre 2006 e 2016, o país ajudou a cobrir o consumo de refugiados palestinos no Oriente Médio. Boa parte dos recursos vieram da produção de arroz do Rio Grande do Sul, que chegou a ter isenção de ICMS, no governo de Tarso Genro (PT), para facilitar a doação.

“A luta do povo palestino, acho que é a luta da humanidade. Temos que cobrar para que haja a partição como as Nações Unidas determinaram. Ou seja, dois Estados. A situação humanitária é extremamente grave, a gente vê isso no caso de Gaza, onde mais de 80% da população nunca saiu de lá. Por isso fizemos projetos lá”, conta ele.

Uma história de família

Saleh, com as três filhas, no evento que discutiu os 70 anos de Nakba | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Para quem foi embora, a resistência em nome de todo o povo é ainda mais importante. Em 1948, Saleh Bujaa tinha 17 anos e estava entre os 70 homens de sua aldeia que resistiram à entrada dos soldados israelenses na sua terra natal. Saffa tinha dois mil habitantes.

Às 22h, comandados por um líder local, se organizaram a 50 metros de distância um do outro, combinaram de dar tiros para alertar quando alguém se aproximasse. Os judeus leram isso como defesa. Perto das 6h da manhã, o comandante do lado israelense, que era um cristão, comandou 60 soldados e três blindados, para entrar na aldeia. Deixaram 150 mortos no campo de batalha. Segundo Saleh, eles queriam se vingar da cidade, porque foi a única que resistiu.

Depois do episódio, ele decidiu partir, deixando a mãe, tios e tias, vários parentes na Palestina. Às vezes que conseguiu voltar ao território, para visitá-los, ele conta que sempre foi usando o passaporte brasileiro.

“Onde está enterrado o patriarca Abraão, Sara, sua mulher, Isaac, filho deles, é uma cidade chamada Hebrom e é uma mesquita muçulmana. Eu me considero filho de Abraão, descendente direto dele. Judeus, árabes são descendentes dele. [Um dia] chega um médico armado, 5h da manhã, horário que os muçulmanos estavam fazendo oração. Matou 69 pessoas, feriu não sei quantas, até que mataram ele. Esse médico, que fez juramento para salvar seres humanos, hoje tem uma estátua que os israelenses fizeram, como herói, porque matou mais palestinos”, diz ele.

Uma das filhas dele vive próxima à região dos conflitos. “Hoje, um outro familiar nos relatou que um drone passou por cima da sua casa. Desses grandes, que carregam as bombas, em direção à Faixa de Gaza. Tu imaginar que um familiar teu está assistindo aquilo ali e está muito próximo, faz te sentir amarrado”, conta a filha dele, Soraia Bujaa, bacharel em Direito e professora do grupo folclórico Palestino Terra.

Ela e duas irmãs acompanharam o pai durante a audiência. As três usavam o lenço ‘rata’, com orgulho. “É um símbolo da resistência. Um palestino o usando é o símbolo da sua resistência, da sua terra, de todo o sofrimento que se passa lá, da continuidade à sua cultura. [Se identificar como palestina] é lutar por uma causa, por um povo, isso é constante. Até o dia que, se Deus quiser, a gente vai conseguir a liberdade, recuperar tudo o que se perdeu, ir e vir. A gente não é terrorista. O povo palestino luta por aquilo que é dele”, explica outra filha, Fairuz Saleh, advogada e integrante do grupo folclórico Palestino Terra.

Para Saleh, a luta pelo Estado da Palestina vai além das religiões e não pode ofendê-las. “Nós não somos contra judeus. Somos contra usurpadores. Aqueles que nos deixaram sem documento, perdidos no mundo. Somos cerca de 14 milhões de palestinos, espalhados. No Rio Grande do Sul, estão 60% dos palestinos que vieram para o Brasil. Eu respeito a religião e Deus, não aceito atacar nem sinagoga, nem mesquita, nem igreja”.

Livro conta a vida sob ocupação

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Além da mesa que debateu a Nakba, o evento na Assembleia serviu ainda para lançar o livro “Palestina, um olhar sobre a ocupação”, de autoria de um vereador e um vice-prefeito de Cascavel, além de um assessor da cidade de Foz do Iguaçu. Os três partiram em uma comitiva para visitar a cidade de Jericó, a mais antiga do mundo, com pouco mais de 10 mil anos, e entender a vida debaixo de uma ocupação.

Paulo Porto (PCdoB), vereador, conta que um dos momentos mais marcantes da viagem para lá foram os chamados “check points” (pontos de checagem), onde precisaram parar. A viagem de 45 minutos acabou levando 3h30 minutos. Do prefeito da cidade de Jericó, ele ouviu: “Eu posso falar horas sobre a Palestina ocupada, mas nada é tão pedagógico quanto um minuto no check point”.

Nessa mesma viagem, Jihad Abu Ali, diretor de assuntos internacionais da secretaria de turismo de Foz e presidente da Associação de Árabes e Palestinos na cidade, teve a entrada à Palestina negada. Foi a segunda vez que lhe aconteceu em toda a vida. A primeira foi em 2005. “Eu retornei agora, em 2018, e não me deixaram entrar, pelo fato de eu ser palestino, militante da causa no Brasil. Acabei pagando esse preço de não poder visitar meu tio, minha tia, o túmulo dos meus avós. Fui deportado por outros dez anos”.

Nilton Bobato, vice-prefeito de Foz do Iguaçu, que também integrou a comitiva, complementou: “Como o mundo aceita passivamente isso? Por que não conseguimos fazer como foi feito com a África do Sul, no apartheid? O que aconteceu hoje, aconteceu ontem, há 10 anos, há 50 anos. A ocupação e as mortes são rotineiras. Foi isso que encontramos lá”.


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